Por Daniel Afonso da Silva, par o Jornal GGN –
Cyril Lionel Robert James (1901-1989).
Quando ele morreu, em maio de 1989, na Londres capital da metrópole de sua Trinidad natal, oTimes não tergiversou em reconhecer o desaparecimento do “Platão negro de sua geração”. Historiador, político, jornalista, amante de artes e esportes, marxista, trotskista, pacifista, revolucionário, militante, defensor da autodeterminação das massas proletárias e populares, C. L. R. James foi um dos mais sensíveis e sofisticados observadores da causa colonial e pós-colonial de todos os tempos. Seu clássico de nascença, The Black Jacobins: Toussaint L’Ouverture and the San Domingo Revolution, de 1938 [Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos na tradução de Afonso Teixeira Filho para a Boitempo, publicação de 2000], seria simplesmente o início da demonstração de seu poder político-analítico.
Homem típico da diáspora negra, C. L. R. James transitou com desenvoltura pelas costas negras do Atlântico que unem as suas Caraíbas, à África, aos Estados Unidos e à Europa. Aos 9 anos de idade ele ingressaria no prestigioso e concorrido Queens Royal College e seria instrumentalizado em leituras de autores clássicos de todos os domínios do saber. Em 1932 ele partiria para Londres onde iniciaria uma longa carreira de jornalista, escritor e militante.
Após a publicação de seu World Revolution em 1937 e The Black Jacobins em 1938 ele trocaria a Inglaterra pelos Estados Unidos de onde iria ao México se inserir na discussão esquerdista sobre a “questão negra” transatlântica. Nesse período seu objetivo foi aprofundar suas leituras de Marx, Lênin e do próprio Trotski além de avançar sua compreensão e percepção das revoltas negras de emancipação na África, na Ásia e no Caribe.
C. L. R. James virou um fino conhecedor das revoluções – inglesa, industrial, francesa, americana. Na perspectiva da globalidade dessas revoluções ele inseriria as variantes raciais e coloniais. Essa sua percepção lhe causou as mais variadas reprimendas. Muitas delas vindas de seus próprios companheiros, que passaram a considerá-lo como demasiado “eurocentrista”. Adiante, ele romperia com a Quarta Internacional e com seu trotskismo, mas permaneceria até o fim da vida um marxista, revolucionário e influente ideólogo político da autodeterminação de massas proletárias e populares, negras ou não, mundo afora.
The Black Jacobins iria marcá-lo perenemente. Mas além dessa obra decisiva, ele também escreveria Beyond the Boundary de 1963, The Future in the Present e A History of Negro Revoltde 1977, Notes on Dialectics e Spheres of Existence de 1980, At the Rendezvous of Victory de 1984.
Nenhum grande intelectual ou militante, marxista ou não, da causa negra, racial e colonial passou – passa – insensível à sua obra. O eminente Edward Said, por exemplo, para ficar apenas em um, dedica imenso espaço em seus escritos a comentar a obra desse senhor vindo das Caraíbas. Eric Williams, que ficaria imortalizado para os estudiosos e acadêmicos por seu notável Capitalismo e Escravidão e depois viraria primeiro-ministro de Trinidad, tivera um contato todo especial com C. L. R. James: fora orientado por ele em seu doutoramento em Oxford.
Após o fatídico maio de 1989, os dias foram se passando e esmaecendo a riqueza da trajetória de C. L. R. James. Seu The Black Jacobins acaba sendo das poucas lembranças no imaginário inclusive dos mais informados e politizados. Para confrontar essa quase amnésia coletiva Matthieu Renault vem de publicar, pela Découverte, o magnífico C. L. R. James: la vie révolutionnaire d’un“Platon noir”. O mérito dessa frondosa biografia, que mereceria uma versão em língua portuguesa, reside em diversas qualidades sendo a maior de reiniciar a reabilitação de C. L. R. James, um dos mais formidáveis intelectuais marxistas do século 20.
Daniel Afonso da Silva é pesquisador no Ceri-Sciences Po de Paris.