Por Antonio Vergueiro* –
Apesar do grande racismo no futebol brasileiro no início do século XX, o primeiro grande ídolo da modalidade no país foi justamente um mulato. Filho de um alemão com uma brasileira negra, Arthur Friedenreich foi o maior jogador brasileiro na época do futebol amador. Autor do gol que daria o primeiro título à Seleção Brasileira, o Sul-Americano de 1919, o mulato Friedenreich tinha olhos verdes.
Antes de entrar em campo, o atacante esticava o cabelo rente ao couro cabeludo para parecer “mais branco”. Tática semelhante foi usada por Carlos Alberto, jogador que trocou o America pelo Fluminense em 1914. Como a camisa branca do clube de elite da zona sul contrastava com sua pele mulata, Carlos Alberto entrava em campo maquiado com pó-de-arroz, que, ao longo da partida, ia escorrendo junto ao suor. A torcida então passou a gritar “pó-de-arroz”, que posteriormente se tornaria um apelido dos adeptos tricolores.
O Fluminense, aliás, também teve sua participação na luta contra o racismo no futebol, apesar de involuntariamente. À medida que a presença de negros e mulatos foi se tornando cada vez mais aceita dentro dos elencos – ou necessária, pois o nível do futebol praticado em campo ia melhorando e os times se viam obrigados a contar com jogadores de todos os tons de pele para poder competir em pé de igualdade com seus rivais – o clube das Laranjeiras viu aumentar o preconceito dos sócios com os jogadores negros que frequentavam sua sede. Como uma medida para separar sócios de jogadores, o Fluminense entrou na briga pela profissionalização do futebol no início da década de 1930, fazendo com que seus jogadores, agora empregados assalariados, entrassem na sede das Laranjeiras pela porta de funcionários e não mais tivessem contato com os só ;cios elitistas.
A profissionalização do futebol no Brasil foi um grande passo para a redução do racismo na modalidade. Como os atletas passaram a ser contratados e pagos de acordo com seu nível técnico, a cor de pele dos jogadores passou a ser uma questão menos importante. A nova situação do futebol brasileiro propiciou o reconhecimento de talentos como Leônidas da Silva, o Diamante Negro, que encantou o mundo na Copa de 1938, na França.
Antes disso, a presença de negros na Seleção Brasileira ainda era vista com maus olhos. Em 1921, por exemplo, o então presidente Epitácio Pessoa sugeriu que não fossem convocados jogadores negros para a disputa do Sul-Americano daquele ano para que fosse projetada no exterior “uma imagem composta pelo melhor da sociedade brasileira”.
No entanto, a popularização do futebol ao longo do século passado o expandiu a todas as camadas sociais do país, e negros como Domingos da Guia, Leônidas, Barbosa, Nilton Santos e outros foram conquistando seu espaço nos clubes e na Seleção e agregando valor ao futebol brasileiro.
Atualmente, ainda não é possível dizer que o futebol brasileiro e mundial já se vê livre do racismo. No entanto, é evidente o reconhecimento da participação do negro no desenvolvimento do futebol, ao ponto de o melhor jogador de todos os tempos, eleito atleta do século XX, Pelé, ser negro e não precisar esticar o cabelo nem passar pó-de-arroz para ter seu talento reconhecido.
O futebol de hoje em dia, século XXI, perdeu muito do seu carisma, da sua graça, em alguns lugares onde o drible é visto como falta de humildade, falta de respeito.
Não consigo entender isso. Para mim, jogar bonito, dar uma caneta, um lençol faz parte da graça, deixa esse esporte mais bonito, deixa (ou deveria deixar) a torcida mais feliz.
No meio de tantos atacantes desengonçados, zagueiros grandalhões, ver um menino franzino brincar de jogar futebol, com alegria e arte é a coisa mais bonita.
Imagine você, um torcedor, técnico, repórter ou colega de campo em uma entrevista reclamar que o Garrincha era um metido, mau caráter, e desrespeitoso por que deu um drible em fulaninho. Ah, faça-me o favor. Ele jogava por amor e para se divertir, diferente de 99.9% dos atletas que jogam hoje exclusivamente pelo dinheiro.
Volta futebol bem jogado, da época de Maracanã lotado, em que se subia nos alambrados, se pulava, se torcia de pé e apertado, ao lado de um fanático cansado de tanto gritar canções e hinos.
Corações cruzmaltinos, alvinegros, tricolores ou rubronegros, em um jogo emocionante, uma final marcante, um 5 a 4 espetacular, onde se via o artilheiro marcar aos 45 minutos do segundo tempo o gol esperado pela massa vibrante, e confiante de que veria uma partida, alegre, e incrível em cada dividida.
Volta, nosso futebol. Volta!
*Antonio Vergueiro tem 16 anos e nem precisa dizer que adora futebol. Imagine neste momento, em que passa uma temporada em Los Angeles, o quanto o Antonio deve estar com saudades de ver o seu Vasco no Maraca!