As jogadoras da seleção se orgulham de suas histórias de amor

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Por Breiller Pires, publicado em El País

Em contraste com o futebol masculino, as mulheres do Brasil na Copa assumem publicamente seus relacionamentos homoafetivos

Futebol feminino jogadoras lesbicas
Ana e Cristiane namoram desde o fim do ano passado. ARQUIVO PESSOAL

Elas tinham apenas um plano em comum quando se conheceram no fim do ano passado. “Curtir a solteirice o máximo possível”, dizia Cristiane, enquanto a advogada Ana Paula Garcia prometia que só iria segurar apenas uma mão em 2019: a da sobrinha Serena. Mas, desde então, Ana e Cristiane não se soltaram mais, descobriram outras afinidades e engataram um relacionamento que motivou a advogada a viajar até a França para torcer de perto pela artilheira da seleção brasileira na Copa do Mundo feminina.

Cristiane, de 34 anos, retornou ao futebol brasileiro no início do ano, contratada pelo São Paulo. Nunca escondeu seus relacionamentos na época em que jogava no exterior, mas evitava falar sobre eles em entrevistas e programas de TV. Agora, sempre que é questionada a respeito da vida pessoal, não hesita em revelar sua orientação sexual e a ressaltar que o fato de ser lésbica nunca interferiu em seu desempenho nos gramados. Assim como ela, outras jogadoras da seleção se orgulham de expor publicamente uniões homoafetivas que, ainda hoje, são tratadas como tabu na modalidade.

Na estreia do Brasil contra a Jamaica, a TV Globo, que pela primeira vez transmite todos os jogos da seleção feminina na Copa, entrou ao vivo diretamente da casa da goleira Bárbara, na periferia de Recife, para mostrar a festa de seus familiares. Entre eles estava a namorada Lidiane Santos, que falou em rede nacional sobre a emoção de ver a arqueira disputar seu quarto Mundial na carreira. “Estamos aqui, todos juntos, para passar uma positividade, para que ela se sinta mais segura.” Em seu perfil no Instagram, com mais de 300.000 seguidores, Bárbara homenageou Lidiane com uma declaração de amor no Dia dos Namorados. “O que falar da mulher que escolhi pra viver ao meu lado o resto da eternidade?”.

Para Liliane Rocha, fundadora da Gestão Kairós e especialista em diversidade, a exposição dos relacionamentos homoafetivos por parte de jogadoras da seleção contribui para quebrar o tabu no futebol feminino, historicamente tachado como uma modalidade masculinizada, e também o preconceito contra pessoas LGBTs. “Ao ver ídolas do futebol mostrando que vivem sua vida em plenitude, as mulheres homossexuais certamente se sentem representadas e empoderadas. As jogadoras, por sua vez, ao marcarem posição sobre sua orientação sexual, demonstram um grande senso de responsabilidade social e cidadania.”




Cristiane, artilheira e símbolo da representatividade LGBT na seleção.
Cristiane, artilheira e símbolo da representatividade LGBT na seleção. AGÊNCIA BRASIL

Rocha entende que, apesar do preconceito e todas as barreiras impostas à mulher na modalidade, há uma margem de assimilação maior da homossexualidade no futebol feminino – que está diretamente relacionada a uma visão preconceituosa, com atribuição de rótulos de masculinidade às praticantes do esporte que, até quatro décadas atrás, era monopolizado pelos homens no país. “O que não quer dizer que seja fácil para as mulheres lésbicas manifestarem sua orientação sexual nesse meio. Mas é algo impensável ver um jogador de futebol masculino postar uma foto com o namorado. Essa naturalização dos relacionamentos homoafetivos proporcionada pelas jogadoras é muito importante não só pela questão da representatividade, mas para que a homossexualidade no esporte deixe de ser invisibilizada pela mídia.”

A maior naturalidade das atletas ao lidar com seus relacionamentos, de fato, escancara situações sem precedentes no futebol masculino, como o caso da atacante Debinha, que namora Meredith Speck, sua companheira de equipe no North Carolina Courage, dos Estados Unidos. Torcendo de longe nesta Copa do Mundo, Speck tem compartilhado lances e fotos da namorada em suas redes sociais. Declaradamente opositora do presidente norte-americano, Donald Trump, ela se inspira na tenista Serena Williams para reivindicar igualdade de gênero no esporte. Embora mais discreta, a craque Marta, melhor jogadora do mundo, também mantém relacionamento com uma colega de time. Ela conheceu a zagueira Toni Deion Pressley no Orlando Pride, onde atua desde 2017.

No Mundial de maior visibilidade da história, a afirmação de atletas gays ganha ainda mais peso diante da luta contra a homofobia que marcou as últimas edições do torneio. Em 2011, a FIFA resolveu investigar a seleção da Nigéria por discriminação depois que a treinadora da equipe rechaçou a presença de jogadoras homossexuais. Na mesma época em que a competição era disputada no país, a Parada Gay de Berlim denunciou o preconceito no esporte distribuindo cartões vermelhos simbólicos.

Já em 2015, a imagem da Copa do Mundo no Canadá foi a comemoração de Abby Wambach, maior artilheira entre seleções, com 184 marcados pelo time norte-americano, que foi até a arquibancada beijar a esposa Sarah Huffman após a conquista do título sobre o Japão. Na semana anterior ao beijo, a Suprema Corte dos Estados Unidos havia legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

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