Por Alberto Dines, Observatório da Imprensa –
“Alguém imagina o que seria do Brasil sem a presença do jornalismo independente?” A surpreendente pergunta foi veiculada por Carlos Alberto Di Franco no espaço que lhe é reservado nas páginas de opinião do Globo e do Estado de S.Paulo, na segunda (13/4).
A proposição nos remete obrigatoriamente à primeira manifestação de jornalismo independente, quando começou a circular num território silenciado por férreos controles o primeiro periódico sem censura, o Correio Braziliense (junho,1808).
Apenas 14 anos depois, aquela gente que os colonizadores tratavam como estúpida, inculta, e ao longo de 308 anos mantiveram alheia à busca do conhecimento e desprovida de qualquer consciência autonômica, proclamava a sua independência.
No final do texto, empolgado, o autor esquece que tratava de jornalismo independente e proclama: “Os jornais têm futuro. E o Brasil precisa deles”.
Quem disse ao eminente comissário midiático do Opus Dei que jornais e jornalismo independente são noções necessariamente convergentes, associadas e complementares? Jornais e revistas são importantes, têm futuro, especialmente os impressos. Mas quem está abreviando sua existência e solapando sua importância são as doutrinas e a arrogância daqueles que os comandam.
Nos últimos dias tivemos pelos menos três clamorosas evidências do distanciamento entre jornais e jornalismo independente:
Há seis meses Barack Obama era ferozmente atacado, hoje…
Quando deixou de ser apenas uma curiosidade (o primeiro negro a ser levado à Casa Branca) e mostrou-se muito mais do que um líder carismático, pois representava um pensamento político articulado, coerente, começou a declinar a aceitação de Obama pela mídia brasileira.
Com o fortalecimento do Tea Party e do seu fanatismo contra políticas públicas e qualquer ação social do Estado, nossa mídia guardou a fantasia de liberal e Obama transformou-se no saco de pancadas preferido de um time de colunistas vestido com o uniforme das tropas de assalto da extrema-direita. Como nossos leitores não têm acesso à mídia liberal americana, os abusos e manipulações do noticiário foram vergonhosos – o Globo à frente.
A cruzada anti-Obama chegou ao auge em seguida à derrota nas eleições intermediárias do segundo mandato (novembro, 2014), quando os democratas que já haviam perdido o controle da Câmara dos Representantes acabaram sem a pequena maioria do Senado. As manchetes mencionavam “humilhação” e a imagem saxônica do “pato-manco” (lame duck) tornou-se familiar para o leitor brasileiro.
Seis meses depois, eis Barack Obama comandando dois espetaculares triunfos políticos com uma diferença de poucos dias: o acordo nuclear com os iranianos, depois de 36 anos de beligerância, e o acordo com Cuba, encerrando definitivamente o capítulo da Guerra Fria na América Latina. Pouco antes, Washington e Pequim anunciaram um inesperado pacto para diminuir as emissões de gases de efeito-estufa.
Na capa da última edição de Época (13/4) o oba-oba obamista foi representada por um busto do presidente americano é um título fortíssimo: “Um presidente para a posteridade”.
Pesquisas de opinião não devem ser usadas para forçar acontecimentos, mas…
As manifestações de protesto do domingo (12/4) estavam marcadas há algumas semanas. Na realidade, imediatamente depois das passeatas de 15 de março. A nova sondagem do Datafolha sobre a popularidade da presidente da República, apoio ao impeachment e questões correlatas foi realizada nos dias 9 e 10 de abril (quinta e sexta). Os resultados poderiam ser publicados na segunda (13) ou terça (14/4), mas o alto comando do Grupo Folha preferiu soltá-los no domingo. Claro, com a tiragem maior a repercussão seria tremenda.
Mas houve quem achasse que a divulgação de resultados favoráveis ao impeachment na manhã do dia em que o país inteiro preparava-se para ir às ruas e gritar “Fora Dilma” poderia ser tomada como provocação golpista.
A Folha de S.Paulo não tem este tipo de preocupação: publicou em manchete de capa que a reprovação a Dilma estacionou (entre 60% e 62%, um dos piores patamares da última década) enquanto a mesma proporção apoia a abertura de um processo de impeachment. Além das três páginas com análises dos resultados da sondagem, uma terceira (A-8, inteira), em formato de infográfico, com um “tudo sobre” para explicar o que é, como se inicia e como termina um processo de impedimento do chefe do governo.
Os resultados da sondagem foram comentadíssimos nos telejornais, radiojornais e portais de notícias na manhã de domingo, quando se preparavam para cobrir as manifestações daquela tarde.
Coincidência ou jogada ensaiada? A Folha parecia curada da pesquisite crônica, quando costumava usar as sondagens do Datafolha para reforçar suas coberturas e/ou posições. Teve uma recaída.
Zelotes: um vazamento que ninguém pretende explorar
Em 27 e 28 de março, o Estado de S.Paulo revelou os primeiros contornos do megaescândalo do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) – no qual, além de grandes bancos, montadoras e frigoríficos, era citado um dos mais importantes grupos de comunicação do país.
Visivelmente relutantes, Folha e Globo foram atrás sem citar todos os grupos envolvidos nem todos os montantes subtraídos do erário sob a forma propinas ou taxa de sucesso a grandes escritórios de advocacia tributária.
Só no domingo (5/4) a ombudsman da Folha entrou no assunto, assim também o colunista Elio Gaspari (Globo e Folha). O respeitável Valor Econômico, embora cobrado antes neste Observatório, só se animou a encarar a mãe de todos os escândalos na terça-feira (7/4), isto é, 12 dias depois da primeira notícia. O mais importante jornal de economia e negócios do país, que pertence em partes iguais ao Globo e à Folha, preferiu manter-se distante do primeiro escândalo protagonizado apenas por empresas e funcionários corruptos, com participação mínima de políticos e de partidos (a exceção é novamente o PP).
A glorificação dos jornais só é legítima quando se dispõem a compartilhar um compromisso pluralista, diversificado, capaz de evitar abusos e garantir o contraditório. A história dos jornais só pode confundir-se com a história da imprensa quando jornalistas independentes puderem praticar livremente o jornalismo independente.