A crise político-moral da direita: prenúncio de derrocada

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Por Ion de Andrade, para o Jornal GGN – 

A despeito dos ataques sem trégua, a direita está numa crise político-moral sem precedentes no Brasil.




Este contexto estrutural, que obrigará (e com debacle), a profunda reestruturação do pensamento e das práticas conservadoras no Brasil, impede a direita de tornar-se hegemônica na política nacional, quando o é na sociedade.

Há vários elementos em jogo dentre os quais a) a identidade política da direita no Estado de direito vigente, b) a desconexão com o que resta de Sociedade Política e com a burguesia e c) a transparência, decorrente do fim do monopólio da informação.

Os ataques diuturnos, contínuos e desesperados que contemplamos antecipam, a meu ver, a debacle que desponta no horizonte, percebida, no rio turbulento da crise em que navegam,  pelo fato de que o ganho de velocidade das águas só pode anunciar tremendo despenhadeiro.

Senão, vejamos:

  1. A identidade da direita no Estado de direito

O recente episódio do massacre dos professores do Paraná, seguidos da queda do Secretário de Educação, da Justiça e da cúpula da PM demonstram a extraordinária inadequação entre o que a direita planeja e executa e o mundo real onde vige uma sociedade que, bem ou mal, assegurou direitos à sua cidadania.

Os métodos do juiz Moro, hoje alvo da crítica aberta de juízes do supremo e de grandes criminalistas, também foram sancionados recentemente: a soltura dos empresários (cuja prisão foi adjetivada de medievalesca pelo juiz Teori Zavascki) e pela abertura de processo no CNJ subscrito por milhares de brasileiros.

Já o juiz Barbosa, verdadeiro herói do campo conservador no Poder Judiciário saiu às pressas do Supremo, precisamente quando perderia a sua invulnerável condição de presidente.

Nesta mesma ordem de ideias, é claro como o dia que, embora declinante por uma série de outras razões, a manifestação seguinte ao 15 de março, foi violentamente abatida pela lei das terceirizações… A tendência, aliás. é que a matéria não seja aprovada, pois causará subemprego em massa de eleitores (trabalhadores…) que não poderão mais votar no PSDB…

Essas idas e vindas são tanto mais emblemáticas para toda a sociedade quanto mais representativas de práticas exercidas no que é o topo do poder que detém a direita no Estado.

Toda essa situação demonstra claramente que o golpe paraguaio não consegue concretude por estar sendo proposto por forças políticas que estão literalmente agindo às cegas, incapazes de entender, sequer minimamente, a política e a cidadania.

A escolha do sr. Telhada para a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia legislativa de São Paulo, por indicação do PSDB, é o fim da linha e poderá marcar fissuras definitivas no campo da direita. Na Europa a direita clássica perde eleições, mas não se alia à extrema direita. Aqui o apoio à extrema direita passou a ser uma espécie de brincadeira a que a direita se dá o desplante para demonstrar que não tem limites… uma burrice colossal que resultará numa perda ainda maior de representatividade.

Lembremo-nos de Gramsci, todo Estado é ético, pois alinha a sociedade a seus  valores ético-morais. A perda da conexão com essa verdade simples produzirá, inevitavelmente, o colapso da direita contemporânea no Brasil.

A ver.

  1. A perda do monopólio da informação

Nos idos da ditadura, com o controle do Estado sobre a informação, aqueles fatos muito prejudiciais à imagem do poder  vigente não iam a público. Hoje não. Há uma densa rede social que informa por meios alternativos e forma consensos e pontos de vista em clara dessintonia com o que propõe a mídia dominante. Os resultados eleitorais, aliás, decorrem também do trabalho aguerrido e militante de centenas de blogueiros distribuídos de norte a sul do Brasil e que compõem uma trincheira fortíssima de defesa das instituições democráticas.

Por essa via os escândalos financeiros tratados pela grande mídia expõem os que eles não tratam, os nomes dos corruptos, ligados às próprias famílias detentoras dos meios de comunicação, não aparecem nos jornalões e telejornais, mas na blogosfera sim e não são desmentidos.

O fato de que o Juiz Barbosa tenha comprado casa em Miami em nome de uma pessoa jurídica para pagar menos impostos é amplamente divulgado, dentre inúmeros outros fatos que tornam inteiramente insustentável a farsa do moralismo hipócrita da direita.

Essa insustentável situação tornaria, mesmo hoje, o debate televisivo, em qualquer eleição, desfavorável ao campo conservador. Hoje, a tomar as manifestações de carinho a Dilma em Xanxerê e o clima político no Paraná, mesmo nesses estados, a direita teria recuado.

A exposição da direita à luz do dia no Brasil produz efeito comparável à que produz nos vampiros. Coincidência ou a imagem lendária vem carregada de uma verdade mais profunda?

  1.  Perda de referência na Sociedade Política e no seio da burguesia

A direita militar no Brasil, ao menos a de melhor extração intelectual, sempre foi positivista, o que significa adesão a uma série de valores incluídos os da laicidade do Estado. É profundamente desconfortável para essa direita, no entanto historicamente relevante na composição da direita brasileira, fenômenos como os representados por Malafaia ou por Eduardo Cunha que, no contexto de um Estado laico, atua, sendo o presidente da Câmara, como pastor nos espaços físicos da própria Câmara Federal, inclusive fazendo cultos.

Além disto, desde Geisel, com o histórico rompimento dos acordos militares com os EUA, as Forças Armadas já têm outra doutrina de defesa, entendendo que se o Brasil tem um inimigo potencial capaz de almejar as nossas imensas riquezas naturais, esse inimigo, ainda que improvável, são os Estados Unidos e a OTAN.

Ora, as posições emanadas da alta cúpula tucana tocantes, por exemplo, à Petrobrás, de flexibilização da partilha, de redução do conteúdo nacional, dentre outras, não podem deixar de confrontar o pensamento estratégico das forças armadas que está muito focada na defesa da Amazônia Azul, inclusive com submarions nucleares… O entreguismo é que corre o risco hoje em dia de ser visto como lesivo à Segurança Nacional…

Recente artigo publicado nesse blog por RD Maestri chama a atenção para o fenômeno de que o que interessa aos EUA no Brasil é um governo civil fraco, pois sabem que os militares não mais submeteriam o Brasil aos EUA por questões de doutrina de defesa e poderiam proporcionar rápida ascensão do Brasil à condição de potência militar de primeira linha sem perda da autonomia… http://jornalggn.com.br/blog/rdmaestri/por-que-a-direita-descarta-uma-intervencao-militar

Mas, não se resume a isso a perda de referência da direita político-partidária atual junto aos setores que deveria representar. O tratamento proporcionado ao segmento das megaempresas brasileiras envolvidas na Operação Lava Jato por parte da mídia e do próprio PSDB quebrou a sua representatividade de forma irreversível junto a esse pesadíssimo setor do empresariado e da economia. De quebra, o extremismo e a falta de bom senso, que em certa altura pretendia destroçar a economia nacional quebrando essas empresas estratégicas para vingar-se de um esquema de financiamento que favoreceu partidos da base do governo,- sobretudo o PP – (mas que em nada se diferenciou do que ocorreu em São Paulo com o trensalão), produziu impacto ainda maior no meio dos trabalhadores com a perda de milhares de postos de trabalho, desgastando ainda mais essa direita hipócrita entre os seus eleitores por ter sido claramente capaz de sacrificar o país e os empregos aos seus interesses políticos, revelando estar a serviço de interesses externos ao Brasil.

As consequências letais de todas essas barbaridades podem até não ser visíveis agora por meio das pesquisas do IBOPE ou do DATAFOLHA… mas não tardariam 48 horas a aparecer se o debate na mídia viesse à luz do dia, como ocorre nas campanhas eleitorais. É como um bomba relógio que tem hora para explodir.

A direita no Brasil caminha, portanto, para o precipício pelos seguintes fatos: a) não sabe lidar com o Estado de direito e abusa do poder, no executivo, no legislativo e no judiciário e se vê obrigada a recuar de ações onde pretendia grande impacto; b) Não consegue aparecer plenamente à luz do dia e não pode aparecer perante a opinião pública como isenta pois está envolvida até o pescoço em escândalosde grande magnitude e c) perdeu de forma definitiva as referências no meio militar por uma questão doutrinária desses últimos e no seio de importante segmento da burguesia, responsável por 10% do PIB, por incomensurável burrice e arrogância.

Apesar de todo o imenso desgaste vivido pelo governo e por extensão pela esquerda nos últimos meses, a volta do debate que será trazido pelas eleições tende a ter impacto pesadíssimo sobre essa direita política contemporânea, aprofundando a sua debacle.

Mais que tudo, o surgimento de uma direita nacional  enquadrada nos limites do Estado de direito, laica e nacionalista, fenômeno que deverá emergir cedo ou tarde, não subestimemos, selará a maturidade da democracia no Brasil.

Quando isso ocorrer teremos completado a nossa saída do ciclo colonial e estaremos assistindo à etapa de conclusão do longo processo de formação da nação brasileira, que conforme Darcy Ribeiro ainda está em andamento. Nesse dia, para o bem e para o mal, uma direita e uma esquerda autenticamente nacionais saberão que compartilham, sob certos aspectos, um destino comum. Estarão em campos opostos nas lutas internas e na disputa do futuro, mas poderão enxergar alguns recortes da geopolítica, da defesa e dos interesses estratégicos com os mesmos olhos.

Não é fenômeno novo. Esse já é o caso para a maioria das democracias maduras. É com atraso que chegaremos a isso, mas a direita atual, bem, essa direita está com os dias contados.

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