Quem tem o poder de dar poder?

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Por Ana Nery, Blogueiras Feministas – 

Outro dia, passando a vista pelo Facebook topei com um texto chamado: “Como se tornar uma mulher irresistível, as dicas dos homens”. Fiquei interessada porque a mulher que compartilhou dizia que o texto era maravilhoso, que no início pensou se tratar de um texto machista, mas depois viu que era ótimo. Fiquei curiosa.

Ao clicar, logo vi na apresentação a maravilha ruir. O autor afirma que quer revelar para as mulheres os segredos da mente masculina e que tem como missão dar ao maior número de mulheres o poder de definir o rumo da sua vida amorosa. Sério isso? Dar poder para as mulheres? Achei até engraçado…




Mulher musculosa. Foto de Rikard Elofsson no Flickr em CC, alguns direitos reservados.
Mulher musculosa. Foto de Rikard Elofsson no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

Aí o texto segue com algumas dicas do que nós mulheres devemos fazer para entrar no subconsciente dos homens e conquistá-los. As frases do texto me fizeram pensar várias coisas. Uma delas de forma bem marcante é esse papo de dar poder… Como se o outro fosse te entregar um pacote de poder para você utilizar no dia-a-dia. Como se alguém pudesse entregar poder, deixar que outra pessoa faça uso disso. Embora pareça uma frase despretensiosa de início representa bem algumas nuances estabelecidas na nossa sociedade que coloca as mulheres como não-protagonistas.

Obviamente, não pretendo estabelecer apenas dois pólos aqui, onde homens são opressores maus e mulheres oprimidas boas, já que entendo que todas as relações de poder comportam múltiplas posições dos sujeitos e permeiam mecanismos bem mais complexos do que costumamos enxergar. Mas, gostaria de chamar a atenção para essas sutilezas que nos passam, às vezes, despercebidas.

Durante o curso da história da humanidade, nós mulheres tivemos que derrubar muralhas para nos fazer ouvir, enxergar e respeitar. Não vejo que isso aconteceu porque “alguéns” nos empoderou. Entendo que em algumas situações é preciso dar condições para que determinados segmentos da sociedade possam exercer seu poder/empoderamento, por serem marginalizados/as ou invisibilizados/as, por isso algumas políticas públicas são construídas com esse intento. Mas, daí a entender que o poder é, ou pode ser dado é muito complicado.

Dificilmente quem ocupa um lugar de conforto na estrutura social consegue perceber quando as opressões se processam a partir de suas falas e/ou atitudes. E, mesmo quando se propõe rejeitar esse lugar, ainda assim é difícil lidar com as contradições e equívocos que permeiam essas nuances. Textos como esse que citei acima, parecem estar cheios de boas intenções ao querer nos ensinar como podemos ser mais poderosas, donas de nós mesmas e capazes de conquistar um homem. Porém, a cobrança e a responsabilidade de manter a “magia” e convencer o homem a se relacionar está sempre sob nossas costas.

Repare que nesses manuais para conquistar homens, na maioria das vezes somos nós, mulheres, que temos que ter muitos bons atributos. Além de sermos uma espécie de Indiana Jones de subconscientes. E, para essa conquista ser efetiva, temos que demonstrar sucesso em várias etapas. Temos que ser “boas de cama”, atraentes, sedutoras, companheiras, apoiadoras, compreensivas, sempre com um sorriso no rosto. Com tudo que cabe dentro do estereótipo de mulher ideal.

Nossa… já estou cansada de pensar em tantos esforços que precisamos empreender para conquistar um homem. Se não estamos no lugar de conforto/privilégio, então somos nós que temos ir à luta e procurar moldar as qualidades, reparar os desajustes e tudo mais que for preciso para ter um homem ao nosso lado.

Se fizermos uma pesquisa em revistas, blogs, sites e outras fontes que falam de relacionamentos, a maioria dos famosos conselhos amorosos são direcionados às mulheres: “Como conquistar seu homem na cama”, “Do que os homens gostam”, “10 Passos para segurar o relacionamento”. Uma infinidade de passos, conselhos, dicas e tudo mais para que nós mulheres consigamos finalmente ter um relacionamento.

Pensar sobre as relações heteronormativas ainda perpassa compreender que lugares possuem mais privilégios, são mais legitimados e quais relações de poder estão imbricadas nesse contexto. Em certa medida, nós mulheres acabamos por legitimar essas ações que se apresentam como reprodução de um machismo arraigado da nossa sociedade. No entanto, podemos e devemos estar atentas às armadilhas dessas práticas no dia-a-dia.

Mesmo que muitas de nós não se identifiquem com essas reflexões, considero importante pensar sobre como somos vistas pela sociedade que corrobora esses estereótipos de como as mulheres devem ser e agir. É preciso romper com construções equivocadas. Precisamos que nos deem poder? Espaço? Liberdade?

No fim, o texto define que a “Mulher Poderosa” é aquela que consegue ter sucesso com praticamente qualquer homem, porque tem a mentalidade correta na hora de conquistar e se relacionar. Acionando minhas marcações de antropóloga, poderia escrever outro texto de muitas páginas somente comentando a falta de relativização e a generalização desse pensamento, mas vou me deter ao fato de que pensar numa “mulher poderosa” como sendo àquela que pode ter qualquer homem é tão reducionista que chega dar dó.

De tantas formas que eu posso ser, tantos lugares que posso ocupar, tantas identidades que posso acionar, de tantas possibilidades de sujeito que eu sou e posso ser, por que ressaltar que ser poderosa é poder ter capacidade para “conquistar qualquer homem”.

Autora

Ana Nery é andarilha, militante, antropóloga… Escrevendo para aliar as tensões, angústias ou aflorá-las ainda mais…

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