Abandono, mistério e resistência nas ruas da Lapa

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Por Custodio Coimbra, compartilhado de Projeto colabora

Uma viagem pelas histórias e cenários de um dos bairros mais tradicionais do Rio

Joia da arquitetura e da alma carioca, o bairro da Lapa nunca esteve tão ameaçado. Muitos dos prédios da Rua Mem de Sá, entre a Travessa do Mosqueira e a Evaristo da Veiga, já sucumbiram ao declínio. Somente nesse quarteirão, no coração do bairro, em seis dos 12 prédios os tetos desabaram. De alguns marcos de uma época de ouro restaram apenas as fachadas, e as lembranças. Como o Asa Branca, casa de show de memoráveis bailes de Carnaval que fechavam a praça. O Cabaret Casanova, onde Noel Rosa teria composto a música “A Dama do Cabaré”, depois de levar um fora de uma amante. Ou o Instituto Palmares de Direitos Humanos, com sua vasta produção acadêmica. Os outros seis, metade deles já invadidos, seguem pelo mesmo caminho.




No entorno da Praça, os que resistem fazem de tudo para manter a cultura e a tradição da região. A Casa Cecília Meirelles, o Hotel Selina – inaugurado para as olimpíadas -, o restaurante Cosmopolita – com o seu famoso Filé à Oswaldo Aranha, hoje decadente -, e  grupos de teatro popular, como o CTO (Centro Teatro do Oprimido), de Augusto Boal, e o “Tá na Rua”, de Amir Haddad.  Entre os resistentes, estão também uma associação de grafiteiros e a Federação dos Blocos Afros e Afoxés do Rio de Janeiro, de onde sai a rica e tradicional festa de Iemanjá, todo 2 de janeiro, em direção à Baia de Guanabara. Mas são poucos, quase todos sem dinheiro e muitos sendo perseguidos.

No outrora aqueduto dos Arcos da Lapa, os poucos bondinhos ainda cruzam o mais importante monumento colonial da cidade. Hoje desbotado, ele é o reflexo do seu entorno. A Praça se transformou em um local de descanso e espera para dezenas de moradores de rua que à tarde recebem refeições doada por ONGs e instituições de caridade. Muitos chegam cedo e ficam sentados ou deitados nos arredores. Por ali mesmo tomam banho e fazem do local o seu banheiro.

Nas ruas internas o passado está presente nas fachadas dos sobrados grafitados de grandes portas e janelas.   Alguns ainda exibem as placas de “Aluga-se”, outros foram invadidos. A escadaria Celeron ainda atrai milhares de turistas, que, com certeza, se espantam com colossal abandono do bairro. Por ali ainda pode se ver uma carvoaria, pequenas lojas de material de limpeza, mercearias, bares e botequins populares. O Bar do Adalto na rua Joaquim Silva, ao lado do Beco do Rato, é um exemplo de dessa atmosfera antiga e cordial.  Lá, o Frango com Quiabo é o carro chefe, servido a 10 reais “em promoção de queima de estoque”. Em frente, na rua Moraes e Vale fica outro reduto de resistência artística, esse mais atual. A partir de seu atelier, Paulo Branquinho comanda uma série de atividades o ano inteiro. A arte chega à rua na forma de esculturas ao longo de suas calçadas.

Ao lado da Moraes e Vale tem também a resistente Igreja de N. S. do Desterro, com seus quatro sinos de bronze. Em estilo barroco, com talhas rococó, detém um dos três órgãos ainda em funcionamento na cidade. Projetada em 1751, tem no Mestre Valentim a autoria do camarim do altar-mor.

Tombado pelo patrimônio histórico, o edifício Victor, na rua do Riachuelo, se mantém preservado.  Inaugurado por um espanhol, em 1926, O Grande Hotel Victor tem em dois de seus andares centenas de suásticas desenhadas no piso hidráulico. Uns dizem que é uma homenagem a Hitler. Outros sugerem que trata-se de uma alusão à antiga suástica indiana, milenar, e que não tem nada a ver com os alemães, “afinal o dono era espanhol”.

Fato é que, hoje, não se sabe qual a origem das suásticas, mas elas continuam bem cuidadas e vivas nas conversas com os moradores.  Em estilo Art déco, carrega sua história coberta de mistério.

Por tudo isso, é assustador ver a Lapa vai se degradando. Sem nenhuma perspectiva de solução, no curto e no médio prazos.

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