A imagem não poderia ser mais emblemática: no palanque armado no salão verde da Câmara, depois de ser cassado por unanimidade pelo TSE, quem estava lá ao lado do ex-procurador e agora ex-deputado Deltan Dallagnol, o sócio dileto de Sergio Moro na Operação Lava Jato?
Compartilhado de Cobstruir Resistência
Entre outros, destacavam-se as figuras de Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis, dois expoentes do bolsonarismo mais feroz, todos consternados com a decisão do TSE.
Nada mais justo. Lavajatismo e bolsonarismo, afinal, nasceram juntos, em 2014. Quando o obscuro deputado-capitão Jair Bolsonaro lançou sua candidatura a presidente da República, que ninguém levava a sério, a Lava Jato dava seus primeiros passos, embalada pelo apoio de grande parte da mídia, do mercado e das Forças Armadas, em nome do combate à corrupção.
O tempo correu, e esses dois movimentos, que abalaram o sistema político e as grandes empresas nacionais, chegaram juntos ao Palácio do Planalto, em 2019. Depois, desentenderam-se, quando Jair percebeu que o ministro da Justiça queria a sua cadeira, mas em 2022 estavam juntos de novo para derrotar Lula, o grande inimigo comum da dupla.
Ao se unirem na tentativa de salvar o mandato de Deltan Dallagnol, lavajatistas e bolsonaristas apenas confirmam uma aliança que levou certa vez a mulher do ex-juiz, Rosangela Moro, a declarar que Sergio e Jair, no fundo, eram uma pessoa só, tão afinadas estavam no governo que quase destruiu o país.
De uma hora para outra, tinha mudado tudo. Lula saiu da cadeia e voltou para o Palácio do Planalto, Moro foi declarado suspeito e teve seus processos anulados pelo STF, mocinho virou bandido e vice-versa, e os dois chefões da Lava Jato hoje se veem acossados pela Justiça, acusados de delitos eleitorais.
Pior: no meio do caminho, os inseparáveis Moro & Dallagnol perceberam que se tornaram fósforos queimados para os mesmos setores da imprensa que os haviam transformado em “heróis nacionais”. Desta vez, poucos jornalistas, outrora aliados, saíram em defesa do ex-procurador. A imprensa faz e desfaz os seus mitos, conforme as circunstâncias.
Chegou a ser comovente a ginástica jurídica que fizeram para provar que Daqllagnol foi injustiçado, condenado sem provas por um delito menor, vítima de vingança por ter combatido a corrupção. Quase chorei quando li.
De algozes dos políticos e empresários, que acusavam implacavelmente de corruptos, a inocentes perseguidos pelo “sistema” malvado, foi rápida a mudança de papel. De repente, viram-se sozinhos no meio da estrada, sem apoios nem nos seus partidos, obrigados a se defender em vez de acusar, isolados no mundo político, jurídico e empresarial.
Por coincidência, ou não, o ocaso do lavajatismo, com Dallagnol cassado e Moro investigado pelo uso de caixa dois na campanha, vem ao mesmo tempo em que o bolsonarismo sofre um cerco da Justiça, obrigado a prestar contas toda hora à Polícia Federal, que investiga crimes em penca, da bandalha das joías árabes, que tentaram surrupiar, à falsificação do cartão de vacinas de toda a curriola e a intentona golpista do 8 de Janeiro.
Durou pouco, mas o estrago que provocaram vai levar algumas décadas para ser consertado. O que assistimos agora é a um desesperado abraço de afogados que ainda se debatem, sem a arrogância e o sentimento de onipotência dos tempos áureos. The game is over.