Fim do garimpo, demarcação e ampliação da bancada indígena foram destaques do Acampamento Terra Livre este ano
Por Alex Mirkhan, compartilhado de Brasil de Fato
A primeira edição presencial do Acampamento Terra Livre (ATL) após dois anos de interrupção devido à pandemia acabou nesta quinta-feira, dia 14, e marcou a retomada das grandes mobilizações indígenas em Brasília. De acordo com nota divulgada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que organiza o evento, a jornada de lutas aproveita o início do ciclo eleitoral para “declarar o último ano do governo genocida de Jair Bolsonaro”.
A união entre as diferentes etnias durante os 10 dias de evento e conquistas importantes. Uma delas foi o número recorde de participantes – mais de 8 mil pessoas – em seus 18 anos de história; outra, foi o convite feito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante sua participação nesta terça-feira (12), para os indígenas participassem da elaboração do seu programa de governo.
Além de presentes e honrarias, Lula também recebeu uma carta aberta com demandas dos mais de 200 povos indígenas ali representados caso se eleja e uma cópia do relatório da Hutukara Associação Yanomami com recentes denúncias de violência sexual e física praticados por garimpeiros. Após o caso vir a público, o Ministério Público Federal acionou a Justiça para ordenar que o governo federal envie esforços para a região de Roraima para proteger a população.
Protagonismo indígena na política
Dentro do tema ‘Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política’, o principal esforço da mobilização foi a ocupação de indígenas nos ambientes políticos. O encontro também serviu como lançamento de pré-candidaturas a cargos estaduais e federais, muitos deles avalizados por senadores e deputados não-indígenas que estiveram presentes para demonstrar apoio.
Pré-candidato a deputado federal no Pará, Beto Xikrin, por exemplo, estava acompanhado do seu conterrâneo, o senador Paulo Rocha, líder da bancada do PT no Senado, e trajava um colar tradicional indígena com inscrições da letra do partido.
“Tem ainda mais representantes nossos que vão se candidatar. Vamos ter uma representação maior nas câmaras, assembléias estaduais e no Congresso para defender nossos direitos que já estão previstos na Constituição”, disse o representante de um dos grupos Xikrin de Parauapebas (PA).
Dentre os pré-candidatos apresentados, alguns nomes têm sido cada vez mais conhecidos pelos eleitores, como Kerexu Yxapyry, coordenadora executiva da Apib e pré-candidata a deputada federal em Santa Catarina, a professora Célia Xakriabá, que disputa vaga por Minas Gerais e Sônia Guajajara, que concorreu em 2018 como vice-presidente na chapa de Guilherme Boulos e que este ano disputa o cargo de deputada federal em São Paulo. Todas as três filiadas pelo Psol.
“A bancada indígena para disputa eleitoral de 2022 que vai destituir de vez a bancada ruralista. Não podemos permitir mais uma bancada BBB [Boi, Bala e Bíblia] no Congresso. Vamos ter indígenas, negros, negras, povos periféricos, a cara da diversidade”, discursou Sônia diante de Lula.
Uma união para o futuro entre afagos e cobranças
Com o clima de eleições cada dia mais intenso, a participação de Lula foi previsivelmente alvo de grande expectativa. E após ouvir discursos de lideranças, receber homenagens e abraços de apoiadores, o líder das pesquisas para as eleições deste ano e virtual candidato pelo PT prometeu criar ministério indígena se for eleito e convidou representantes a participarem da elaboração do seu plano de governo.
“Se nós voltarmos ao governo, ninguém vai fazer qualquer coisa em terra indígena sem que haja a concessão de vocês, a decisão de vocês e a concordância de vocês”, disse Lula diante de aplausos na tenda principal do acampamento.
“Se a gente criou os ministérios da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e da Pesca, por que não podemos criar um ministério para discutir as questões indígenas?”, completou o ex-metalúrgico, que também se referiu aos presentes como “verdadeiros donos do Brasil”, porque já “estavam aqui quando chegaram os colonizadores” portugueses.
Porém, conforme os próprios indígenas frisaram durante todo o evento, as suas vozes precisam ser ouvidas e levadas a sério como nunca foram antes. Por isso, Sônia Guajajara, não poupou Lula de um puxão de orelha por iniciar, na sua gestão, a construção da que se tornaria a maior hidrelétrica 100% brasileira e que teve impacto sobre os indígenas do Pará.
“Estamos aqui, prontos, para que não haja mais Belo Monte no seu governo, presidente Lula. Não precisamos de mais Belos Montes. Não precisamos de Belo Sun, que vai extrair o ouro de nosso território”, disse se referindo à companhia canadense que pretende transformar uma região localizada a poucos quilômetros da barragem da hidrelétrica no maior garimpo industrial do Brasil.
Bandeiras levantadas contra “projetos de morte”
Apesar dos fortes discursos no penúltimo dia da 18ª ATL, foi ao longo da programação de atos, debates e oficinas que as principais reivindicações dos indígenas para esta edição da ATL se fizeram mais presentes.
Com suas vestimentas de guerra e segurando cartazes ou artefatos ancestrais, os participantes marcharam algumas vezes pela Esplanada dos Ministérios, exigindo a demarcação dos territórios indígenas e a revogação de projetos de lei considerados nocivos. Nesta segunda-feira, uma performance com tinta simulou o derramamento de sangue e a luta por ouro nas regiões prospectadas por garimpeiros na Amazônia.
O principal alvo dos manifestantes, além de Jair Bolsonaro (PL), foi o PL 191/2020, que libera mineração e outras grandes obras de infraestrutura em terras indígenas. Embora tenha sinalizado que colocaria a proposta em votação, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP) recuou e está negociando a criação de um grupo de estudos sobre o tema.
“A expectativa é que tirassem esse PL de trâmite, como eu já pedi e como vários parlamentares pediram. É absurdo, inaceitável e contraria nossa Constituição”, afirma a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR).
A primeira deputada indígena eleita na história do país também fala sobre a necessidade pressionar o Superior Tribunal Federal (PL) a votar contra a tese do Marco Temporal, no pleito marcado para 23 junho, e aos parlamentares para barrar o PL 490/2007, que pretende implementar o mesmo Marco Temporal através do Congresso.
Edição: Rodrigo Durão Coelho