Por Carlos Eduardo Alves, Facebook –
O homem baixinho me aborda na rua. O dia foi péssimo, pesado. Fala alguma coisa boa do meu time, pronunciado pela camiseta que uso. Simpatia de vendedor para ganhar cliente. Nos braços pequenos e fortes, dezenas de cintos que tenta passar para a frente por preços módicos. São feios, demais. Não levaria nenhum deles nem que estivesse precisando.
O cara insiste e começo a prestar mais atenção nele. Pergunto o país de origem, já que o portunhol está mais para port. É boliviano. Deve ser mesmo, pois fiz uma brincadeira com nomes de ex-presidentes bolivianos e ele mostrou que os conhecia.
Está há 9 anos em São Paulo. Veio com a família quando a economia brasileira bombava. A mulher e o filho pequeno voltaram depois que as coisas pioraram aqui, tem 3 anos. Com certeza, não pode vender coisas nas ruas. Fala de maneira calma mas mantém o tic-tac de pescoço nervoso típico de quem está fazendo uma correria não permitida.
É tudo estranho. No Largo de Paissandu cheio de nigerianos, o boliviano baixinho destoa. Passa uma moça bonita e ele brinca que não pode mais ver nada. Diz que depois que a mulher foi embora “se enroscou” com uma baiana. Na Bolívia, a mulher foi informada: — Boliviano é tudo fofoqueiro. Quase acabaram com o casamento. Dá o último detalhe do romance proibido. Levanta o braço que está livre para apontar para cima. A mulher baiana era muito maior do que ele.
O baixinho pergunta mais uma vez se não quero nada, sugere um cinto e pergunta se não tenho um emprego para ele. Quer trazer a mulher e o filho de volta. Pode ser aplique de vendedor (acho que não era), mas aquilo me pega.
O dia ruim e me afundo mais quando ele saca uma carteira com fotos da pequena família. A mulher é a típica indígena, envelhecida pelo sol. O menino, Juan, um indiozinho de sorriso lindo. Nunca mais teve como visitá-los. Falam às vezes por skype e o moleque chora pelo “papa”.
O cara percebe que aquilo me toca, encerra a conversa, me estende a mão. Deixo o boliviano para trás, vejo duas funções de vagabundo do centro e sigo. Pode haver situação mais triste do que não ver um filho crescer e viver o choro da criança saudosa? Talvez exista, sei lá. Mas me pegou muito. Não sei lidar com uma tristeza que relaciona ausência de filhos.
Sigo como zumbi o meu rumo e na avenida grande uma mulher com bobe no cabelo (havia anos que não via ninguém na rua assim) diz alguma coisa zoando meu time. Pessoas com aparência cansada, de derrotadas depois do dia de trabalho.
Perto de casa, passo por um lugar que chamo de Igreja Internacional da Nossa Senhora da Cannabis. O aroma é garantido 27 horas por dia. O mundo é muito louco mesmo, tenho o pensamento simplório ao lembrar do boliviano dos cintos e da foto em família e estar logo depois perto de quem está queimando um no final da tarde.
Abro a porta, choro um monte com a história do moleque que fala com o pai só às vezes e pelo skype. E nos meus pedidos e torcidas de agora em diante cabe um indiozinho chamado Juan.
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