Compartilhado de DW Deutsche Welle –
Morador de cidade paulista conta que, após perder o irmão em decorrência da covid-19, entendeu a gravidade da doença e agora tenta desmentir boatos. Vítima tinha 39 anos e foi tratada com cloroquina.
Desde que enterrou o irmão mais velho, morto em decorrência da covid-19, Antônio* vem tentando desmentir boatos nas redes sociais sobre as circunstâncias da morte do familiar. A vítima tinha 39 anos e ficou internada 16 dias até falecer no último domingo (12/04) em São José dos Campos, no interior de São Paulo.
“Inventam que ele já estava gravemente doente e pegou a covid-19 no hospital. Dizem que meu irmão foi para a China, pegou lá a doença e espalhou aqui”, contou Antônio por telefone à DW Brasil.
Segundo a prefeitura da cidade, o exame que confirmou o óbito por covid-19, a doença respiratória causada pelo novo coronavírus, o Sars-Cov-2, foi feito por um laboratório privado credenciado pelo Ministério da Saúde.
Antônio diz não entender por que as pessoas inventam tantas mentiras na internet. “Dói muito no meu coração. A nossa mãe está arrasada. As pessoas falam muita besteira sem saber. Nunca passei por isso na minha vida”, desabafa.
Segundo ele, a vítima apresentou sintomas de gripe no fim de março. Atendida num hospital da rede privada, foi medicada, considerada como caso suspeito de covid-19 e mandada de volta para casa. Dias depois, o quadro de saúde da vítima, que era hipertensa, piorou. A equipe médica informou aos familiares que usou cloroquina no tratamento.
“Eu mesmo perguntei para os médicos sobre a cloroquina, se estava sendo usada. Eles disseram que sim, que foi usada por sete dias. No meu irmão, não fez efeito nenhum”, diz Antônio, que acompanhava diariamente os boletins médicos e atuou como mediador da família.
A substância é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro para o tratamento da covid-19. Usada contra a malária, a cloroquina tem efeitos colaterais fortes, e ainda não há comprovação científica de seu efeito benéfico contra o novo coronavírus.
Natália Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, alerta para o risco cardíaco que a cloroquina e a hidroxicloroquina, também defendida por Bolsonaro, representam.
“Podem causar arritmias, mais ainda quando associadas à azitromicina”, comenta Pasternak, em concordância com posicionamentos de várias associações médicas internacionais, como a Canadian Medical Association e a American Heart Association.
“Recentemente, um trabalho em preprint [artigo científico ainda não revisado por pares e não publicado em periódico científico] da Fiocruz e do Instituto de Medicina Tropical de Manaus alertou para efeitos colaterais cardíacos em testes clínicos que compararam doses diferentes de cloroquina”, adverte a pesquisadora.
Isolamento e contágio
O estado de São Paulo, epicentro da pandemia no Brasil desde a chegada do novo coronavírus ao país, alcançou um recorde nesta terça-feira (14/04). Em 24 horas, 87 pacientes morreram de covid-19, totalizando 695 óbitos. Mais de 2 mil pessoas estão internadas em hospitais paulistas.
Em todo o Brasil, há 1.532 mortes e 25.262 mil infectados confirmados. A fila de exames que aguardam resultados é longa: são mais de 120 mil no país, segundo dados do Ministério da Saúde.
De acordo com o monitoramento do governo paulista, a taxa de isolamento social, medida recomendada para impedir o avanço da doença, é de 59% no estado. A meta, segundo o governador João Dória, é chegar a 70% da população.
Em São José dos Campos, onde o irmão de Antônio faleceu, 61% da população têm ficado em casa para evitar a disseminação do vírus. Antônio admite que estava fora dessa estatística inicialmente.
“Eu mesmo achei que fosse bobeira esse negócio de isolamento. Não estava nem aí. Quando meu irmão voltou para o hospital e ficou internado, eu fiquei preocupado e entendi que a doença pega mesmo qualquer pessoa”, conta.
Ele foi o último a ver o irmão vivo. “Minha visita à UTI foi autorizada, eu tive que me vestir igual a um astronauta e vi meu irmão, que ainda estava respirando”, relembra.
Os familiares se despediram de um caixão lacrado, sem velório, num cortejo rápido até o túmulo no cemitério.
“Meu irmão era jovem, feliz, cheio de sonhos, casado há menos de dois anos. Nós estamos arrasados”, diz Antônio.
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*A pedido do entrevistado e em respeito ao luto da família, a DW Brasil usou um nome fictício.