Acordo de cooperação premiada. Prêmio de não ser denunciado. Eficácia de arquivamento

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Por Afrânio Silva Jardim, publicado em Empório do Direito – 

Muito tem sido escrito sobre os acordos de cooperação premiada, vulgarmente chamados de “delação premiada”.

Normalmente, tendo em vista o que vem acontecendo em nossa realidade presente, mormente em face dos acordos firmados no âmbito da conhecida “Operação Lava Jato”, o tema central de nossas reflexões e de outros estudiosos tem sido a respeito dos prêmios previstos no caput do art.4º. da Lei n.12.850/13, relativos à fixação da pena dos “delatores”.

Na verdade, pouco tem sido escrito sobre os dois outros prêmios e suas consequências jurídicas. Há pouca reflexão sobre o prêmio de perdão judicial e o prêmio de não ser denunciado, este último previsto no parágrafo 4º. do supra citado dispositivo legal. Nesta oportunidade, volto ao tratamento legal e sistemático que se deve dispensar a este último prêmio.

Se bem refletirmos, vamos perceber que, de forma indireta, este prêmio de não oferecer denúncia importa na adoção do princípio da oportunidade da ação penal pública para qualquer crime, de qualquer gravidade, desde que praticado no âmbito de uma determinada organização criminosa.

Desta forma, sem maiores mecanismos de controle, abandona-se o princípio da legalidade ou da obrigatoriedade do exercício da ação penal pública em prol de obtenção de provas contra alguns outros suspeitos de prática delitivas.

Não foi por outro motivo, que sustentei, em estudo anterior publicado nesta coluna do site Empório do Direito, que o parágrafo 4º. do art.4º. da citada lei n.12.850/13 está em dissonância com o nosso sistema constitucional, por dois motivos: 1) A Constituição Federal só admite a chamada justiça pactuada em se tratando de crimes de menor potencial ofensivo, (art.98, inc.I); 2) Violação do princípio que veda a proteção deficiente para bens constitucionalmente tutelados.

Entretanto, esta é uma outra questão que, embora da maior relevância, não é objeto deste nosso singelo e breve estudo.

Partindo da premissa que estipulei em dois estudos anteriormente publicados no site Empório do Direito, entendo que a homologação deste acordo de delação premiada tem a eficácia de uma decisão judicial de arquivamento do inquérito ou de peças de informação.

Entendo que o acordo de delação premiada, que preveja o prêmio de não denunciar, não dispensa a instauração do inquérito policial ou de outro procedimento formal de investigação criminal. Tal investigação se faz necessária para comprovar o preenchimento dos dois outros requisitos legais para a outorga deste absurdo prêmio (não ser o cooperador o chefe da organização criminosa e ser o primeiro a delatar), bem como para se verificar se o que está sendo delatado tem verossimilhança com fatos desconhecidos e se o delator tem como fornecer elementos de prova a respeito deles.

Instaurada a necessária investigação, o inquérito policial ou as demais peças de informação, ao final, só podem ter dois destinos: 1) ou irão documentar a denúncia do Ministério Público; 2) ou devem ser arquivadas perante o Poder Judiciário, nos termos do sistema processual em vigor.

Na hipótese de que estamos cuidando, o destino dos autos de investigação deve ser o arquivamento em juízo, para que ocorra o controle externo do acordo de cooperação premiada (homologação ou não), deferindo-se ou não o pleiteado arquivamento, tudo na forma do art.28 do Cod.Proc.Penal, caso estejamos no primeiro grau de jurisdição.

Na hipótese de crimes da competência originária dos tribunais, a homologação do acordo de cooperação, cujo prêmio seja a não denúncia, importará no automático arquivamento da investigação, vez que impertinente a aplicação do mencionado art.28 e tendo em vista o sistema acusatório, que consagra a inércia da atividade jurisdicional.

Vale dizer, o prêmio de não oferecer denúncia em face do investigado colaborador, de uma forma ou de outra, tem a eficácia jurídica de um verdadeiro arquivamento da investigação, rebus sic stantibus.

Sobre esta eficácia jurídica do arquivamento do inquérito policial ou de peças de informação, peço vênia para remeter o leitor ao nosso estudo sistemático constante do livro, cuja autoria divido com o amigo, professor e magistrado Pierre Souto Maior Amorim, intitulado “Direito Processual Penal, Estudos e Pareceres”, Ed. Juspodium, 14.edição).

Desta forma, surgindo prova nova de que o denunciante (colaborador) mentiu ou, de alguma outra forma, descumpriu o
estipulado neste negócio jurídico processual, se faz desnecessária uma ação específica para desconstituí-lo em juízo, por sentença ou acórdão.

Nesta hipótese, diante da notícia de prova nova, pode a investigação ser instaurada ou continuada, com base no artigo 18 do Cod.Proc.Penal.

Se o Ministério Público já dispuser desta nova prova e estiverem presentes as demais condições legais para o exercício da ação penal pública, pode oferecer, desde logo, a necessária e devida denúncia, consoante Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal. Aliás, pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, a palavra certa é “deve” e não “pode”.

O controle judicial será exercido quando ocorrer o juízo de admissibilidade desta ação penal, cabendo ao juiz ou tribunal rejeitar ou receber a denúncia, segundo entender descumprido ou não o acordo de cooperação e entender também que há prova nova neste sentido.

Esta nossa reflexão se mostra absolutamente oportuna e atual, tendo em vista a notícia pública de que a Procuradoria Geral da República estaria cogitando pedir ao S.T.F. a desconstituição de acordo já homologado no famoso caso da JBS. Os irmãos Batista entregaram ao Ministério Público Federal novas fitas e documentos que retratam o descumprimento do negócio jurídico que beneficiava todos os executivos da aludida sociedade empresária. Julgo, pois, desnecessário tal provimento judicial.

A toda evidência, o recebimento da eventual denúncia importa no desfazimento judicial do acordo de cooperação, já que os delatores teriam perdido o direito ao prêmio de não serem denunciados.

Por outro lado, todas as provas, que os delatores tenham fornecido e as que delas decorreram, permanecem lícitas e perfeitamente admissíveis, devendo ser valoradas livremente, quando do julgamento dos corréus delatados.

Evidentemente, se considerarmos inconstitucional o prêmio previsto no parágrafo 4º. do artigo 4º. da lei n.12.850/13, nada disso será preciso, podendo tal grave vício ser reconhecido de forma incidental.

Disso tudo se pode tirar uma lição: é muito perigoso para o Ministério Público, como instituição, a chamada justiça pactuada. É indesejável que membros do Ministério Público, em todo este nosso imenso território, possam dialogar com criminosos e combinar com eles penas e outros prêmios. A discricionariedade, em nosso sistema de justiça criminal, vai – como já está – levantar, perante a opinião pública, sérias e graves suspeitas sobre o atuar dos órgãos desta importante instituição. A discricionariedade legitima tais suspeitas, sejam procedentes ou não.

Desta forma, somos pela ampla e irrestrita adoção do sistema de legalidade em nosso sistema de justiça criminal. Aqui também vale a “palavra de ordem”: não ao negociado sobre o legislado.


Afranio Silva Jardim

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Afrânio Silva Jardim é professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente de Direito Processual (Uerj). Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.

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Imagem Ilustrativa do Post: Crushed Drawers // Foto de: Michael Coghlan // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/mikecogh/14797853487

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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