Por Fernanda Canofre, Sul21 –
Adélia Sampaio está acostumada a viajar pelo país apresentando seus filmes que debatem a cultura negra no Brasil. Ela conta que em cada aeroporto, já virou praxe avisar à fiscalização que o detector de metais “vai gritar”. “Vai gritar porque eu tenho duas próteses, uma em cada joelho, e tenho 17 pinos na coluna. Normalmente é isso que eu falo, boto a bolsa [na esteira], passo no raio-x, tiro o sapato e óbvio que grita. Mas dessa vez aconteceu o surreal”, conta ela.
O “surreal” foi a detenção da cineasta de 73 anos – primeira cineasta negra a fazer um longa-metragem brasileiro – no embarque do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, na manhã desta segunda-feira (21). Adélia estava na cidade para apresentar o filme Amor maldito (1983), em homenagem ao Dia da Consciência Negra, comemorado no último domingo (20). Na hora de passar pelo detector de metais, mesmo explicando que o aparelho apitaria por causa de suas próteses, Adélia foi levada a um espaço separado para ser submetida a revista.
“[A funcionária do aeroporto] disse: desce as calças e abre as pernas. Aí eu disse: ah, não! você não vai me fazer abrir as pernas. Você está me confundindo, menina?”, relatou a cineasta à reportagem do Sul21 no saguão do aeroporto. Sem entender o porquê estava sendo detida, depois de perder o voo para o Rio de Janeiro, Adélia disse que não poderia ficar naquela sala sem janelas onde estavam mantendo-a. Para sair, ela afastou rapidamente a funcionária da fiscalização que bloqueava a porta com o braço. Na mesma hora, a mulher chamou a Polícia Federal e a cineasta foi autuada por desacato consumado.
Preenchendo a ficha na polícia, Adélia teve outro problema. O policial responsável pelo caso no aeroporto, preencheu no campo “cor” que ela era branca. Adélia contestou e pediu que ele alterasse para apontar que ela era negra. Segundo ela, o policial teria dito que “isso era uma bobagem”.
“Nunca passei por isso, nem na Alemanha, nem no Rio e olha que eu viajei. Que apita, apita, em qualquer lugar vai apitar. Não aceita nem raio-x, eles têm que passar o aparelho e tudo bem, eu aceito. Mas de repente foi uma coisa hostil e gratuita”, diz Adélia.
A advogada dela salientou que a situação armada no Salgado Filho conseguiu fazer com que Adélia passasse de vítima à ré. Mesmo liberada, ela ainda deve responder ao crime de desacato. A representante da cineasta disse que elas tentariam registrar uma denúncia de injúria racial contra os funcionários do aeroporto.
Ainda detida pela Polícia Federal, Adélia conseguiu contatar sua advogada e falar com a nora que trabalha na PF de Brasília. Ela também se negou a entregar os documentos aos policiais, sabendo que não era obrigada a nada além de apresentá-los. Mas a cineasta, filha de empregada doméstica, também sabe que se fosse com outra pessoa, sua história poderia ter sido diferente: “Se fosse preto, estava preso como traficante. É terrível a gente pensar isso, mas é real”.
A Infraero não retornou o contato até o fechamento desta notícia.