Advogados são presos, ameaçados e agredidos em delegacia na Paraíba

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Por Rafa Santos, compartilhado da Revista Conjur – 

Advogados foram agredidos a socos e pontapés na delegacia central da Polícia Civil da Paraíba. O procurador das Prerrogativas da OAB-PB, Igor Guimarães, foi agredido fisicamente, teve seu telefone celular quebrado, suas calças rasgadas e quase acabou sendo preso.

Advogados foram agredidos em delegacia da Polícia Civil da Paraíba nesta sexta Arquivo Pessoal

Boa parte da confusão foi registrada em vídeos de celulares e em lives no Instagram. Um desses registros ao vivo foi feito pelo perfil Papo de Criminalista, mantido pelo advogado Mário de Oliveira Filho, presidente da comissão de direitos e prerrogativas da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim) e tem até o momento quase 10 mil visualizações.

“Vou te falar que me senti ali como se estivesse na Alemanha nazista. Como se tivesse entrado em uma máquina do tempo e ido parar em 1964 na ditadura militar. Nunca vi tanto autoritarismo. Tanta bravata. Parecia que tinham rasgado o texto constitucional e que vivemos em um estado de barbárie”, resume Igor Guimarães em entrevista à ConJur.




O advogado classifica o caso como digno de “cenas de guerra” e revela que os policiais queriam prendê-lo em flagrante por desacato, calúnia e difamação — por conta da live gravada na delegacia.

A origem da confusão se deu quando o advogado Felipe Leite foi destratado pela delegada Viviane Magalhães após impedir que ele acompanhasse a oitiva de uma prisão em flagrante em que um dos envolvidos era seu cliente.

Nas imagens gravadas a delegada grita com o advogado e o chama de “filho da puta”. Indignado, Leite entrou em contato com o plantão da Comissão das Prerrogativas da OAB-PB e aguardou a chegada do representante da Ordem.

Quem atendeu o chamado foi a presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-PB, Janny Milanês. “Cheguei uns 40 minutos após a ligação e a situação já estava mais calma”, explica.

Janny conta que chegou a conversar com a delegada, que admitiu que se exaltou, mas disse que não iria retirar nenhuma palavra dita sobre o advogado Felipe Leite. “Expliquei para ela que iriamos certamente seguir com um desagravo público. As imagens foram compartilhadas e o caso passou a tomar certa proporção. Foi então que soubemos que o advogado Felipe Leite teria recebido uma ligação de um homem que se identificou como marido da delegada, também delegado, com ameaças veladas”, diz.

O homem que fez a ligação se identificou como Afrânio, mas Janny faz a ressalva que não se pode afirmar com certeza que se trata do delegado Afrânio Doglia de Brito Filho.

“No telefonema, o homem, que se identificou como delegado e marido de Viviane Magalhães, disse que estaria de plantão e que, se aparecesse por lá, iria ver com quantos paus se faz uma canoa”, lembra.

Tentativa de registro de TCO
No momento em que tomou conhecimento das ameaças, Janny convocou advogados e entidades representativas para acompanhar o advogado Felipe Leite no registro de um TCO sobre as ameaças sofridas.

Acompanharam o advogado representantes da Comissão de Prerrogativas da OAB-PB e representantes da Abracrim e da Anacrim. Antes do registro do TCO, os presentes foram convidados para uma reunião na Superintendência da Polícia Civil e, no meio da conversa, Janny foi informada que dois advogados que acompanharam o grupo foram presos.

Rapidamente ela encerrou a reunião para averiguar a razão da prisão dos advogados. “Eles foram trancados em uma cela com grades sem nem informarem a razão. O delegado ficou em frente à porta, proibindo a minha entrada e deixando nossos colegas incomunicáveis”, lembra.

Estopim
Janny conta que, a partir do momento em que o delegado percebeu que o advogado Igor Guimarães estava em uma live no Instagram, transmitindo os fatos, a situação saiu de controle.

“Um agente deu um tapa no celular e Igor recebeu um mata-leão do delegado Afrânio e foi arrastado para uma sala. Forcei a entrada e presenciei ele sendo socado e chutado pelo delegado, e os agentes que queriam tirar o seu celular”, lembra.

Janny então tentou apartar a confusão e a situação só se acalmou quando o superintendente Luciano Soares chegou ao local da confusão e ordenou que o delegado e os agentes se isolassem em uma sala. Ela informou que só assim os representantes tiveram acesso aos dois advogados que haviam sido detidos.

Após a confusão, advogados e superintendente se reuniram durante horas para debater o caso. Janny revela que, ao mudar de sala para registrar o TCO, havia sido formado um corredor de policiais que passaram a intimidar os advogados. “Ficamos em uma sala com uma verdadeira aglomeração de policiais no lado de fora com o claro objetivo de nós intimidar”, lembra.

A advogada lembra que o delegado-corregedor apareceu na sala com a delegada de plantão para lavrar o procedimento. “Ela chegou dizendo que já tinha o depoimento de duas testemunhas dizendo que os advogados tinham começado tudo. Nesse momento percebemos que não teríamos a menor condição de registrar nossa queixa naquele contexto”, lembra.

A delegada de plantão registrou os casos relacionados a três advogados. Dois foram autuados por desacato e desobediência e Igor Guimarães por desacato, injúria e difamação em razão da live. Os advogados decidiram não registrar nenhuma ocorrência na delegacia e vão prestar queixa na Polícia Federal.

“Eu não sei se já houve um caso dessa natureza no Brasil. Estávamos ali como representantes da OAB e de outras entidades. Agrediram fisicamente a OAB-PB, a Abracrim a Anacrim. É muito mais grave”, explica Janny que diz que viu colegas sendo intimidados inclusive com armas de fogo.

Em entrevista ao portal T5 Paraíba, o secretário de Segurança Pública da Paraíba, Jean Nunes, lamentou e pediu apuração rigorosa sobre o caso.

Após a publicação da reportagem, a Polícia Civil da Paraíba publicou uma nota à imprensa. Leia abaixo: 

A Polícia Civil da Paraíba informa que adotou todas as medidas previstas em lei para esclarecer a situação ocorrida na madrugada deste sábado (26) na Central de Polícia Civil de João Pessoa, no bairro do Geisel, nesta Capital, que envolveu advogados e policiais civis. Os procedimentos adotados foram acompanhados por membros da Corregedoria da Polícia Civil e da Secretaria de Segurança e Defesa Social e por representantes das comissões de prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil.
Três advogados foram autuados por prática de crimes de injúria, desobediência, difamação, desacato e lesão corporal, cujos os esclarecimentos sobre a verdade dos fatos serão advindos do devido procedimento de investigação criminal rotineiro, respeitadas todas as etapas do sistema de justiça criminal brasileiro.
A Polícia Civil da Paraíba mantém uma   parceria salutar com a advocacia e com a OAB, instituição a qual respeita e considera imprescindível à efetivação do Estado democrático de direito. Para a Polícia Civil, o diálogo e a urbanidade devem pautar as relações institucionais para melhor solucionar a atuação de todos.
A Polícia Civil ainda esclarece que o compromisso da Instituição e de seus policiais civis, dentro desse mesmo Estado democrático de direito, é cumprir os preceitos legais no enfrentamento à criminalidade e à proteção da população paraibana, não se furtando à devida autuação policial de qualquer pessoa que cometa crimes.
Os advogados autuados foram liberados, sem o pagamento de fiança, em decorrência do art. 7o do Estatuto da Ordem de Advogados do Brasil (OAB).
Todos os procedimentos legais adotados ocorreram em total obediência às legislações vigentes e foram comunicados ao Ministério Público da Paraíba e Poder Judiciário.
A Polícia Civil da Paraíba reafirma seu compromisso com o cumprimento das leis e integração com as instituições que defendem a Constituição.  Os fatos ocorridos serão devidamente apurados pela Corregedoria a fim de esclarecer as circunstâncias e analisar se houve alguma falha funcional por parte de algum servidor da Instituição. A Polícia Civil da Paraíba não compactua com práticas criminosas.
Por fim, a Corporação assegura que o ocorrido se trata de um caso isolado e que não condiz com o histórico de harmonia, bom relacionamento e colaboração mútua que a Polícia Civil mantém com a advocacia paraibana.

*reportagem atualizada às 16h26 para acréscimo da nota oficial da Polícia Civil da Paraíba.

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