A jornalista Etiene Martins, de 31 anos, é a responsável pelo primeiro jornal independente de Belo Horizonte dedicado à cultura negra
“Não era possível gostar de ser negra por não me enquadrar nos padrões de beleza das revistas. Era frustrante.” É o que diz Etiene Martins, enquanto lembra que aos dez anos abriu seu primeiro exemplar da revista Raça e percebeu que poderia ser a jornalista que queria.
Hoje, aos 31 anos, formada em jornalismo e publicidade e propaganda, ela colocou nas ruas de Belo Horizonte o primeiro jornal independente de mídia negra, o Afronta. Desde a ideia no papel, até a impressão e lançamento dos 5 mil exemplares, Etiene teve um longo caminho.
Ela cresceu na periferia e conta para a Tpm que não tinha nenhuma faculdade onde morava e não conhecia ninguém que tivesse se formado – muito menos em jornalismo. “Era uma profissão distante da minha realidade”. Depois de terminar o ensino médio em 2000, demorou 7 anos para ingressar no curso que queria, mas conseguiu graças ao ProUni.
“Toda vez que eu tinha um trabalho pra fazer, escolhia um tema dentro da minha realidade. Se fosse pra falar de música, eu ia falar do rap. Até um dia em que um professor virou pra mim e disse: Etiene, pelo amor de deus, para de ficar fazendo matéria sobre preto!”, recorda.
Foi no terceiro período do curso, em 2008, que começou a escrever suas próprias matérias fora da grade universitária e enviar como sugestão para o editor da Raça. Deu certo, e a belo-horizontina passou a publicar frequentemente na revista. A experiência fez com que ela começasse a descobrir a cultura negra em Belo Horizonte.
Dessa forma, surgiu a ideia de fazer o Afronta: “As grandes publicações não fogem muito do eixo Rio-São Paulo, por isso me veio a vontade de criar um periódico que falasse das pessoas legais que trabalham com a cultura e política de Minas. Mas era algo difícil de por em prática, nunca tive recursos financeiros”
Outro grande incentivo para escrever o projeto da publicação foi sua monografia. O tema? A representação das mulheres negras nas revistas femininas. Os empecilhos surgiram assim que a ideia foi apresentada para o professor do curso. “Ele não queria deixar de forma alguma”, diz Etiene, que procurou ajuda na coordenadora provisória do curso, que era negra.
Ela se formou como jornalista em 2012 e há seis anos é ativa no movimento negro. Na Marcha das Mulheres Negras deste ano, que aconteceu no dia 13 de maio, estava junto às companheiras de luta e lembra que “um jornal publicou uma nota sobre o evento, mas a foto era de duas mulheres brancas! Estava cheio de mulheres negras lá, isso me revoltou. Resolvi não esperar mais que os outros contassem as nossas histórias.”
Mesmo sem dinheiro, era a hora de contactar os parceiros que fez durante os anos de luta para viabilizar a ideia da impressão. Os empreendedores da cultura negra, como donos de salões étnicos, combinaram de anunciar uma publicidade no Afronta e todo o dinheiro foi revertido para a impressão.
No dia 8 de julho, Etiene teve em mãos os exemplares e começou a distribuir pelos salões de beleza, centros culturais, galerias de arte e botecos da periferia. Também fez uma festa na Casa Una de Cultura, da universidade em que se formou. O lançamento geral aconteceu dia 12 de julho na Feira de Moda e Beleza Negra de BH, com cerca de 100 mil pessoas. “Todo mundo que pegava o jornal dizia ‘nossa, mas eu tô aqui!’”, conta com felicidade.
O Afronta deve ser publicado bimestralmente. Além disso, também será lançado junto com a segunda edição, em setembro, um site para replicar o conteúdo. “Vai ser na raça pra manter a frequência, porque dinheiro não tenho e a ideia é ser totalmente independente”, diz, ao mesmo tempo em que afirma a ideia do conteúdo ser impresso. “Eu, militante, consigo procurar o que eu quero na internet. Os irmãos que estão presos não, mas eu posso levar um jornal para eles.”
Por fim, realizada com o projeto e com o fôlego necessário para não parar tão cedo, ela diz que “o Afronta nasceu para ser um espaço midiático de negros: cultura, moda, arte, comportamento e beleza. Hoje a gente escuta dizer que o negro está na moda… Mas a nossa moda, a nossa cultura, a nossa cara preta não está no rádio, na TV ou no jornal. Por isso o Afronta existe.”