Agora vai: César veste o manto sagrado do Politheama

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Mais uma jogada da coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Nesta partida, César comemora o presente da esposa Layla e conta sobre o orgulho de vestir a camisa do Politheama, time de Chico Buarque. Leia e ganhe de brinde o hino do Mortinho, time de César, e vídeo com Chico Buarque contando e cantando o Politheama.

Nota do editor: Adoro o DVD “Chico e o Futebol”, aqui comentado pelo César, principalmente pelo fato do mesmo ter, em parte, sido gravado na vila mais famosa do mundo, a Vila Belmiro do Santos Futebol Clube (Washington, o Araújo).




“Politheama era um time de botão que, com o tempo, foi promovido para seres humanos” (Chico Buarque no DVD “Chico e o Futebol”)

“Prezado Washington, minha mulher me deu uma camisa do Politheama de aniversário, Dia dos Namorados, Dia dos Pais, Dia das Crianças e Natal. Para todos os efeitos, eu agora faço parte do time que está invicto em partidas oficiais. Ainda me puseram a número 9 nas costas. Não sou de encrencar, para jogar no time posso ser até artilheiro, posar para fotos e tal.


Já mandei a Cecília, minha filha de oito anos, fazer umas tatuagens a hidrocor para eu ficar com jeito de jogador contemporâneo. Salvo engano, ela me tatuou as Capitanias Hereditárias no braço esquerdo. No braço direito, seguiu o roteiro sugerido pela canção “Tatuagem”, aquela mesma do nosso Chico Buarque, e me fez diversos corações de mãe, arpões, sereias e serpentes.

Depois ela me enrolou os braços com um plástico filme que a gente usa na cozinha. Mais um pouquinho e ela me colocava no freezer. Ainda bem que era a vez da Layla, minha mulher e minha professora, me dar aulas de como compreender a língua do futebol difícil. Para tanto, vi-me obrigado a ouvir diversas preleções que carecem de legenda ainda que estejam em português.


Também tive lições de cabeceio sem me despentear dadas pelo meu filho, o Francisco. Sabe como é que é, fui muito exigido, porque não é qualquer um que pode se dar ao luxo de jogar no “Politimão”. Ensaiei beijos no escudo, cavadinhas em pênalti, reclamações com o árbitro e observações do VAR com olhar apreensivo.


Estava pronto para ajudar o time a ganhar três pontos, nem que fossem na testa, quando me dei conta de que estava sem Kichute. Pela primeira vez na vida eu jogaria sem as chuteiras de trava de borracha. Tive um ataque de pânico, pedi penico, saí de fininho. Fui ao Calçadão de Nilópolis tentar encontrar um Kichute já nos acréscimos. Ninguém sabia o que era. E riram de mim quando disse que a gente amarrava os cadarços ao redor dos tornozelos. Achavam que eu jogava de salto-alto.


Acabei comprando uma chuteira cor de Marca-texto. Senti uma fisgada ao chegar a meu lar. Gelo não tinha porque não tinha uísque. Você sabe que o gelo é o melhor amigo do uísque.


Por essas e por outras, resolvi remarcar a minha reestreia para em breve, muito provavelmente em Paquetá, onde poderei dizer: “Poli, te amo!”.

Você fez bem em me avisar que eu estava cantando errado o hino do time. Tenho que voltar aos meus DVDs do Chico Buarque, todo mundo tem. O problema é que faz anos que a gente não tem aparelho de DVD em casa. Mas como domingo é dia de feira, quem sabe eu não encontre por lá um aparelho de segunda mão que dê para o gasto? E um par de Kichutes?


Além disso, o papo da camisa do “Theama” me fez recordar do hino que fiz para um time de futebol, o Mortinho Futebol Clube, um dos poucos times do mundo que poderia levar goleada do Íbis.


Eu ainda trabalhava em uma faculdade na Zona Oeste do Rio. A história é a seguinte: certo dia, um professor amigo meu resolveu reunir alguns professores da casa para uma partida amistosa do jogo bretão. Não tinha só perna-de-pau, não. Tinha um professor de matemática que chegou aos juvenis do simpático Bangu. O nome do homem? Rivelino, que assim foi batizado porque o pai era fã de carteirinha do craque. Segundo testemunhas, O Riva da faculdade demonstrou ter uma saúde de vaca holandesa que não era brincadeira. Intimidou o pessoal com seus piques e patadas atômicas.


Sabe como é que é, futebol não é pebolim. Deu uns dez minutos de jogo, no terceiro ou quarto chute do Riva, dois que quase arrancaram a trave, o pessoal resolveu parar por falta de luz – e eram três da tarde com o sol intenso.

Estavam todos extenuados e satisfeitos, prontos para a resenha e para a cerveja, exceto o Riva, que só de raiva ainda deu umas cinquenta voltas no campo provavelmente para ver se suava.


Eu nem apareci na faculdade no dia do jogo beneficente. Aleguei contratura no Kichute. Mas guardei no coração a história desta emocionante partida de futebol. E munido de altivo ideal esportivo fiz o hino do “Mortinho Futebol Clube” com melodia e tudo!


Modéstia a parte, acho expressivo o verso “O nosso futebol é o nosso espelho”. Sei que nem sempre há coincidência entre o a forma de jogar futebol e a sociedade, ainda mais falando de futebol, mas no caso específico do Mortinho eu pegava, como se costumava dizer, na veia. Ou era a enfermeira que achava a nossa veia, que é como um lateral com todo o corredor para avançar?


Bem, já estou pedindo para sair. Olho no lance!

HINO DO MORTINHO

Mortinho
Mortinho
Mortinho
A tua estrela alva alto brilha
Mortinho
Mortinho
Mortinho
És honra, és tradição e és família

Mortinho
Mortinho
Mortinho
Primeiro lance
E já se foi o meu joelho
Salve o Brasil
País artilheiro
O nosso futebol é o nosso espelho
Ai, panturrilha
Ai, minha virilha
Hoje eu só respiro de aparelhos”

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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