Entrevista de Lula no JN reabre a discussão sobre preservação ambiental e produção agrícola no Brasil
Por Agostinho Vieira, compartilhado de Projeto Colabora
Campos de soja gigantes na região de Sinop, no Mato Grosso. O agronegócio responde por mais 20% do PIB nacional. Foto Michael Runkel/ Robert Harking via AFP
Renata Vasconcellos – A que o senhor atribui o fato de que grande parte do agronegócio não apoia a sua candidatura?
Lula – Nossa política em defesa da Amazônia, nossa política em defesa do Pantanal, nossa política em defesa da Mata Atlântica…Ou seja, a nossa luta contra o desmatamento faz com que eles sejam contra nós…
Renata Vasconcellos – Mas o agronegócio e o meio ambiente andam juntos…
Se o #Colabora fosse um site de checagem de notícias, daria para dizer que Lula e Renata Vasconcellos erraram. No mínimo que foram imprecisos. É muito difícil falar sobre o agronegócio como se ele fosse um organismo único, um grupo unido. Assim como é impossível acreditar que todos os jornalistas pensam da mesma maneira. Existem agronegócios e agronegócios, assim como existem jornalistas e jornalistas.
Feita essa ressalva, se levarmos em conta alguns números e a imagem do agronegócio para a população brasileira, é fácil afirmar que agronegócio e meio ambiente não têm andado juntos, infelizmente. Mas deveriam. O Relatório Anual do Desmatamento, feito pelo Mapbiomas e divulgado em julho deste ano, mostrou que o agronegócio vem sendo o principal responsável pelo desmatamento ilegal no Brasil. Na comparação entre 2020 e 2021, a perda de cobertura vegetal no país cresceu 20% e registrou alta em todos os biomas. A agropecuária provocou 97% da perda de vegetação nativa, principalmente na Amazônia, que concentrou 59% da área desmatada no período, seguida pelo Cerrado (30%) e a Caatinga (7%).
Por mais surpreendente que seja, desmatar não é fácil e nem barato, por isso a pecuária acaba sendo a forma mais simples e menos custosa de ocupar uma área para especulação e grilagem. O roteiro é quase sempre o mesmo. Primeiro se desmata a floresta, normalmente uma terra pública, com tratores e motosserras. A madeira mais nobre é vendida, o resto é queimado, daí as queimadas frequentes. Depois chega o gado que ocupa a área até que o grileiro consiga o título de propriedade da terra. Concluída essa etapa, ele vende a área para um agricultor, na maioria das vezes, um produtor de soja. O ganho maior, quase sempre, não é com a produção de carne, mas com o negócio imobiliário. Ou seja, coisa de bandido que o governo Bolsonaro decidiu liberar.
Mas, para ser justo, esse cenário de filme de terror não representa todo o agronegócio no Brasil. Basta lembrar da Moratória da Soja, criada ainda no primeiro governo do presidente Lula. O nome foi dado ao pacto ambiental assinado por entidades representativas dos produtores de soja no Brasil, ONGs e governo. Na prática, a moratória proíbe a compra de soja proveniente de áreas desmatadas. Fazem parte de acordo, empresas importantes do setor, como a Bunge, a Cargill, a Viterra e a Amaggi, da família do senador Blairo Maggi. Recentemente, também, outras empresas anunciaram investimentos relevantes na preservação da Amazônia e do Cerrado. A JBS, por exemplo, criou um fundo de 1 bilhão de reais para apoiar o desenvolvimento sustentável da Amazônia; a Marfrig conseguiu um financiamento externo 150 milhões de reais para melhorar o rastreamento dos seus fornecedores na região e evitar o consumo de carne proveniente de desmatamento.
Para os especialistas, no entanto, a questão fundamental não é se o agronegócio e o meio ambiente andam juntos ou não. O fato, cientificamente e comercialmente comprovado, é que eles precisam andar juntos, é urgente que andem juntos. Caso contrário, pode não haver futuro para o setor. Do ponto de vista ambiental, uma das principais questões é o regime de distribuição de chuvas, essenciais para a produção. Hoje, apenas 10% das louvaras brasileiras são irrigadas. Com o desmatamento e o aumento das temperaturas, vão ser afetadas a qualidade do solo, a umidade, assim como polinizadores e pragas.
Para Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), não existem mais condições do agronegócio continuar afastado do meio ambiente: “É inconcebível. Em primeiro lugar porque os riscos da falta de preservação são enormes. Já há evidências de sobra de que as mudanças climáticas aumentaram o número de eventos extremos, como secas e ondas de calor. Além disso, existe a questão comercial. Os mercados externos, especialmente na Europa e nos EUA, estão cada vez mais rigorosos no controle da origem dos produtos”.
Além da questão ambiental e comercial existe uma questão lógica. Está comprovado que não há nenhuma razão para aumentar o desmatamento dos nossos biomas em nome do aumento da produção. Entre 2003 e 2008, o desmatamento da Amazônia foi reduzido de 25 mil km² para menos de 4 mil km². No mesmo período, a produção agrícola nacional dobrou de tamanho. Estudos feitos no Brasil e no exterior projetam, para os próximos 30 anos, perdas de produtividade causadas pelo desmatamento e pelas mudanças climáticas. Ou seja, só a ganância de alguns e a busca do lucro imediato a qualquer preço explicariam esse distanciamento de alguns empresários da realidade óbvia: produção e preservação precisam andar juntas.Agostinho Vieira
Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.