Cheguei em SP com 17 anos. Caipira, me perdia nas andanças. Descia em pontos errados de ônibus, andava dezenas de quarteirões a mais, via gente esquisita para meus padrões.. Comecei, na fase de encantamento, a pegar coletivos sem critério. Escolhia um com o destino final de um bairro que não conhecia. Comia ovo amarelo ou cor de rosa no bar de lá, dava uma geral em ruas vazias, estreitas e esburacadas e voltava via Centrão antigo. Quando o dinheiro dava, parava no Ponto Chic e via alguns dos bambas do samba paulista ali no Paissandu.
Cresci, meus filhos nasceram aqui. Com curtíssimos intervalos, sempre trabalhei em São Paulo. Opção de porto seguro, pessoal em detrimento do profissional. Me sinto em casa aqui no meio desse cinza . Não tenho medo de suas esquinas. Deveria ter, sei, mas não tenho.
Não curto o discurso fácil do “detesto SP”. Todos as cidades têm encantos e crueldade. Aliás, acho faz tempo que São Paulo tem o pior e o melhor do Brasil. Não é por acaso. Quem não conhece não sabe, mas o sotaque que rola na perifa da cidade não é aquele estereotipado da Mooca, do paulista-italiano: é o nordestino, com entonações baianas, pernambucanas, piauienses, cearenses…Terra dos que vieram correndo da morte. Muitos, no caso infelizmente, acabam incorporando o pior dos quase minoritários paulistanos de nascença.
Nos últimos tempos, SP saiu na vanguarda do tsunami medieval e contagiou boa parte do país. O ódio tem sotaque da terra na Paulista. E existe, no plano imediato, a ameaça real de legitimar a face mesquinha de SP nas eleições municipais: sim, João Dólar Jr. pode ser eleito prefeito. Sem entrar no mérito da discussão partidária, Dólar Jr. na Prefeitura é entregar definitivamente o sonho de uma cidade menos cruel.
Alguém poderia dizer que SP sobreviveu a Maluf e Pitta, por exempo. Verdade. Outros tempos, porém. País saindo da ditadura, informação circulando menos, sonhos de grandeza indevida… Imaginar João Dólar na Prefeitura dá uma tristeza danada. Vislumbrar que os cidadãos serão tratados como escoteiros mirins, como ele faz com os empresários que se prestam ao papel ridículo em seus convescotes milionários, dá alguma coisa que exige superlativo.
SP abriga erros que exigem desculpas e reparações, principalmente aos que construíram sua grandeza e foram deixados pelo caminho. Mas não merece a autopunição. Seus milhões de gente, de diferenças, afetos e de energia criadora não podem ser “disciplinados” ou virar autorama tardio de quem não a conhece. SP não é um negócio, uma empresa. Sampa não é mesquinha. Maluca sim, mas não doente a esse ponto.