Depoimento da advogada Ana Maria Muller, uma das muitas e muitos que sofreu na pele os reflexos do Ato Institucional Número 5, que completa hoje 50 anos de sua promulgação.
Por Ana Muller, advogada de diversas famílias de desaparecidos políticos, militante dos direitos humanos
Eu trabalhava no Correio da Manhã. Era secretária da presidenta: Niomar Moniz Sodré Bittencourt. No dia 12 de dezembro de 1968 foram libertados do Dops os presos politicos, beneficiados com o último Habeas Corpus que no dia seguinte cairiam em desuso por conta do AI-5.
Fui buscar o Arthur, meu companheiro na época, e, ao sair, o Charles Borer (policial do Dops, “bate pau” da repressão) disse “até amanhã”, insinuando que iam endurecer a partir do outro dia. Fiquei com aquela expressão nojenta e o tom de ameaça na minha cabeça.
No dia seguinte, 13, o clima era de festa, pois a Câmara Federal recusou o pedido para processar o jornalista e deputado Márcio Moreira Alves. Uma capa memorável do jornal. Uma charge maravilhosa (vejam abaixo o link do vídeo reprodução do discurso do parlamentar denunciando a ditadura, que levou ao pedido de processo).
E foi nesse clima que iniciei minha jornada às 14 horas (trabalhava das 14 às 22 horas). Logo após a leitura do Ai 5, aquele instrumento que ceifava a liberdade de uma maneira violenta, houve a invasão do saguão do Correio da Manhã. Queriam o Poerner, o Pericota, Edmundo Moniz e outros tantos.
Dona Niomar desceu ao saguão e os enfrentou, dando tempo para os que estavam na redação saíssem ou se escondessem nos apartamentos que davam para a Lavradio.
Tudo muito agitado e havia uma corrente se solidariedade de todos os funcionários, intransponível. O torturador Pancho deu uma rajada de metralhadora no saguão. Essas marcas perduraram até o dia que o jornal fechou como simbolo da truculência do estado ditatorial.
Os procurados não foram achados. Naquela noite não levaram ninguém. Nos tempos que se seguiram foram tempos de muito horror mas de muita resistência. E hoje, estamos aqui para contar. Sigamos. Ninguém solta a mão de ninguém.
