Ainda é possível resgatar a internet?

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Por , publicado em Outras Palavras – 

Da anarquia à ditadura: corporações aproveitaram-se do “espírito livre” da rede para exercer seu poder econômico e impor “capitalismo de vigilância” e manipulação política. Diante do inferno, surge a ideia de regras democráticas

Ensaio de Paul Starr

Em apenas duas décadas, as tecnologias digitais e a internet passaram do sonho excitante de uma nova era revolucionária à encarnação do medo de um mundo que deu muito errado. A revolução digital agora ameaça minar valores que deveria ter feito avançar – liberdade pessoal, democracia, conhecimento confiável e mesmo livre competição. A tecnologia não fez isso para nós sozinha, nem que tropeçamos distraidamente em um universo distópico alternativo. O regime tecnológico atual surgiu de escolhas perigosas, por ignorar lições do passado e permitir que o poder privado agisse sem regulamentação.




Esses problemas — monopólio, vigilância e desinformação — resumem o que deu errado e o que precisamos enfrentar, rever e corrigir se quisermos ter alguma esperança de recuperação da promessa das novas tecnologias.

O crescimento explosivo da economia digital nos anos 1990 e início dos anos 2000 parecia validar a ideia de que era melhor deixar os mercados por sua própria conta. A internet dessa era foi o maior triunfo do neoliberalismo. Depois que o governo norte-americano financiou avanços chave, e em seguida abriu a rede para o desenvolvimento comercial, a inovação digital e o empreendedorismo criaram novos meios online de trocas, novas riquezas e novas comunidades. Mas essa economia digital agora parece completamente diferente, com o crescimento das plataformas monopolizadoras. Amazon, Facebook, Google, Apple e Microsoft controlam ecossistemas inteiros do mundo digital, dominando os principais pontos de convergência de comércio e notícias.

Assim como a internet dos primórdios alimentou a ilusão de que era inerentemente apoiadora da competição, também espalhou a ilusão de que era intrinsecamente protetora da autonomia pessoal. Afinal, ninguém obrigava você a revelar sua verdadeira identidade online. Contudo, o mundo digital de hoje fez com que fosse possível o sistema de vigilância mais abrangente que já existiu. Aparelhos em rede rastreiam cada movimento e comunicação que fazemos. Uma nova forma de empreendimento emergiu do que Shoshana Zuboff chama de “capitalismo da vigilância”, ao passo que o Google, Facebook e outras empresas varrem dados sobre nossas vidas, preferências, personalidades e emoções “para práticas comerciais ocultas de extração, predição e vendas”.

A realidade acabou sendo menos graciosa. A economia digital destruiu o modelo de negócios tradicional do jornalismo, e resultou em um declínio dramático dos jornais profissionais. E como Google e Facebook dominam a publicidade digital, não surgiu nenhum outro modelo alternativo capaz de financiar as mesmas capacidades de comunicação, particularmente a níveis regional e local. Enquanto isso, plataformas de redes sociais substituíram os velhos detentores da mídia de massa, moldando a exposição do público às notícias e ao debate a partir de seus algoritmos. Agora, esses algoritmos – que estão por exemplo na linha do tempo do Facebook, no sistema de buscas da Google, nos mecanismos de recomendação do YouTube e nos assuntos do momento do Twitter – influenciam quais conteúdos e pontos de vista ganham visibilidade entre os usuários. Ao invés de promover um debate público melhor informado, no entanto, as redes sociais tornaram-se poderosos vetores de desinformação, polarização e ódio.

Como chegamos na crise atual e o que podemos fazer com ela tornaram-se perguntas urgentemente políticas.

A virada neoliberal

O crescimento da internet e da economia digital é uma história paradigmática da tecnologia estadunidense a partir da Guerra Fria. A revolução digital começou sob a égide do Estado, moveu-se para o mercado, e agora tornou-se um emblema de tudo que pode dar errado, quando os atores dominantes do mercado não são limitados pela lei.

Dos anos 1940 ao início dos 1970, o governo norte-americano financiou e guiou grande parte do desenvolvimento de computadores e comunicação eletrônica, principalmente via Departamento de Defesa. Foi lá dentro que um escritório, chamado Agência de Projetos de Pesquisa Avançada, fundou e supervisionou a ARPANET, precurssora da internet.

Nos meados do século XX, os Estados Unidos também regularam extensivamente as telecomunicações. Embora a AT&T tivesse um monopólio efetivo, políticas regulatórias restringiam tarifas telefônicas, promoviam serviço universal e barravam a discriminação, exigindo que as empresas telecom agissem como veículos públicos. Devido ao tratamento dado aos investimento de capital, o sistema regulatório deu à AT&T um incentivo para que dedicasse amplos fundos à pesquisa. Seu braço para esta atividade, chamado Bell Labs, produziu uma extraordinária variedade de avanços, incluindo as redes de dados, o transístor, o laser e a telefonia celular. Os avanços da Bell estavam sujeitos ao licenciamento compulsório, o que significava que estavam disponíveis para que outros construíssem inovações a partir deles.

Graças a essa economia mista, as indústrias de computadores e telecomunicações nos EUA desenvolveram enorme liderança sobre seus equivalentes em outros países. Foi o motivo da dianteira e da vantagem comparativa do país em inovação digital. Mais tarde, criou-se o mito de que gênios individuais, que trabalhavam em suas garagens, nos trouxeram computadores e a internet. Mas seu trabalho não teria sido possível sem os investimentos e avanços técnicos que o governo e a indústria de telecomunicações regulada já haviam dado.

Não obstante, o regime regulatório das empresas de telecomunicação teve uma desvantagem grave. Deu à AT&T o poder de controlar cada aspecto da rede de telefones, incluindo quais aparelhos poderiam se conectar a ela. Como qualquer monopólio, a AT&T procurou proteger sua posição privilegiada. Depois que o Departamento de Defesa dos EUA recebeu, em 1964, uma proposta de uma rede de comunicação similar à internet, um executivo da AT&T disse “Até parece que vamos permitir a criação de um competidor contra nós mesmos”. A lei, até aquele ponto, estava do lado desta empresa.

O envolvimento do governo norte-americano nos computadores e telecomunicações começou a declinar no final da década de 1970 e 1980, coincidindo com a virada neoliberal geral na política. Aqui uso o termo “neoliberal” especificamente para referir-me às ideias e políticas que buscam criar mercados e depender das forças do mercado. O arsenal neoliberal inclui medidas como a privatização, acordos de livre-comércio, desregulamentação, cortes de impostos e redução do investimento social. O que distingue o neoliberalismo do laissez-faire do século XIX é que ele foi erguido após um período de construção liberal e social democrática do Estado. Em linhas gerais, neoliberalismo deve sua origem filosófica a Friedrich Hayek e seu círculo, nos anos 1940, e emergiu como força política após Margaret Thatcher e Ronald Reagan, no final da década de 1970 e 1980.

Politicamente falando, no entanto, a desregulamentação difere de outras medidas orientadas ao mercado. Algumas formas de desregulamentação atraem apoio de liberais e progressistas proeminentes — incluindo o senador Ted Kennedy e Ralph Nader — pelo motivo de que as agências regulatórias foram capturadas pelas indústrias que elas deveriam regular, e já não serviam mais ao público. Limitar o poder da AT&T teve o feliz apoio de todo o espectro ideológico.

Embora o grande passo viesse apenas em 1984, quando um tribunal quebrou a AT&T, o governo norte-americano já tinha começado a afrouxar o monopólio do telefone àquela época. Em dois casos, em 1956 e 1968, autoridades norte-americanas reduziram o controle da AT&T sobre aparelhos que ligavam-se à rede de telefones. Esses passos desreguladores iniciais, combinados com o desenvolvimento subsequente de microcomputadores, abriram caminho para que, entre os anos 1970 e 1980, consumidores e empresas adquirissem modems (que permitiam que computadores conversassem entre si) e acesso discado aos primeirosbulletin boards online [redes rudimentárias e fechadas, anteriores à internet].

Por algum tempo, parecia que essas redes proprietárias — as “três grandes” eram CompuServe, o líder original nos anos 1980; America Online (AOL), que cresceu rapidamente na década de 1990; e Prodigy — dominariam os “serviços de informática”. Cada empresa tinha sua própria fonte de notícias, grupos de discussão, serviços de email e regras. Por exemplo: a AOL restringia seus fóruns ao máximo de 23 pessoas, efetivamente limitando o alcance de qualquer usuário individual. Naquele momento, não era de maneira alguma óbvio de que a internet – originalmente limitada ao uso governamental, mais tarde estendida às universidades e institutos de pesquisa – emergiria como a estrutura da comunicação eletrônica.

Mas a internet tinha uma arquitetura mais aberta, incluindo um princípio chamado “end-to-end” [“ponta-a-ponta”], que a diferenciava de outras redes. Como Lawrence Lessig explicou, em 2001, “Esse modelo regula onde a ‘inteligência’ em uma rede é colocada. Aconselha que a inteligência seja colocada nas aplicações” — ou seja, entre os usuários de qualquer fim da rede, e não no centro, com o administrador. Como resultado, diferente das redes proprietárias, a internet não precisava de permissão: convidava à inovação e a decentralizava.

Abrir a internet ao acesso mais amplo, incluindo o desenvolvimento comercial, era, então, simultaneamente um movimento em direção ao mercado e em oposição ao controle proprietário da própria rede. Foi isso que aconteceu na primeira metade da década de 1990, quando regras contra o uso comercial da internet eram derrubadas, o “backbone” [espinha dorsal] da rede foi privatizado e uma série de novas aplicações foi criada, incluindo a World Wide Web. Muitos desses novos softwares foram inclusive desenvolvidos em uma base não-proprietária, de código aberto, apesar de isso não refletir nenhum requerimento legal ou técnico (de fato, uma nova arquitetura de controle poderia ser construída sobre a internet – é o que as plataformas online farão mais tarde).

A política da internet nos anos 1990 era menos ideológica. Em 1992, quando Bill Clinton e Al Gore defendiam o desenvolvimento da chamada “superrodovia informacional”, estavam sinalizando uma mudança geracional. Como senador, Gore fez mais do que qualquer outro na política nacional para expandir a internet.

A política nacional durante o governo de Clinton eliminou qualquer regulação da economia digital emergente. Provedores de internet eram inclusive subsidiados ao serem isentos de taxas de acesso à rede, e intermediários recebiam ampla imunidade de responsabilidade pelo conteúdo gerado pelo usuário. A melhor abordagem, de acordo com William Kennard, presidente da Comissão Federal de Comunicações (FCC na sigla em inglês) dos EUA, indicado por Clinton, era permitir que o “mercado encontrasse soluções de negócios … como alternativa à intervenção pelo governo”.

Essa atitude geral continuou a dominar a política em relação à internet sob os presidentes George W. Bush e Barack Obama. Enquanto o Partido Republicano opunham-se a um papel mais amplo do governo em geral, os democratas opunham-se à influência do governo na internet e na indústria da tecnologia em particular. A internet floresceu aparentemente sem governo: por que arriscar ameaçar isso? Essas crenças iniciais sobre a rede — alinhadas com as premissas neoliberais gerais daquela época — deixaram tanto os legisladores quanto o público despreparados para a ascensão dos monopólios de plataformas e do capitalismo de vigilância, da devastação do jornalismo profissional, e do uso de comunicações digitais para a desinformação.

Se a internet tivesse emergido em um período diferente, talvez tivesse se desenvolvido de outra maneira. Mas a economia digital avançou em uma era na qual os três principais meios de manter o poder corporativo em cheque – antitruste, regulamentação econômica e propriedade pública – estão todos em retração. O governo norte-americano aprovou uma petição importante antitruste, quando buscou fragmentar a Microsoft durante os anos 1990, um caso que, afinal de contas, terminou com um decreto de consentimento em 2002 e provavelmente evitou que a empresa esmagasse a Google em sua infância.

Desde então, no entanto, o governo não levantou qualquer obstáculo à expansão das plataformas online, à compra de potenciais concorrentes e constituição de um poder de monopólio. Nem construiu qualquer barreira à acumulação de dados pessoais pelas plataformas. Diferentemente da União Europeia, o congresso norte-americano não promulgou nenhuma legislação geral que protegesse a privacidade do cidadão na internet. E apesar do colapso do jornalismo, os Estados Unidos têm tido má vontade para considerar o apoio à mídia pública, largamente aceito em muitas outras democracias. Foi apenas nos últimos anos que passaram a dar atenção focada nas mudanças necessárias para lidar com as novas concentrações de poder sem controle.

Assumindo o monopólio

Não é a primeira vez que uma revolução das comunicações assiste a uma rápida transformação, de ampla competição em controle concentrado. O mesmo processo aconteceu com o telégrafo entre 1840 e 1860, quando a Western Union constituiu um monopólio. Aconteceu novamente com o telefone, entre meados de 1890 e a década de 1910, quando a AT&T assumiu o controle do setor. E aconteceu uma terceira vez com o rádio do começo ao fim da década de 1920, quando a NBC e a CBS tornaram-se redes de dominação nacional, nos EUA. Que monopólios surjam novamente, é algo que não deveria surpreender ninguém. Ainda que a internet tenha transformado muitas coisas, não mudou a tendência ao monopólio das redes de comunicação.

O efeito da internet na concentração econômica, contudo, pode ter sido ainda maior do que os efeitos dos meios de comunicação anteriores. Hoje, a Amazon sozinha concentra metade das vendas online, enquanto Google e Facebook estão levando virtualmente todo o crescimento da publicidade digital, e capitalistas de risco hesitam ao financiar novas startups porque as empresas da big tech conseguem facilmente atropelá-las. Ao invés de difundir riqueza, a revolução digital tem feito apenas concentrá-la em algumas poucas gigantes da tecnologia e seus acionistas.

Ações antitruste e políticas regulatórias poderiam ter limitado o crescimento de monopólios e abusos do poder de mercado. Mas desde os anos 1980, o governo norte-americano tem relaxado muito com relação à ação antitruste contra grandes corporações, graças à influência das teorias de que o domínio corporativo de um mercado não é um problema, caso ele melhore o “bem-estar do consumidor”, interpretado de modo geral como preços mais baixos. Esse critério dificultou processos antitruste contra empresas como o Facebook e a Google, que dependem de publicidade e de conteúdo gerado pelo consumidor e não cobram diretamente por seus serviços, ou contra a Amazon, que sacrificou lucros para obter dominação de mercado. Autoridades dos EUA acenaram favoravelmente a fusões como a aquisição do Instagram e do WhatsApp pelo Facebook, mesmo sabendo que essas uniões reduziriam o poder dos consumidores no mercado (por exemplo, com relação a políticas de privacidade), reforçando o poder de plataformas gigantes.

Nas lutas contra o poder de monopólio das ferrovias e outros setores, no final do século XIX e no começo do século XX, o Congresso norte-americano e o Judiciário deram passos não apenas contra fusões horizontais, mas também contra preços predatórios (abaixo dos custos, para eliminar competidores), discriminação de preços (variação de preços de acordo com compradores ou vendedores individuais, de acordo com suas características ou circunstâncias), e integração vertical (combinação de estágios da produção ou distribuição, normalmente operados como negócios separados).

Nas décadas recentes, contudo, os tribunais norte-americanos tendem a recusar essas questões, tornando-se incapazes de antecipar o novo potencial para o monopólio nas plataformas digitais, que se beneficiam de efeitos de rede. Quanto mais uma rede cresce, mais valiosa ela se torna para cada participante conectado por ela e, reciprocamente, maior fica o preço de estar excluído. Assim como o custo de exclusão aumenta, o mesmo acontece com o poder de mercado de uma plataforma. No mundo digital, a escala também carrega consigo a capacidade de extrair dados dos usuários para treinar sistemas de inteligência de máquina; e apenas as maiores empresas conseguem competir efetivamente.

Uma plataforma de vendas como a Amazon, segundo Lina Khan argumenta no Yale Law Journal, tem claros incentivos para buscar o crescimento ao invés do lucro em curto prazo, uma estratégia recompensada por investidores que fazem com que o preço predatório seja “altamente racional – mesmo que a doutrina existente o trate como irracional e, portanto, implausível”. A capitalização de mercado a grandes alturas da Amazon atesta essa lógica. (Aproveite a entrega grátis da Amazon Prime enquanto pode!) O tamanho da Amazon Marketplace torna essencial para que outros vendedores entreguem à plataforma dados essenciais, que ela vez ou outra usa para invadi-los e vendê-los com suas próprias versões de seus produtos mais lucrativos. Como resultado do alto custo de exclusão de seu mercado, a Amazon obriga os outros vendedores a ficarem à sua mercê e pode impor termos onerosos a eles.

Mas como limitar o poder de plataformas que dominam o mercado? A senadora norte-americana Elizabeth Warren propõe duas coisas. Se vencer as eleições para a presidência dos EUA, ela apontará “reguladores comprometidos com reverter fusões ilegais e anticompetitivas de tecnologia”, como a aquisição que o Facebook fez do WhatsApp e do Instagram, a compra do Waze e DoubleClick pela Google, e a incorporação da Whole Foods e da Zappos pela Amazon. Além disso, ela busca uma legislação que exija que as maiores empresas de tecnologia – aquelas com receitas globais de US$ 25 bilhões ou mais – sejam designadas “plataformas utilitárias”, e mantidas com “estruturas separadas” de negócios que participam do mercado. A Amazon Marketplace, por exemplo, teria de operar separadamente das vendas próprias da Amazon. Todas as plataformas, com receita acima ou abaixo dos US$ 25 bilhões, teriam de encontrar um padrão de “atendimento aos usuários justo, razoável e não discriminatório”.

As investigações antitruste de grandes empresas tecnológicas já estão acontecendo. A Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos EUA está investigando a Apple e o Google, enquanto a Comissão Federal de Comércio (FTC – Federal Trade Commission) lida com o Facebook e a Amazon. Procuradores-gerais do Estado investigam o Google e o Facebook. Mas, mesmo sob um governo de Elisabeth Warren, quebrar as grandes corporações tecnológicas poderia ser difícil. Na História, casos como este costumam se arrastar por anos, e, considerando a doutrina judicial prevalecente, as chances de sucesso hoje não são muito prováveis. As autoridades também relutam em quebrar as companhias norte americanas de tecnologia, pois, ao enfraquecê-las, indiretamente fortalecerão suas rivais chinesas.

Isso não significa que o tipo de mudança estrutural que Warren propõe esteja fora de questão. Reduzir o poder de mercado dos monopólios de plataforma pode ganhar o apoio de importantes segmentos de negócios, não apenas de grupos de consumidores. Um governo que busque limitar a precificação predatória e outros abusos do poder de mercado pode ter mais sucesso, no entanto, atacando diretamente tais abusos por meio de novas leis ou de uma autoridade reguladora já existente. Efetivamente, agora é possível que haja uma nova legislação federal numa área – direitos de privacidade – mas não por boas razões.

O desafio do Capitalismo de Vigilância

Os Estados Unidos têm sido retardatários na questão da privacidade de dados. A lei estadunidense trata da privacidade como um aspecto da liberdade individual, ameaçado pelo Estado, nunca pelo mercado. A pressão vinda dos interesses corporativos acabou por limitar a proteção legal de dados pessoais coletados de forma privada e negociados no mercado. Embora as leis regulem os dados de setores como relatórios de crédito e assistência médica, essas normas são anteriores à ascensão da internet. O resultado é que a privacidade do consumidor online vem dependendo amplamente da auto-regulação corporativa, e o Estado só tem sido capaz de agir sobre abusos de privacidade das empresas que violam suas próprias políticas de privacidade ou enganam os consumidores.

Em contraposição, as leis europeias compreendem a privacidade como um aspecto da dignidade humana ameaçado por todos os tipos de intromissões, tanto privadas como governamentais. Fiel à tradição, a União Europeia possui uma proteção muito mais forte dos dados do consumidor, num padrão que culminou em 2016, com a adoção do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês). Pelo menos nesse quesito, o GDPR exige que as empresas concedam aos consumidores o direito de controlar os dados coletados sobre eles, prejudicando potencialmente o modelo de negócios que transformou o Google e o Facebook em gigantes.

Mas as políticas de privacidade de dados devem ter mudado nos Estados Unidos. O escândalo da Cambridge Analytica e um fluxo aparentemente sem fim de revelações sobre o Facebook ajudaram a aumentar a conscientização sobre os limites da autorregulação corporativa. No ano passado, a Califórnia adotou uma nova e importante legislação sobre a privacidade dos consumidores, e vários outros estados norte-americanos estão considerando projetos de lei desse tipo. Depois de muito resistir a uma lei de privacidade federal, os interesses corporativos agora pressionam para que isso ocorra, prevendo medidas estatais mais fortes.

Embora os escândalos tenham provocado uma forte indignação pública, os interesses financeiros em jogo nunca foram tão grandes. Os dados pessoais são, hoje, a força vital das grandes empresas de tecnologia. Google e Facebook agregam dados de seus próprios sites e de outras fontes sobre indivíduos, independentemente de eles terem contas com essas empresas. Com esse fluxo constante e contínuo de dados, eles conseguem atingir o público-alvo com propagandas de forma muito mais precisa e eficiente do que a mídia de massas.

Parte desta “publicidade comportamental” é inofensiva, e, sem dúvida, muitas pessoas talvez até prefiram receber propagandas que são mais “personalizadas”. Mas a personalização oferece ricas chances de exploração. Num guia para anunciantes da Austrália e da Nova Zelândia, o Facebook observa: “Ao monitorar postagens, fotos, interações e atividades da Internet, o Facebook pode ser útil quando os jovens se sentem ‘estressados’, ‘derrotados’, ‘sobrecarregados’, ‘ansiosos’, ‘nervosos’, ‘estúpidos’, ‘inúteis’ ou ‘um fracasso’” — em outras palavras, nos momentos em que eles se estão “mais vulneráveis a uma configuração específica de dicas e sugestões publicitárias”.

Uma pesquisa do Wall Street Journal, focada em aplicativos que enviam ao Facebook informação altamente pessoal, descobriu que um deles, com 25 milhões de downloads, fornecia à plataforma estimativas das datas de ovulação das mulheres. O rastreamento de usuários e o armazenamento de dados confidenciais sobre eles significa, inevitavelmente, um risco de abusos. (O Facebook negou sua responsabilidade tanto sobre o guia de anúncios como sobre o aplicativo, uma vez expostos.)

Uma das coisas que as companhias mais querem é saber o preço máximo que você está disposto a pagar pelo que elas vendem, seja uma viagem de Uber ou um produto da Amazon, como explica Phillip Longman no Washington Monthly. “Fica cada vez mais difícil evitar o contato e intercâmbio com comerciantes que conseguem estimar com uma precisão o quanto você, pessoalmente, está disposto a pagar, e que te cobrarão exatamente de acordo com isso”.

Mark Zuckerberg diz que sente muito por divulgar dados para a Cambridge Analytica. Não obstante essas desculpas, o vasto volume de escândalos do Facebook ajudou a esclarecer as limitações da autorregulação corporativa.

Em seu livro The Age of Surveillance Capitalism (“A era do capitalismo de vigilância”), Zuboff demonstra que o negócio da vigilância busca, basicamente, criar “produtos de previsão”, os quais são valiosos não somente para quem faz as propagandas, mas para quem quer previsões melhores sobre o que você vai comprar e quanto vai pagar. Companhias de seguros, proprietários e empregadores também estão interessados em previsões mais personalizadas sobre possíveis segurados, inquilinos e trabalhadores.

Além disso, o capitalismo de vigilância passou do mundo virtual para o físico, à medida em que nossos telefones, aplicativos e dispositivos de rede na “internet das coisas” reportam às empresas de dados onde estamos e o que estamos fazendo. Zuboff escreve que as companhias querem “cutucar, ajustar, agrupar, manipular e modificar o comportamento em direções específicas, executando ações tão sutis quanto inserir uma frase específica no seu feed de notícias do Facebook, cronometrando o tempo certo para a aparição de um botão de “COMPRAR” no seu telefone, ou desligando o motor de seu carro quando uma parcela do seguro está em atraso”. Se não for regulamentada, a nova tecnologia tem um grande potencial de virar um novo regime social, operado pelos interesses das companhias dominantes.

Tanto o GDPR europeu (RGPD – Regulamento Geral de Proteção de Dados) como a nova legislação sobre privacidade da Califórnia buscam dar aos consumidores um maior controle de suas informações, mas fazem isto de maneiras diferentes. O RGPD requer um aceite, enquanto a lei da Califórnia exige que as empresas ofereçam aos consumidores uma opção de exclusão. Com o RGPD, as companhias precisam obter o consentimento dos indivíduos para suas práticas de dados por meio de um contrato “dado livremente; específico, claramente redigido e inequívoco”. Entre os direitos oferecidos aos consumidores está o de acesso à informação coletada sobre eles; o direito de “deletar” dados sob certas circunstâncias (o que já é melhor do que o antigo “direito a ser esquecido”); e um “direito a explicações” sobre as decisões algorítmicas tomadas a partir deles. Na prática, o significado desses direitos dependerá de decisões regulatórias e judiciais.

Os resultados mais recentes, desde que o RGPD passou a valer em 2018, não são alentadores. O cumprimento do RGPD exige um investimento significativo. Estes custos não são grande questão para companhias de big tech como Google, Facebook e Amazon, que conseguiram convencer os consumidores a clicar nos formulários de consentimento: os custos são um problema para as empresas pequenas e startups. O RGPD poderia, portanto, acabar fortalecendo os monopólios de plataforma.

Além disso, o RGPD delega a fiscalização regulatória ao país em que a empresa possui suas principais instalações e “controladores de dados”. Para a grande maioria das empresas norte americanas, esse país é a Irlanda, que há muito tempo atende à indústria de tecnologia que agora deve regular. As autoridades irlandesas estão encerrando alguns dos principais casos de aplicação da lei e os críticos são céticos sobre quão rigorosamente eles interpretarão o RGPD. A questão é se o Facebook pode ou não exigir que seus usuários aceitem suas práticas de dados como uma condição para usar a plataforma.

A Lei de Privacidade do Consumidor da Califórnia (California Consumer Privacy ActCCPA, na sigla em inglês), que entrará em vigor em janeiro de 2020, não é tão ampla quanto o RGPD e não requer o consentimento do consumidor para que as companhias coletem seus dados pessoais. Em vez disso, a CCPA requer que as grandes empresas publiquem em um local “claro e notável” uma opção simples e específica: “Não vender minhas informações pessoais”.

Como a lei define que grandes empresas são aquelas que têm receita anual superior a 25 milhões de dólares ou dados pessoais acima de 50.000 indivíduos, é pouco provável que ela que cause os mesmos efeitos perversos que o RGPD teve no fortalecimento das grandes tecnologias. A CCPA também concede explicitamente aos consumidores o direito de receber os mesmos serviços e mesmos preços das empresas, independentemente delas exercerem ou não esse “direito de exclusão da venda de dados” ou outros. E define “vender” dados pessoais de forma ampla, de modo a incluir o “divulgar, disseminar, disponibilizar [ou] transferir” esses dados. A indústria da Internet tentou obstinadamente alterar a CCPA para obter uma exceção para a publicidade digital, mas fracassou na sessão legislativa que terminou em setembro.

As leis da Califórnia definitivamente se aplicam a todas as grandes empresas instaladas nos EUA, já que seria difícil negar ao resto da população os direitos que elas têm de dar aos californianos. No entanto, outros estados norte-americanos também vêm considerando uma legislação do tipo. Uma proposta de lei de Nova York, aplicável a empresas de qualquer tamanho, iria além daquela da Califórnia, criando um direito de ação privado, que permitiria aos consumidores processarem empresas, de forma individual, por violações à privacidade. Também trataria as empresas como “fiduciários de dados”, exigindo que agissem como outros tipos de fiduciários – tais como médicos e advogados, que devem manter as informações em sigilo — mantendo os interesses dos consumidores em primeiro lugar.

Porém, uma proliferação de leis estaduais poderia ser uma faca de dois gumes. Ao expor as empresas a requisitos conflitantes e ao risco de serem bombardeadas por processos, novas leis fortaleceriam o argumento para que a legislação federal substituísse regras as estaduais separadas por normas nacionais, possivelmente muito mais fracas.

Ainda assim, pelo menos há um movimento positivo no direito à privacidade. Bem como a lei antitruste, a lei da privacidade fornece agora uma estrutura para iniciar uma reforma que conta com considerável legitimidade pública. O terceiro desafio, a desinformação, é muito mais difícil, tanto conceitual como politicamente.

Desinformação e Degradação das Notícias

Dois efeitos da revolução digital degradaram a qualidade das notícias e da informação. O jornalismo vem em queda livre como resultado do colapso de seu modelo de negócios tradicional. Nos EUA, aproximadamente, um quinto dos jornais locais deixou de existir, e muitos sobreviventes não passam de sombras fantasmagóricas do que alguma vez foram. Áreas nacionais inteiras viraram desertos de informação, sem nenhum tipo de notícias locais, o que deixou milhares de pessoas dependentes e confiantes nas mídias sociais.

Mas as plataformas de mídias sociais, livres de qualquer responsabilidade por conteúdos gerados por usuários, não tinham até há pouco nenhum incentivo para investir recursos para distinguir verdades de falsidades – muito menos para bloquear desinformação pura. Os algorítmos das plataformas foram otimizados para constuir escala e tornar os sites tão lucrativos quanto possível.

Se teorias da conspiração e outros conteúdos sensacionalistas e extremos tiveram esse efeito, este não foi motivo de preocupação para as plataformas. O YouTube, que pertence ao Google, e que no final de 2016 passou a marca de um bilhão de horas de exibição por dia – próximo ao tempo total de exibição de toda a televisão – é um excelente exemplo desse padrão. Uma investigação de 2018, do The Wall Street Journal, descobriu que, depois de detectar os preconceitos políticos dos usuários, o YouTube passava a lhes transmitir vídeos ecoando “esses preconceitos, geralmente com pontos de vista mais extremos”.

Com todas as limitações das mídias pré-digitais, pelo menos as organizações jornalísticas tradicionais assumiam a responsabilidade pela veracidade das notícias que transmitiam. A revolução digital transferiu o poder às plataformas de mídias sociais, que renunciaram a qualquer responsabilidade. Se as reformas pretendem corrigir essa perda de um julgamento editorial responsável, elas terão de fazer duas coisas: primeiro, ajudar a reconstituir a base econômica do jornalismo profissional e, segundo, responsabilizar as plataformas de mídia social por seu papel na modelagem da exposição a diferentes conteúdos, fontes e pontos de vista. Governos democráticos podem e devem desempenhar um papel no primeiro ponto; não está claro como, se é que podem, desempenhar um papel no segundo, a não ser reduzindo os monopólios de plataforma e exigindo algum grau de transparência.

O apoio dos Estados ao jornalismo é amplamente considerado uma espécie de maldição, mas não deveria ser. Muitas democracias liberais fornecem apoio financeiro substancial ao jornalismo, por meio de mecanismos que protegem a integridade da imprensa. A BBC serve de modelo: financiada por impostos, como um serviço público de transmissão. Os países escandinavos subsidiaram jornais sem prejudicar a liberdade de imprensa. A democracia norte-americana antiga não teria tido tanta vitalidade sem os subsídios que o governo forneceu à imprensa por meio de tarifas postais abaixo do custo, bem como contratos de impressão e outros meios.

No entanto, desde o final do século XIX, o jornalismo norte-americano existe quase só baseado em termos comerciais. De fato, durante o século XX, os jornais e as redes de transmissão ganharam tanto dinheiro que os melhores deles ampliaram áreas de cobertura subsidiadas. Agora os lucros estão desaparecendo, mas a maioria da população não percebeu o significado da mudança. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center em 2018, 71% das pessoas acha que a mídia local vai bem financeiramente.

Editores de jornais gostariam de obter parte da receita publicitária, agora nas plataformas. Eles apoiam um projeto de lei que lhes daria uma isenção de quatro anos das leis antitruste para permitir que negociassem coletivamente com o Google e o Facebook. Mas, mesmo assim, a mídia estaria em uma posição de barganha fraca: eles precisam do tráfego do Google e do Facebook mais do que as plataformas precisam deles. A isenção antitruste não resolveria a crise do jornalismo.

Trazer propostas interessantes para apoiar o jornalismo não é o problema. Uma maneira direta de fazê-lo seria por meio de um imposto vinculado às plataformas digitais para apoiar o jornalismo como um serviço público, com fundos a serem distribuídos no modelo que os Estados Unidos já desenvolveram com sucesso para transmissão pública. A rádio pública é uma das poucas histórias de sucesso na história recente da mídia; sua estrutura federativa — um sistema descentralizado, composto principalmente por estações privadas sem fins lucrativos, com uma combinação de fundos públicos e privados, e redes de rádio públicas concorrentes entre si — ajuda a minimizar o risco de controle por parte dos governantes.

Mas, ainda assim, é difícil imaginar um momento pior para pedir ajuda para o jornalismo. Quando um presidente chama a mídia de “inimigo do povo” e seu partido compartilha esse desdém, as propostas de apoio à imprensa serão inevitavelmente tomadas como partidárias. A esquerda deve continuar a pensar em tais ideias — infelizmente, haverá tempo de sobra para a reflexão. O máximo que podemos esperar nesse ínterim é o reconhecimento entre as fundações e outras fontes sem fins lucrativos da necessidade urgente de fortalecer o jornalismo, especialmente a nível local.

Esforços para mudar as políticas das mídias sociais também são difíceis, politicamente. Mantendo as esperanças na autorregulação corporativa, várias organizações tentam promover a verificação dos fatos de forma independente, para uso pelas empresas de plataforma. Tanto o Facebook quanto o YouTube anunciaram alterações em seus algoritmos que, segundo eles, limitarão os “conteúdos incertos”. Nas palavras de Mark Zuckerberg, esse é um “conteúdo sensacionalista e provocador” que “pode prejudicar a qualidade do discurso público e levar à polarização”. O Facebook não está bloqueando essas postagens, mas está limitando a frequência com que elas aparecem nos feeds de notícias. Em uma explicação de como o Facebook estava se preparando para as eleições de 2018, Zuckerberg disse: “As postagens classificadas como falsas [com base em verificadores independentes] são rebaixadas e perdem em média 80% de suas visualizações futuras”.

Esse tipo de poder, junto com o aumento da “moderação de conteúdo”, é ao mesmo tempo necessário e preocupante. Necessário, porque falsidades virais, vídeos deepfake e outras formas de engano são uma ameaça real à democracia, e as mídias sociais podem servir como um ponto de controle. É preocupante, no entanto, porque as redes sociais podem servir muito facilmente como um ponto de estrangulamento para a liberdade de expressão — e é possível fazê-lo sem que aqueles submetidos a controle sejam capazes de detectar, muito menos contestar as medidas a que são submetidos.

Depender de organizações independentes que verificam fatos não foge da disputa política. Segundo uma pesquisa da Pew, 70% dos apoiadores do Partido Republicano, nos EUA, acredita que os verificadores de fatos são tendenciosos, enquanto apenas 29% dos democratas pensa assim. De fato, a direita tem motivos para se preocupar com a verificação de fatos de suas fontes de notícias. Num recente estudo sobfre notícias online, a Network Propaganda, junto de Yochai Benkler, Robert Faris e Hal Roberts, descobriu que as normas jornalísticas continuam a restringir as organizações de notícias, desde a centro-direita (por exemplo, The Wall Street Journal), passando pelo centro até chegar à esquerda. Mas, na direita, eles encontraram um ecossistema de mídia insular, que tende ao extremo, onde nem mesmo as principais organizações de notícias (Fox e Breitbart) apresentam normas de “busca da verdade” e verificação de fatos.

É nesse contexto que surgem as acusações conservadoras de que o Facebook, o Google e o Twitter são tendenciosos contra eles. Ironicamente, nos EUA, depois de anos denunciando o Partido Democrata por supostamente querer trazer de volta a antida Doutrina da Justiça para as transmissões de rádio, alguns conservadores agora querem uma nova Doutrina de Justiça para as mídias sociais. O senador Josh Hawley, republicano do Missouri, propôs uma legislação que exigiria que os intermediários da Internet demonstrassem que são politicamente imparciais, para, assim, obter ampla isenção de responsabilidade pelo conteúdo dos usuários, conferido pela lei federal. A medida parece calculada para impedir que as plataformas de mídia social adotem critérios como a confiabilidade da fonte de notícias em seus feeds de notícias e outros algoritmos.

A proposta de Hawley serve como um sinal de advertência sobre qualquer tipo de regulamentação de conteúdo governamental das mídias sociais. Mas a transparência é uma ferramenta que o Estado poderia ir adiantando de maneira útil. A legislação poderia exigir que as mídias sociais e outras plataformas digitais divulgassem regularmente como seus algoritmos funcionam, incluindo como eles afetam diferentes tipos de conteúdo e pontos de vista. Se o seu feed de notícias estiver sendo configurado por causa de alterações no algoritmo de uma plataforma, você deveria ter o direito de uma explicação em linguagem clara e acessível. Essa maior transparência seria um passo em direção ao que passou a ser conhecido como “prestação de contas algorítmica”.

Quando a Internet e a economia digital surgiram pela primeira vez, entre a década de 1990 e início da década de 2000, não estava claro que formato elas tomariam. A velocidade da mudança e sua novidade eram deslumbrantes; uma análise sóbria e historicamente informada não poderia competir com os sonhos de um parque de diversões liberal. Mas ninguém precisa continuar a se iludir com as consequências benignas de confiar plenamente no mercado “como uma alternativa à intervenção do Estado”. A era neoliberal da internet acabou.

Uma nova onda de intervenção está chegando. No entanto, as empresas de tecnologia se tornaram tão grandes e poderosas, e a ala de direita trumpista tão avessa ao jornalismo e suas normas, que o formato do que está por vir, novamente, é pouco claro. A questão agora é: que interesses e valores prevalecerão no mundo digital que a política moldará? Monopólio, vigilância e desinformação são nossas apostas imediatas; a questão final é em que tipo de sociedade queremos viver.

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