Ainda Estou Aqui, Cine Santa Alice!

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Pegue a pipoca, pois o doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, na coluna “A César o que é de Cícero”, nos leva mais uma vez ao cinema. Nos leva à sua infância de 10 anos ao Cine Santa Alice, Engenho Novo, Rio. Dá um “take” ainda na premiação de Fernanda Torres como melhor atriz no “Globo de Ouro” por “Ainda Estou Aqui”.

Ação!




“Beija-Flor, 6 de janeiro de 2025.

Caro Editor:
Eis que escrevo um texto sobre cinema um dia depois da grande conquista de Fernanda Torres, que ganhou o Globo de Ouro por sua atuação em “Ainda estou aqui”. A primeira parte do texto é escrita no calor da hora.


Com um pouco de euforia, afinal adoro um reconhecimento, por que não dizer que esta grande conquista é dela, de Walter Salles e do cinema brasileiro? Espero que com isso, tenhamos mais e mais filmes brasileiros disponíveis para o público. É por isso que, mesmo sem tantas expectativas, irei ver o “O auto da compadecida 2”. A tese não é tão gasta assim: Não há como entender o Brasil sem ver o cinema brasileiro.


Um questão para pensarmos juntos: Walter Salles fez boas adaptações para o cinema. “Abril Despedaçado”, “Os diários da Motocicleta, “On the Road” e “Ainda Estou Aqui” são adaptações de livros. Curioso, né?


Uma segunda questão para pensarmos juntos: as personagens femininas dos filmes de Walter Salles são mulheres fortes sempre. Dora, em “Central do Brasil”; Cleuza, em “Linha de Passe”; e Eunice, em “Ainda estou aqui”.


Uma terceira questão para pensarmos juntos: em que medida os filmes de Walter Salles, analisados no conjunto, dão conta do confronto entre mobilidade e imobilidade do país? São personagens que tentam atravessar o deserto em busca de algo que lhes falta. Às vezes têm sucesso, às vezes não.
Parabéns, Fernanda Torres. Parabéns, Fernanda Montenegro.


Vamos ao meu texto sobre um cineminha de rua agora?

Cine Santa Alice
Eu sou Renato Aragão, santo trapalhão/ Eu sou Mussum, sou Dedé/ Sou Zacarias carinho/ Pássaro no ninho qual tu me vê na tevê” (“Jeito de Corpo”, canção de Caetano Veloso, do álbum “0utras palavras” (1981)

Só fui uma vez ao Cine Santa Alice. Foi para ver “O monstro trapalhão”, produção de 1981-82. Eu tinha cerca de dez anos, a idade atual da minha filha.

Sendo tão novinho assim, eu não tinha como entender a importância do evento. Para mim, a ocasião era uma entre outras, não havia nada nela de especial. Apenas achei curioso ir a um cinema com meu pai e meu irmão na rua Barão do Bom Retiro, 1085, no Engenho Novo.

Era curioso porque, morando em Vila Isabel, o mais prevísivel era que fôssemos para a Tijuca, para a Praça Saenz Pena, que era a Cinelândia da Zona Norte. Ou para o Méier, bairro também apinhado de cinemas de rua.


Eu também não sabia que em dois anos eu mesmo me mudaria da Vila Isabel para o bairro do Engenho Novo, para a rua Araújo Leitão, 513, para bem perto do cinema Santa Alice.


Quando eu visito a minha mãe na Araújo Leitão, eu passo pelo Santa Alice, com seus cobogós e borogodós. Só que, a exemplo do Cine Baronesa lá na Praça Seca, o Santa Alice virou igreja.


O senhor Google me informa que o Santa foi inaugurado em 1952. Em 1982 virou igreja, como muitos cinemas de bairro do Rio de Janeiro. Poxa, só trinta anos de funcionamento. Poxa, pelas contas, eu assisti a um dos últimos filmes do Santa Alice.


Não posso deixar de me lembrar do documentário com uma pitadinha de ficção “Retratos Fantasmas”(2023), de Kleber Mendonça Filho, para quem cheguei, pasmem, a escrever uma carta elogiando o filme. Eu disse a ele que o que ocorreu em Recife ocorreu também no Rio de Janeiro. E que eu testemunhei o progressivo fechamento das salas de cinema com pesar no coração.


Do filme “O monstro trapalhão” me lembro de uma corrida de carros e da poção que transformava Renato Aragão em monstro. Quer dizer, misturavam-se a paixão pela Fórmula one mais um pouco do roteiro de médico e o monstro, que aliás era mais ou menos o lance da série “Hulk” que a gente via na tevê.


Até hoje associo o caminhar solitário de David Banner à música de fundo no cineminha da minha cabeça. Assim levo água para a tese segundo a qual o cinema sabe conjugar muito bem imagem e som. A despedida do cientista errante era quase uma vinheta, quase um lance de Carlitos. Aliás, me vem à mente agora, nos filmes dos trapalhões Renato Aragão geralmente acabava sozinho, sem a mocinha. A estrada vazia: Chaplin, David Banner, Didi.


Não é assim o progresso, cheio de médicos e monstros, por vezes literalmente? Enfim, o Santa Alice, feito para durar, exibindo-se feito esfinge para quem quiser ver.”

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019),  Circo (de Bolso) Gilci e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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