Ainda sobre o filete portenho da trama golpista

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Eduardo Bolsonaro emigrou, por assim dizer. Foi viver às margens do “Golfo da América”. Ele não foi indiciado pela PF nem denunciado pela PGR por golpe de Estado, mas bem que deveria ter sido.

Compartilhado de Come Ananás

na foto: O ex-deputado Coronel Tadeu e o quase ex-deputado Eduardo Bolsonaro (Imagem: reprodução/ Instagram).

“Eu espero muito que venha uma ajuda de fora para que a gente possa melhorar esse clima político no Brasil”, disse na noite desta terça-feira, 18, o coronel reformado da PM de São Paulo Marcio Tadeu Anhaia de Lemos, vulgo Coronel Tadeu, comentando ao vivo em suas redes sociais a decisão de Eduardo Bolsonaro de se licenciar do cargo de deputado federal para se malocar em algum bunker às margens do “Golfo da América”.




Para quem não ligou o nome à pessoa que pede intervenção estrangeira na política brasileira, trata-se do ex-deputado federal do PL que em 2019, três anos antes do plano Punhal Verde e Amarelo, disse que não via a hora de Lula morrer; que naquele mesmo ano depredou uma exposição sobre o Dia da Consciência Negra dentro do Câmara dos Deputados; que em abril de 2022 mandou emoldurar o indulto da graça dado por Jair Bolsonaro a Daniel Silveira; que em maio de 2022, com as eleições se aproximando, disse exatamente assim a uma plateia de CACs na Assembleia Legislativa de São Paulo:

“Eu peço encarecidamente a todos vocês: se nós queremos liberdade, vamos lutar por essa liberdade. Antes que a gente passe para uma luta mais violenta, vamos lutar no campo político, que ainda [com ênfase na palavra “ainda”] é o nosso terreno, ainda é o campo mais limpo e mais sagrado para que a gente possa fazer valer a nossa vontade”.

Ainda em maio de 2022, Coronel Tadeu defendeu “alguma interferência um pouco mais contundente das Forças Armadas nesse processo eleitoral”, se o TSE não “corrigir falhas”.

Agora, não é a primeira vez que Coronel Tadeu conjura auxílio externo contra o seu próprio país; não é a primeira vez que faz isso em dobradinha com Eduardo Bolsonaro.

No dia 5 de novembro de 2022, ainda deputado, Tadeu surgiu numa transmissão ao vivo feita da casa do argentino Fernando Cerimedo, em Buenos Aires, para agradecer àquele “herói dos brasileiros”, ao “argentino que veio nos socorrer” pelo que ele tinha feito no dia anterior.

Para quem não ligou o nome ao testa-de-ferro de golpistas, o “consultor político” Fernando Cerimedo tinha protagonizado no dia anterior, 4 de novembro de 2022, a live “Brazil Was Stolen” (“O Brasil Foi Roubado”), ataque contra as urnas eletrônicas do Brasil desferido premeditadamente da Argentina para contornar as derrubadas de fake news eleitorais pelo TSE.

Fernando Cerimedo na live “Brazil Was Stolen”.

Na live “Brazil Was Stolen”, Cerimedo afirmou que tinha recebido um relatório do Brasil apontando que alguns modelos de urnas haviam registrado fraudulentamente mais votos para Lula do que para Jair Bolsonaro.

Na época, a live de Cerimedo repercutiu fortemente (e organizadamente, com impressão e distribuição massiva de cartazes como a frase “Brazil Was Stolen”) nos acampamentos golpistas que brotavam na frente dos quartéis do Brasil e foi um dos fatores, junto com a nota de apoio aos acampamentos divulgada dias depois pelas Forças Armadas, que deram fôlego ao golpismo para que ele chegasse atlético, possante ao dia 8 de janeiro de 2023.

Resende-RJ, 15 de novembro de 2022: “Patriotas” exibem cartazes “Brazil Was Stolen” no acampamento golpista montado na frente da Academia Militar das Agulhas Negras (Foto: Come Ananás).

No inquérito do golpe, a Polícia Federal mostrou que Fernando Cerimedo foi municiado por um militar da reserva do Exército e pelo PL de Bolsonaro e de Valdemar Costa Neto com dados para a live “Brazil Was Stolen”. O inquérito da PF mostrou ainda que militares da ativa do Exército se encarregaram de arranjar maneiras de repercutir a live nos grupos e redes bolsonaristas depois que o TSE mandou tirá-la do ar.

Cerimedo e Valdemar foram indiciados pela PF por tentativa de golpe de Estado, mas o procurador-geral da República, Paulo Gonet, preferiu não denunciar ao STF nem o argentino, nem o presidente do PL, cortando, no processo, o fio de uma faceta especialmente grave da conspiração golpista de 2022, além do planejamento de assassinato de Lula e Alexandre de Moraes.

Esta: o recrutamento de cidadãos estrangeiros para a conspiração por militares do Exército Brasileiro, pela direção do maior partido do Congresso Nacional e, ao que tudo indica, por um proeminente deputado federal, e não estamos falando do Coronel Tadeu.

É que Coronel Tadeu não foi o único deputado que esteve com Fernando Cerimedo em Buenos Aires naqueles dias de 2022. Apenas duas semanas antes da live “Brazil Was Stolen”, enquanto pegava fogo a campanha do segundo turno da eleição para presidente no Brasil, Eduardo Bolsonaro passou quatro dias zanzando com Cerimedo e dois membros da equipe do “consultor político” na capital argentina.

Contamos essa história, tintim por tintim, na matéria “As relações exteriores de Eduardo Bolsonaro no ápice da trama golpista”, publicada no dia 11 de março aqui no Come Ananás. Há indícios de que um dos funcionários de Cerimedo que ciceronearam Eduardo Bolsonaro em Buenos Aires estava nos bastidores da live “Brazil Was Stolen”, no momento da live. O outro recebeu pagamento da campanha de reeleição de Eduardo para a Câmara.

Meras coincidências

“Gente, pra deixar bem claro: eu conheci o Fernando hoje. Peguei o telefone dele hoje. E foi uma mera coincidência eu estar aqui em Buenos Aires”, disse Coronel Tadeu no dia 5 de novembro de 2022, enfiado na casa de Fernando Cerimedo – a quem Tadeu se referiu como “Fernando Sem Medo” – no dia seguinte à live “Brazil Was Stolen”.

Talvez seja também apenas mera coincidência que o filho mais endiabrado de Jair Bolsonaro, aquele dado a fazer “merdas” no exterior, tenha ido a Buenos Aires ter com o “Sem Medo” dias antes de o argentino estrelar a live com informações falsas sobre as urnas eletrônicas que inflamou os acampamentos golpistas no Brasil.

Deve ter sido isso mesmo, uma assombrosa obra do acaso, já que Eduardo Bolsonaro sequer foi indiciado no inquérito do golpe, muito menos denunciado por Paulo Gonet ao STF – muito menos o Coronel Tadeu. O nome de Eduardo aparece três vezes no relatório da PF, mas apenas de maneira lateral e sem relação com o fio internacional – filete portenho – da trama golpista.

Mesmo assim, Eduardo ensebou as canelas. Zarpou fora. Bateu em retirada para debaixo das asas de Donald Trump.

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