Cheguei no Jornal do Brasil em 1977 através do programa Universidade Empresa, como estagiário. Diziam que o prédio de 9 andares da Av. Brasil 500 foi desenhado para abrigar uma emissora de televisão, além do jornal e da rádio JB, já existentes. Seu ambiente interno era amplamente decorado com fotos icônicas do baita time de retratistas da casa, puro encantamento para um candidato à fotógrafo, como eu.
Por Rogério Reis, compartilhado do Portal da ABI
Meu esboço de portfólio, naquele momento, foi lido pelo então poderoso Walter Fontoura, diretor de redação, que após uma rápida e desatenta folheada, convocou o editor de fotografia Alberto Ferreira pelo ramal interno da redação. Alberto Ferreira Lima sabia tudo sobre a prática da fotojornalismo, era dono de uma velocidade imbatível para achar a melhor foto diante de uma mesa de luz repleta de filmes e interagia como ninguém com o insuperável projeto gráfico do JB desenvolvido pelo Amilcar de Castro.
Quando recebi a minha primeira Nikon F2 do jornal, Alberto retirou o prisma com fotômetro que vinha acoplado à câmera e na frente de boa parte da equipe, me disse de forma exemplar: “Garoto, aqui você vai entender a luz de memória!” Por pouco não desisti da profissão com medo de errar sem o apoio do fotômetro, mas fui salvo por alguém da equipe que me falou que os iniciantes sempre iam para as ruas acompanhados de um fotógrafo experiente.
Além de ser autor da “Bicicleta do Pelé”, disparada a melhor foto de todos os tempos do Rei do Futebol, Alberto cobriu parte do exílio do Presidente João Goulart e acompanhou a Condessa Pereira Carneiro na inauguração de Brasília, onde produziu um excepcional ensaio da nova capital. Gostava também de cobrir Olimpíadas como a de Moscou (1980) onde, com a sua lente Novoflex, flagrou a surpreendente queda da ginasta Nadia Comăneci nas barras assimétricas. A sua emblemática foto do Pelé foi conquistada em 2 de junho de 1965 no jogo noturno em que o Brasil goleou a Bélgica por 5 x 0 no Maracanã.
Ainda jovem, Alberto, filho de dona Rita, e recém chegado de João Pessoa, tentou ser goleiro no Flamengo mas não fez história na Gávea. Já como baloeiro, liderava uma bem sucedida equipe de construtores de balões, atividade considerada ilegal e portanto repremida por conta da possibilidade de causar incêndios na cidade. Talvez esse seja o motivo pelo qual parte dos seus balões fossem guardados no ambiente seguro do estúdio fotográfico do Jornal do Brasil, deslocando algumas produções de fotos dali para outros ambientes no período junino.
Seu Ferreira era morador do bairro de Laranjeiras, exímio cozinheiro e assíduo frequentador de uma casa de umbanda no bairro do Méier. Quando as nossas precárias transmissões analógicas via telefoto não completavam, Alberto acendia um par velas para buscar conexão com os orixás da imagem. Às vezes resolvia!
Não era bom motorista, mas arriscava flanar pela cidade com seu Opala. Pelas manhãs, Sérgio, motorista do jornal, era seu instrutor em aulas com baliza na Quinta da Boa Vista e assumia o comando do carro nos momentos críticos.
Nosso editor era também sistemático e supersticioso: só se vestia com roupas da filial da loja Scotsman na Av. Rio Branco e insistia junto à equipe que o sapato ideal para a prática fotográfica era o antigo Vulcabrás, antiderrapante e pau para toda obra.
Mesmo aposentado, ele visitava com frequência Lagoa Grande, sua cidade natal na Paraíba. Assim, por vezes fui contemplado com envios de queijo coalho por Sedex e ainda carrego comigo o cheiro dos queijos nas caixas de papelão engorduradas que chegavam pelos carteiros.
Nosso chefe, além de sua genialidade como fotógrafo, se manteve ao longo de 25 anos original e autêntico como gestor de uma equipe de cerca de 45 fotógrafos, incluindo as sucursais. Comungou com os jornalistas de sua geração pela autonomia de horários diante dos apertados prazos da gráfica e da logística de distribuição do diário. Essa turma acreditava que o prejuízo financeiro do “Parem as máquinas!” era justificado pela incessante busca da qualidade. Não economizava nos filmes e nos orientava a ousar na criação das pautas com fotos inéditas e um olhar desviante, menos previsível.
Nosso inesquecível Fla x Flu foi aquele onde fomos orientados pelo Alberto a focar nas ações performáticas do novo árbitro Armando Marques com suas inéditas expressões corporais durante os jogos. No dia seguinte o jornal não publicou fotos de gol e sim uma impecável sequência de fotos, estranhas no ambiente esportivo de então. A dobradinha Alberto Ferreira e Oldemário Touguinhó, então editor de esporte, bancou uma sequência magistral de fotos do Ari Gomes na capa do suplemento de esportes. Coincidência ou não, o nosso experiente Ari também era fotógrafo oficial do Teatro Municipal para os espetáculos de ballet.
Para terminar, vale lembrar que Seu Ferreira não suportava o sacrifício de ver imagens banais e previsíveis produzidas pelo seu time de fotógrafos. Por isso criou o termo NF, que significava “nada feito”, pauta jornalística que não rendia boas imagens.
Alberto não teve ouvidos para a chegada dos novos auditores e especialistas em gestão de empresas que no final dos anos 80 chegaram às redações dos jornais para aplicar novos conceitos de reengenharia e compliance.
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