Álbum de Dexter sobre prisões faz dez anos. E pouca coisa mudou

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Publicadso em Ponte –

Lançado em 2005, “Exilado Sim, Preso, não” foi o primeiro álbum de rap que expôs as entranhas do sistema prisional

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(*) Juca Guimarães, especial para a Ponte




Em 2005, há dez anos, o rapper Dexter lançou o álbum Exilado Sim, Preso Não. Um clássico incontestável do hip-hop nacional e que conquistou diversos prêmios. Na época, o rapper tinha terminado a dupla 509-E, com o Afro-X, e havia muito expectativa sobre o seu primeiro álbum solo. O nome 509-E é uma referência ao número da cela no Carandiru, onde cumpriam pena os dois rappers.

O álbum Exilado Sim, Preso Não foi composto dentro da cadeia e as letras retratam, sem aliviar na tinta, o cotidiano do sistema prisional. De fato, foi o primeiro álbum de rap que expôs as entranhas da prisão, onde “se sorri sem alegria, para esconder a tristeza porque nem todo preso é um confidente verdadeiro”, como ele canta na faixa “Fênix”.

Com participações de Tina, GOG, Mano Brown, MV Bill e Paula Lima, entre outros, o álbum aborda todos os temas que fazem do sistema prisional um inferno que oferece pouquíssimas chances de recuperação ou ressocialização. Drogas, vingança, solidão, ócio, sonhos, violência, religião e ódio permeiam as rimas do disco.

Desde 2005, quando as 12 faixas do álbum foram gravadas, até os dias atuais, pouca coisa mudou para os encarcerados.

Segundo os dados do InfoPen (Sistema Integrado de Informações Penitenciárias) do Ministério da Justiça, quando estava preso na Penitenciária 2 em São Vicente, em 2005, Dexter era um dos 137.415 presos no Estado de São Paulo. O total de vagas era 89.137, ou seja, um déficit de 48.278 vagas nos presídios. A taxa de ocupação (que demonstra, em percentual, a superlotação das celas) era de 154,1%. Em junho de 2014, dados mais recentes do Ministério da Justiça, apontam que o Estado de São Paulo tem 219.053 presos para 130.449 vagas. O déficit atualizado é de 88.604 vagas. A taxa de ocupação chegou a 167,9%.

Em dez anos, no Estado de São Paulo, o número de presos cresceu 59,4%, o total de vagas aumentou 46,3% e o déficit 83,5%. No Brasil, os números não são muito melhores e confirmam o problema crônico. De dezembro de 2005 para junho de 2014, o total de presos aumentou 68,1% (de 361.402 para 607.731). As vagas no sistema prisional aumentaram 82,3% (de 206.559 para 376.669). O déficit, diferença entre o número de presos e a quantidade vagas, que estava em 154.843 subiu para 231.062. A taxa de ocupação nacional diminuiu. Em 2005, era 174,9% e atualmente está em 161,3%.

Em liberdade definitiva desde o ano passado, o rapper Dexter está terminando o álbum Flor de Lótus, que deve ser lançado até o final deste ano. Confira a entrevista exclusiva de Dexter sobre o disco que completa 10 anos.

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Ponte – Que idade você tinha quando gravou o álbum “Exilado Sim, Preso Não”?

Dexter – Eu tinha 31 anos na época.

Quanto tempo demorou para o disco ficar pronto?

Dexter – Dentro do exílio, tive um mês e uma semana para poder gravar para o disco. Na verdade, a primeira autorização foi de um mês, só que depois a gente não conseguiu terminar todas as vozes. Portanto, a diretora do presidio nos concedeu mais uma semana. O disco depois saiu de lá e foi para o Estúdio YB, para mixagem e masterização. Com todos estes processos, o disco demorou no total dois meses para ficar pronto.

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Naquela época, onde você estava e qual era a sua rotina para composição e gravação das músicas?

Dexter – Naquela época eu me encontrava na Penitenciaria 2 em São Vicente, mas já tinha começado algumas composições em Bernardes. Então, só estava em finalização e reavaliação de algumas palavras, de algumas levadas, enfim, tinha construído algumas bases para poder colocar voz, enfim. Para a gravação das músicas, conseguimos construir um estúdio numa sala onde tinha uma rádio que funcionava dentro do presidio e aí eu tive o prazer de com outros 2 amigos, o Dico e o Função, meio que construir um mini estúdio lá e desenvolver o restante.

Como surgiram as participações especiais do álbum? Como era o processo de gravação deles?

Dexter – É meio que automático quando você está escrevendo a música, já imagina que aquela música pode ter uma participação e que pode ser de tal cara. Por exemplo, a “Salve se quem puder” é uma música bem política que retrata de uma forma política esse retrato brasileiro e aí tem a ver com GOG, por exemplo, tem mais a ver com o GOG, você já imagina aquela pessoa na música. E o processo de gravação deles foi o mesmo que o meu, eles foram lá no estúdio, eu os convidei para conhecerem o local que a gente montou lá dentro, o processo como e que estava sendo, e todos eles colocaram a voz lá dentro com exceção do Brau (Mano Brown), que no dia ele ainda não estava com a letra pronta e ele colocou a voz lá no Estúdio YB quando fomos remasterizar e mixar o disco. Mas todos os outros, a Tina, o GOG, todos os outros participantes, o MV Bill, colocaram a voz lá dentro do presidio também, no estúdio que a gente tinha levado para lá.

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As canções do disco abordam temas fortes e narram situações bem pessoais. Na prisão, o processo de composição é diferente, mais introspectivo?

Dexter – O Exilado sim, preso não é um disco onde eu estava saindo de um grupo, ou melhor, onde eu tinha posto final em um grupo, que já tinha um nome, conceituado. Então a partir dali, de tudo que aconteceu comigo e que me fez tomar a decisão de colocar um ponto final no grupo, eu tinha que continuar com a essência do 509E dentro do meu disco e aí eu costumo dizer o seguinte: que a criatura nunca vai ser maior do que o criador. Claro que me bateu um certo receio, uma carreira solo. Querendo ou não te bate sempre um certo receio, “será que vai dar, será que não vai dar”, e o meu amigo, o Dário da Porte Ilegal, que distribuiu o disco para mim na época, foi um cara decisivo para que eu desse continuidade nesse disco. Ele disse “Dexter, a essência do 509E está dentro de você, então, por favor, segue em frente que estamos aqui para te apoiar, vai ser um puta disco, fica tranquilo”.

E realmente as composições deste disco abordam sem dúvida nenhuma diversos temas fortes, realmente, porque eram situações que eu estava vivendo na época. O processo de composição é muito mais introspectivo, mas todas as minhas músicas têm um conteúdo de introspecção muito grande porque eu preciso muito analisar o que eu estava fazendo. Agora na prisão, é claro, você tem um tempo a mais para pensar. Você tem o seu tempo de muito mais tempo para pensar. É muito louco isso, mas é fato, é verdade, então com certeza tem sim uma introspecção maior nesse disco.

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O disco parece um livro que narra uma extraordinária experiência de vida. Na época, isso não era comum no rap. O seu objetivo era fazer um manifesto ou algo assim?

Dexter – O manifesto está sempre presente nos meus discos, de uma forma ou de outra. Claro que é importante quando você consegue fazer do seu disco uma história contínua da primeira à última música. As pessoas se vêm assim dentro do cenário. É muito louco quando você consegue colocar as pessoas dentro do cenário de uma música e nesse disco muitas pessoas disseram exatamente isso, que ele parece um livro, porque narra uma história em cada música. Eu comparo mais ou menos quando eu li uma entrevista do Rakim onde ele disse que quando ouvia as músicas dos artistas que gostava, se sentia dentro do jogo, por exemplo, se a música falasse de um parque ele conseguia sentir o cheiro das folhas. Quando eu ouço isso de um fã, que ele está dentro da história, que fala “mano, é um filme, tens que fazer um clipe”. É exatamente assim que eu me sinto e aí entendo que estou no caminho certo e que tenho que continuar fazendo músicas assim, primeiro com muito amor, com muito carinho, com muita responsabilidade, enfim, primeiro com muito amor, depois com todos esses outros detalhes, morou?

Qual a mensagem do disco? Dez anos depois, ela ainda está valendo?

Dexter – Sim. O título diz tudo, “exilado sim, preso não”. É para que as pessoas se mantenham na atividade mesmo que alguma coisa as aprisione. Nesse caso, estava falando de mim e do exílio. Gandhi falou que há pessoas no mundo que estão mais presas do que quem está de fato na prisão, e a mensagem do disco era essa, para que a gente pudesse se manter liberto. E 10 anos depois ainda tá valendo.

Aprendi com os professores do rap que devemos fazer músicas para atravessar gerações. Por exemplo, a música Salve -se quem puder e tantas outras músicas do disco são muito atuais, e espero que daqui a um tempo ela não valha mais, que a Salve-se quem puder seja realmente um passado, mas eu tenho consciência de que ainda vai demorar um pouco para que isso aconteça.

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Se fosse hoje, o que você mudaria no disco?

Dexter – Não sei exatamente o que mudaria no disco hoje. É um disco que ainda está atual. Talvez questões de batidas e timbres, não exatamente letras, e talvez em letras algumas palavras, mas assim pouca coisa. A história, o enredo continuaria a ser o mesmo com certeza. Se fosse mudar, mudaria muito pouca coisa.

O disco foi o seu primeiro trabalho solo depois do 509-E, que foi um projeto muito bem sucedido. Você tinha como meta fazer um trabalho melhor e mais pessoal que marcasse suas próprias escolhas?

Dexter – O 509-E foi realmente um projeto muito bem sucedido. Agora, quando não se tem mais a vontade, o desejo, o carinho de trabalhar com uma outra pessoa porque ela não faz mais parte do seu mundo, você tendo dentro da sua ideologia, da sua filosofia, força de vontade e crédito por tudo que você acredita, você vai embora, não olha para trás, essas coisas são apenas obstáculos, pedras que aparecem no meio do caminho, mas com a nossa força interior conseguimos ultrapassar isso.

Então, não é que eu tinha um objetivo de fazer um trabalho melhor, eu continuei a desenvolver o meu trabalho, ponto, sou o mesmo do 509e. E a mesma essência, carrega a mesma timbragem, a mesma alma, o mesmo amor, o meu carinho. E o meu trabalho e o 509-E era o meu trabalho.

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Qual foi a primeira música que você fez para o disco?

Dexter – A primeira música para esse disco foi uma musica chamada Fênix, uma musica q retratava muito bem a situação do momento, né, fênix, ok? O disco começou com fênix.

Qual foi mais difícil de gravar e por quê?

Dexter – Eu acho que, de uma certa forma, tem uma música chamada Seja mais você, do disco, que ela foi difícil, pois retrata a história de vários amigos que estavam junto comigo no momento, e passa pelo falecimento de um outro amigo que também estava lá. Então, essa música quando eu fui gravar o sentimento era muito mais refinado, mais à flor da pele, sabe? Mais do que já costuma ser. Todas as minhas músicas têm um caráter forte, pelo menos é o que eu procuro fazer, deixar bem explícita a minha marca. E essa música, pelo fato de eu ter perdido um grande amigo naqueles dias, eu precisava gravar. Eu falava dele, eu mudei a letra de última hora, enfim, é uma música chamada Seja mais você. Essa foi uma musica difícil de gravar.

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Qual a sua música preferida do álbum?

Dexter – Ah… a Sou função. Ela é uma música muito especial, porque traz um cara que tenho como meu professor, como meu guru, e assim, há anos que eu já queria ter gravado e nunca dava certo e desta vez deu certo. Por isso ela é uma música muito especial. É difícil a gente falar qual é o filho mais bonito, todos os filhos que a gente faz a gente acha bonito, mas a Sou função tem um quê a mais ali. Por causa da participação do Brau, e também do função que estava dentro do exílio comigo também, e que é assim um cara que eu gosto, amo muito e que é um sobrevivente também.

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