Álbum duplo recuperado por pesquisador e show de Mônica Salmaso destacam obra de Wilson Batista

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Por Luiz Fernando Vianna, da página Desafinado, Facebook

Chegou às mãos de Paulinho da Viola, na virada dos anos 1960 para os 1970, uma fita na qual estava escrito “para Thelma”. Era, possivelmente, uma cópia da fita que o compositor Wilson Batista gravara, talvez em 1967, para a cantora Thelma Soares. Ela, que realizara um LP interpretando Nelson Cavaquinho, pretendia fazer o mesmo com Wilson e Cartola.




Paulinho constatou que era um tesouro: o próprio autor registrara, acompanhado do violão de Manuel da Conceição, o Mão de Vaca, músicas suas, entre sucessos, desconhecidas e inéditas. Do conjunto, quatro apareceriam em discos feitos por Paulinho nos anos seguintes: “Chico Brito”, “Mulato calado”, “Nega Luzia” e “Meu mundo é hoje”. Esta, dos versos “Eu sou assim/ Quem quiser gostar de mim eu sou assim”, ficou tão marcada na voz de Paulinho que muita gente pensa que é sua.

— Ela só tinha sido gravada pelo Jorge Veiga num compacto de uma pequena gravadora, a Mocambo. Se Paulinho não tivesse ouvido na fita, ninguém a conheceria — destaca o pesquisador, músico e cantor Rodrigo Alzuguir.

O pesquisador lançou há dez anos, no centenário do compositor, a biografia “Wilson Baptista: o samba foi sua glória” — ele prefere a grafia “Baptista”, como está na certidão de nascimento e como assinava o artista, embora o nome profissional fosse sem o “p”. Agora ele está por trás do álbum duplo (em CD e streaming) “Wilson Baptista: eu sou assim”, do Selo Sesc. São 30 faixas, sendo que em 13 pode-se ouvir a voz do compositor. Alzuguir teve acesso a algumas cópias da fita preciosa. Nando Duarte recuperou o material, que ganhou arranjos atuais.

O disco permite que se jogue nova luz sobre um dos autores mais populares da música brasileira entre as décadas de 1930 e 1950 e que morreu praticamente esquecido, aos 55 anos, em 1968.

— Com o disco da Thelma, que acabou não sendo feito, ele esperava uma retomada da carreira — conta Alzuguir. — Muitas pessoas tentaram animá-lo naquele período, mas ele estava amargurado, injustiçado. Um cara como ele morando numa quitinete na Rua Senador Dantas, no Centro, trabalhando como fiscal de execução de músicas nas rádios, é um retrato do que o Brasil faz com os seus heróis.

Num especial de TV da década de 1970, Paulinho chegou a eleger Wilson o maior sambista de todos os tempos. Na fita, Wilson se deu ao luxo de não cantar alguns de seus maiores êxitos, como “Bonde São Januário”, “Oh! seu Oscar” e “Mundo de zinco”. Registrou sambas menos conhecidos como “Flor da Lapa” e “Bastião”, além de sete inéditos.

— Quem conhece samba sabe que ali está um cara importante — afirma Alzuguir. — Mas ele é subestimado. Houve o apagamento de um homem preto, que não se encaixava nos estereótipos que a classe média fazia, que remava contra a maré dos clichês. Não era vinculado a escolas de samba, não bebia, não tinha ligação com religiões, seja candomblé, seja católica.

Nascido em Campos, no Norte Fluminense, numa família pobre, Wilson veio tentar a sorte como artista na capital. Seu primeiro grande sucesso aconteceu em 1933, “Lenço no pescoço”, na voz de Sílvio Caldas. O samba deu origem à posteriormente célebre polêmica com Noel Rosa — que não ficou pública na época.

— Quando a figura do Noel é recuperada nos anos 1950, com o programa de rádio do Almirante (“No tempo de Noel Rosa”) e os álbuns da Aracy de Almeida, a polêmica é recontada de uma forma que dignifica o Noel, como se ele tivesse sido contra a malandragem. Wilson fica com a pecha de vilão — observa Alzuguir. — Mas todos sabiam que a briga foi por causa de uma mulher de um cabaré da Lapa. Wilson levou a melhor, e Noel fez um samba, “Rapaz folgado”, para responder a “Lenço no pescoço”.

Redescoberta

Em 2000, Cristina Buarque gravou um CD apenas com músicas de Wilson: “Ganha-se pouco, mas é divertido”. Muitas pessoas atentaram ali para o compositor. Uma delas foi Mônica Salmaso. Mais tarde, apaixonou-se pelo livro de Alzuguir e decidiu criar um show com o repertório de Wilson. Ele voltará a ser apresentado desta sexta-feira a domingo, no Tuca, em São Paulo*

— Não é só o absurdo de ser um compositor que tem quase 600 canções. É um brasileiro de uma origem muito simples, com uma formação totalmente intuitiva, uma enorme inteligência musical, e que foi capaz de construir uma obra incrível. Esse é o tamanho do Wilson Batista — exalta Mônica.

No álbum duplo, ela interpreta a inédita “Calúnia”. Entre os vários cantores do projeto, estão Ney Matogrosso (“Louco (Ela é o seu mundo)”), João Bosco (“O pedreiro Waldemar”), Dori Caymmi (“Meus vinte anos”), Áurea Martins (“Sou um barco”), Larissa Luz (“Lealdade”), Nei Lopes e Joyce Moreno num duo (“Copacabana à noite”/ “Gosto mais do Salgueiro”) e Beatriz Rabello (“Passou”), filha de Paulinho da Viola.

*Este texto só foi reproduzido depois do show, que aconteceu no Tuca/SP, 11, 12 e 13 de agosto.

Obs 1: Cristina Buarque também participica do álbum duplo citado no final do texto com “Ele me passou pra trás”, cujo original é de Aracy de Almeida.

Obs 2: “O Pedreiro Waldemar” é de Wilson Batista com Roberto Martins

Acesse e ouça aqui o álbum duplo “Wilson Baptista: eu sou assim”

https://sesc.digital/album/eu-sou-assim

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