Compartilhado de Viomundo –
Por Conceição Lemes
Em 8 de abril, a Fórum publicou a reportagem, de Ivan Longo, “PT denuncia médico bolsonarista que disse “petista em plantão, eu mato”’
O médico em questão é Bernardo Pinto de Oliveira Souza.
Os denunciantes, membros do diretório municipal do PT de Muriaé (MG).
Em mensagens um grupo de whatsapp, ele diz:
“Dotorzinho de cu eh rola. C Caça Caça um jeito de arrumar um plano de saúde pq petista eu mato em plantão, viu”
“Qd c tiver morrendo lá, quero que vc grita luladrao e eu enfio o dedo no seu cu pra vê a lágrima escorrendo nos Zoi”.
“Petista trata-se assim”.
A Fórum publicou print dessas mensagens, assim como o de fotos postadas pelo médico em redes sociais, ostentando frases como “o Lula tá preso, babaca”, “PT não” e “Bolsonaro 17” (veja abaixo).
Logo após a publicização das mensagens, Bernardo Oliveira apagou os seus perfis nas redes sociais, revelou o blog Pragmatismo Político.
Ao repórter Ivan Longo, da Fórum, o médico confirmou ser o autor das mensagens, mas alegou terem sido feitas em um contexto de “brincadeira”:
“Foi uma brincadeira entre amigos num grupo de WhatsApp. Com quem eu brinquei, tenho muita intimidade para isso. Mas, como tudo é possível na internet, tiraram a minha fala do contexto e fizeram isso comigo. Uma irresponsabilidade”.
“Moro numa cidade pequena de interior e isso está causando uma exposição muito grande. Inclusive eu não trabalho fazendo plantão, o que prova mais uma vez que não tem fundamento ser sério o que está escrito. Eu friso que foi uma brincadeira entre amigos com muita intimidade, sem nenhuma conotação política ou profissional”.
MÉDICO PROCESSA SITES, TWITTER E FACEBOOK
Quatro dias depois, em 12 de abril, o médico entrou com processo na 4ª Vara Cível da Comarca de Muriaé (MG) contra Diário do Centro do Mundo, Fórum, 247, Pragmatismo Político, Jornal da Chapada, Facebook e Twitter.
Número do processo: 5001791-88.2021.8.13.0439.
Na ação (na íntegra, ao final), os advogados de Bernardo Oliveira dizem:
— determinado integrante (não sabe quem é) do “Grupo dos Amigos” no whatsapp fez print de mensagens postadas no aplicativo e divulgou o conteúdo, “descontextualizando-o”
— Os cinco sites passaram a divulgá-lo, “sem que fosse adotado qualquer espécie de medida a prevenir a imagem e a intimidade do requerente, haja vista que sua imagem, nome completo e número de terminal telefônico foram expostos aos leitores, além de se notar, em todas elas, o tom politizado e excessivo de noticiar o conteúdo”.
–Integrantes do grupo manifestaram “apoio ao requerente, através de vídeos divulgados em redes sociais”, “inclusive, partidários de esquerda, tendo esclarecido o contexto das mensagens, aduzindo a retirada de contexto”.
–“o requerente e seus familiares passaram a ser alvo de perseguições e ameaças por parte de diversas pessoas”, “o que vem lhes causando inúmeros transtornos e grande sofrimento”.
Na ação, o médico, em caráter de tutela de urgência, pede a remoção em definitivo das postagens nos sites, no Twitter e no Facebook.
“NÃO EXISTE BRINCADEIRA NUM ASSUNTO TÃO SÉRIO”
Em dois vídeos de apoio “ao doutor”, feitos por integrantes do “Grupo dos Amigos” e juntados ao processo, os autores reiteram a “brincadeira” alegada pelo médico Bernardo Oliveira.
Argumento, curiosamente, não mencionado na petição inicial dos advogados.
“Em se tratando de um médico, é gravíssimo o que ele escreveu”, afirma o infectologista Dirceu Greco, professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB).
“Não existe brincadeira num assunto tão sério”, adverte.
“Esse médico agiu completamente contra o seu papel profissional, em desacordo com dispositivos do capítulo I do Código de Ética”, observa.
O capítulo I trata dos princípios fundamentais do Código de Ética Médica.
Atente aos itens referidos por dr. Dirceu Greco:
I – A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.
II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
VI- O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
“Isto posto, a postura desse médico é intolerável!”, frisa Dirceu Greco.
CRM-MG ABRE SINDICÂNCIA PARA APURAR O CASO
O Conselho de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG) já abriu sindicância para apurar o caso, informou-nos por e-mail o seu Departamento de Comunicação e Assessoria de Imprensa.
Foi em resposta a estes questionamentos do Viomundo:
1) Já tem conhecimento do caso?
2) Foi através da mídia ou de alguma denúncia formalizada neste órgão?
3) Em que medida a fala do médico fere o Código de Ética Médica?
4) Que medida o CRM/MG pretende tomar?
Segue a íntegra do posicionamento:
O Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais (CRM-MG) tomou conhecimento da situação em questão por meio das redes sociais e instaurou sindicância para apuração do caso, em consonância com o Código de Processo Ético Profissional (CPEP).
Ainda de acordo com o CPEP a investigação ocorre em sigilo, tendo o médico amplo direito de defesa e ao contraditório.
“CONFISSÃO DO MÉDICO BOLSONARISTA DEVE SER LEVADA A SÉRIO”
Assim como o dr. Dirceu Greco, a advogada Tânia Mandarino, do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (CAAD), rejeita o pretexto de que foi “uma brincadeira entre amigos com muita intimidade, sem nenhuma conotação política ou profissional”.
“A confissão do médico bolsonarista deve ser levada a sério e investigada tanto na esfera criminal quanto na administrativa, junto ao seu órgão de classe”, defende Mandarino.
Para a advogada, ódio não é piada, seja num grupo de deboche no WhatsApp, seja na vida real.
“O que ele escreveu denota que, além de se sentir o próprio deus que pode dispor da vida das pessoas ao seu bel prazer, tem apreço pela tortura, também. Talvez o médico tenha se inspirado em seu mito, que tanto defende a tortura quanto já sugeriu metralhar petistas, certa ocasião, no Acre”, aponta.
DIRETOR DE SAÚDE COLETIVA DA UFMG: “FIQUEI CHOCADO”
Bernardo Oliveira tem 34 anos de idade.
Está inscrito nos conselhos regionais de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) e de Minas Gerais (CRM-MG)
O seu primeiro registro foi no Cremerj, em 6 de dezembro de 2013, quando recebeu o CRM 98.650.
O segundo, no CRM-MG, em 25 de fevereiro de 2014. Seu CRM: 62.368.
Em ambos, não autoriza a divulgação de dados.
Bernardo fez curso de especialização em Gestão do Cuidado em Saúde da Família promovido pelo Núcleo de Educação em Saúde Coletiva (Nescon) da Faculdade de Medicina da UFMG.
Em 20 de agosto de 2019, ele apresentou o Trabalho de Conclusão do Curso (TCC): Pacientes de alto risco cardiovascular e busca ativa; um desafio para a Educação em Saúde.
A Profa. Dra. Nayara Ragi Baldoni Couto, da Universidade de Itaúna (UIT), foi sua orientadora.
“O curso de especialização feito pelo médico no Nescon faz parte do Programa Mais Médicos e é oferecido pela UFMG, admitindo orientadores externos, desde que devidamente qualificados”, esclarece o diretor do núcleo, o professor Francisco Campos, titular da Faculdade de Medicina da UFMG.
O curso faz parte do esforço de acelerar a produção de especialistas em atenção primária, coerente com a estratégia de saúde da família, preconizada desde os anos 90 no Brasil.
“Desde que vi a alegada declaração do médico fiquei chocado”, confessa o professor.
“Se comprovada, a afirmação é teratológica e deve ser investigada pelo Conselho Regional de Medicina, para rígidas providências”, opina como ser humano, médico e professor de medicina há quase meio século.
Especialista em Ciência &Tecnologia da Fiocruz, Campos foi consultor permanente da Organização Pan Americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS)
A sua primeira experiência na educação médica foi a implantação do internato rural da Faculdade de Medicina da UFMG, cujo propósito era aliar a técnica ao respeito aos pacientes.
Ou seja, visava considerar atentamente indivíduos e comunidades através da escuta cuidadosa, do conhecimento da realidade local e do respeito ao saber popular.
“A formação ética vem do meio, da família, da escola e da sociedade em que se vive”, considera o professor.
Segundo ele, é inusual alguém com o pensamento bizarro de Bernardo — que fere de morte o princípio médico basilar do primum non noccere [antes de tudo, não cause dano ao paciente]– eleja a saúde da família como sua especialidade e admita seviciar pacientes.
“Se um urologista ou um clínico fazem um respeitoso toque retal num paciente, o objetivo certamente detectar o crescimento da glândula prostática”, explica.
“Fazer o que foi publicado pelo médico no intuito de causar sofrimento seria tortura”, alerta.
“Impingir de propósito sofrimento a pacientes é algo completamente impensável, em especial na atenção primária, que deve ser a mais cuidadosa e respeitosa das especialidades”, arremata o professor Francisco Campos.
PIMENTA: “NUNCA NINGUÉM ME PROCUROU”
Como disse um pouco antes, dois vídeos de apoio ao médico Bernardo Oliveira foram anexados ao processo.
Segundo a ação, ambos de pessoas de Muriaé que integram do “Grupo de Amigos” do WhatsApp.
É a única qualificação que consta de ambos.
Assista primeiro ao de Noé, segundo a ação, Noel, segundo o grupo de WhatsApp.
Ele diz ser Lula 13 e que
“pediu ao Paulo Pimenta para dar uma intervenção para nós aí, através do messenger, eu pedi para os amigos entrarem em contato, que chegou aí no Jair de Abreu também. Peço aí para o que vocês puderem fazer para ajudar o doutor Bernardo, pois o único prejudicado está sendo ele, coitado… (sic)
Suponho que estivesse se referindo ao ator José de Abreu.
Paulo Pimenta é o deputado federal do PT pelo Rio Grande do Sul.
Perguntei a ele se Noé, de Muriaé, o havia contatado.
“Não, ninguém!”, responde.
Para que não houvesse qualquer dúvida, mandei-lhe o vídeo.
Após assisti-lo, Pimenta reafirma: “Ninguém nunca me procurou! Desconheço totalmente. Não faço ideia quem seja a pessoa”.
O autor do segundo vídeo de apoio ao médico Bernardo Oliveira é Bil Soares, segundo o processo, e Bill Soares, conforme o grupo de Whatsapp.
Fantasiado de vermelho para causar entre o pessoal de esquerda, particularmente entre os petistas, Bill Soares diz ser assessor parlamentar, mas não de quem.
Pesquisando, descobrimos.
Num perfil antigo do Linkedin, aparecia como “assessor do PMDB/MG “
Mas há um bom tempo ele é assessor parlamentar do deputado estadual Carlos Henrique (Republicanos/MG).
ADVOGADO: ”BRINCADEIRA” NÃO PODE SERVIR DE ÁLIBI
“Trata-se de uma mensagem infeliz e criminosa, inaceitável sob qualquer ótica”, afirma o advogado Geovane Lacerda, membro da direção do PT em Muriaé.
Ele é advogado dos diretórios do PT na região e assessor parlamentar do líder da oposição na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, deputado André Quintão (PT).
Na opinião de Geovane Lacerda, o médico dizer que foi uma “brincadeira’’ não o exime da gravidade do que falou, pois não se brinca com a vida das pessoas.
“Porém, conhecendo-o, sei que a frase dele não constitui uma ameaça de fato”, diz
“O doutor Bernardo sempre teve posicionamentos políticos opostos aos meus, e sempre soube dialogar respeitosamente”, acrescenta.
Segundo o advogado, o episódio de Muriaé mostra como o bolsonarismo tem influenciado negativamente o dia a dia e as relações pessoais.
Para ele, Bernardo Oliveira é, ao mesmo tempo, culpado e vítima do ódio disseminado pelo presidente Jair Bolsonaro.
“Agora, doutor Bernardo tem, sim, que responder judicialmente pelo que escreveu. A brincadeira não pode servir de álibi”, sustenta o advogado.
5001791-88.2021.8.13.0439 by Conceição Lemes on Scribd