Por Luiz Antonio do Nascimento, compartilhado de Ultrajano –
A marca macabra de 3 mil mortes por dia mostra que a situação está completamente fora de controle. E choca ver o presidente, acompanhado de seu novo ministro da Saúde, visitar Chapecó para enaltecer o fato de a cidade ter “zerado” as internações pela Covid e reduzido “drasticamente” os casos diários devido ao uso do “tratamento precoce”. Mentira deslavada que o doutor Queiroga teve que engolir, num silêncio vergonhoso, em praça pública
Enfim – e pelo menos –, alguém decidiu mandar amarrar o guizo no pescoço do gato. Tal responsabilidade caberá aos nobres senadores da República. A atribuição partiu do ministro Luís Roberto Barroso, que, em resposta a ação apresentada ao STF, apenas cumpriu a Constituição determinando a abertura de uma CPI para apurar os desmandos do governo federal na condução do combate à pandemia. Bolsonaro vai ter muito o que explicar – ou então jogará Pazuello aos leões. Por que não respondeu às ofertas de vacina ano passado? Por que fez tanta propaganda de remédios inócuos e perigosos? Por que deixou faltar medicamentos e oxigênio nos hospitais? Por que não seguiu as recomendações da ciência? O pedido de CPI tinha sido engavetado pelo empertigado presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, apesar de atender a todos os requisitos exigidos por lei.
Resultado: Bolsonaro esticou a corda mais uma vez. Pode se enforcar. Ou ser enforcado. Ele, que já pintou e bordou contra a democracia, passou as últimas semanas alardeando à exaustão uma definição que encontrou no futebolês para explicar que tudo o que faz, fala ou age no governo acontece sempre dentro das quatro linhas da Constituição. Não é bem assim. Ao tomar mais um drible do STF, cruzou – e perdeu – a linha. Desancou Barroso, com a habitual falta de educação. Falou em “politicalha” e ausência “de coragem moral” do ministro, disse que a investigação será criada para “persegui-lo” e “tumultuar” e que o STF não tem que ficar “se metendo em tudo”.
Dois dias depois, foi mais explícito e desafiador. Ligou para um dos senadores que recorreram ao STF, Jorge Kajuru. E pressionou-o. Disse que, como está, a CPI irá “para cima” dele para fazer um “relatório sacana”. E ordenou: “Por enquanto é um limão que tá aí. Dá para ser uma limonada”. Como? Bolsonaro explicou o que queria ao senador: que as investigações sejam estendidas a governadores e prefeitos e Kajuru pressionasse os colegas para a abertura de um processo de impeachment contra ministros do Supremo. O senador concordou. Não nos esqueçamos que do alto de sua prepotência,Bolsonaro já afirmou que ele é a Constituição.
As articulações atravessaram o fim de semana, com a tropa de choque em ação para convencer senadores a retirarem suas assinaturas do pedido de CPI encaminhado à presidência do Senado – 32 endossaram a petição, cinco a mais que o número exigido – e assim inviabilizar a instalação da comissão. Vamos ver até onde vai a dignidade do nosso Senado. Ou começa a apurar esta semana as ações e omissões do governo nessa tragédia que já levou a vida de 350 mil brasileiros ou se omite de vez, conivente com os desmandos de um presidente ignorante, irresponsável e criminoso.
A marca macabra de 3 mil mortes por dia mostra que a situação está completamente fora de controle. E choca ver o presidente, acompanhado de seu novo ministro da Saúde, visitar Chapecó para enaltecer o fato de a cidade ter “zerado” as internações pela Covid e reduzido “drasticamente” os casos diários devido ao uso do “tratamento precoce”. Mentira deslavada que o doutor Queiroga teve que engolir, num silêncio vergonhoso, em praça pública.
No dia seguinte, Bolsonaro parecia nervoso e desconfortável em sua live semanal. Com seu jeito tosco de se expressar, falou não como presidente, mas como militar, sobre a participação das Forças Armadas na campanha de vacinação: “Estamos à disposição e chegando para nós esse dever…” O que ele não explicou é por que seus hospitais militares, que estão com 85% dos leitos de UTI vagos, não oferecem atendimento à população.
Outra derrota de Bolsonaro merece análise mais profunda, principalmente dos evangélicos: por que se travou uma batalha jurídica sobre a restrição à realização de cultos e missas durante a pandemia? A discussão foi provocada pelo próprio presidente, que leva Messias no nome, se declara católico, já frequentou a Igreja Batista e foi batizado no Rio Jordão por um pastor da Assembleia de Deus. Em outro ataque ao STF, tachou de “absurdo dos absurdos” a decisão de manter templos e igrejas fechados.
Não se tratava de restringir o exercício da fé; discutia-se apenas a proibição de aglomerações que podiam – e podem – facilitar a disseminação do coronavírus. Muitos evangélicos não entenderam isso nem atentaram para as artimanhas de pastores não muito preocupados com seus rebanhos. Não sou um especialista em religiões. Nem me considero religioso. Penso apenas que cada um de nós carrega em seu interior uma força inabalável que nos consola, nos estimula, nos anima, nos salva das inúmeras roubadas em que nos metemos todos os dias. Essa fé merece ser cultivada, merece ser respeitada. Mas não pode ser exacerbada. Fico impressionado com a quantidade de apelos que Deus deve receber a cada segundo. E como atendê-los. Por aí, até entendo o desespero daqueles que nestes dias difíceis acorrem a templos e igrejas em busca de uma palavra de consolo e esperança.
Não deixemos, porém, que esse desespero nos cegue, nos impeça de ver o que acontece à nossa volta. Que o discurso de Bolsonaro não nos iluda; ele não tem piedade, não tem compaixão, não tem humanidade; de cristão, não tem nada – o lema “Deus acima de todos” não passa de conversa fiada. E que a discussão que levou o STF a decidir que templos e igrejas, em nome da saúde de todos, permaneçam fechados, nos sirva de exemplo: precisamos salvar vidas. Os mercadores da fé são os vendilhões do templo descritos na Bíblia. Eles se revoltaram por uma razão bem simples. Muito simples. Perderam dinheiro, o dízimo sagrado. A sacolinha está em quarentena, a maquininha eletrônica também.
São raros os verdadeiros pastores que saíram a campo em ações voluntárias e humanitárias. A maioria só abriu a boca para protestar contra a decisão do STF. Lembro-me até hoje dos helicópteros de Edir Macedo recolhendo sacos e mais sacos de dinheiro depois de um culto no Maracanã. O mesmo Edir Macedo que hoje circula, na internet acendendo uma vela para Deus, outra para o diabo. Numa gravação, faz campanha contra a vacina. Noutra, toma o imunizante nos Estados Unidos. Para esses “bons” pastores, manipular a fé é um grande negócio.
Para completar:
– Um país de ignorantes e milicianos. Se este não é objetivo do governo Bolsonaro, por que reduzir os tributos para facilitar ainda mais a compra de armas e aumentar os dos livros?
– O movimento pela volta da monarquia anda meio confuso. Ao fazer uma postagem sobre a morte do príncipe Phillip, marido da Rainha Elizabeth II, publicou a foto do príncipe Charles.
– Perguntar não ofende: já que estão desempregados, será que Eduardo Pazuello e Ernesto Araújo vão receber o auxílio emergencial?