Alfredo votou 13! E o dia, para alguns, amanheceu em paz!

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Mais um dia na vida da coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Nesta data especial, César comenta como foi o dia de votação do professor aposentado Alfredo.

“No dia 30 de outubro de 2022, Alfredo saiu de fusca em direção à sua Zona Eleitoral situada ali nas bandas da Muda, região da Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro.





Foi cedo para não se atrasar. Mas não tão cedo, uma vez que Alfredo receava ser escolhido para mesário em um lance fortuito da sorte. Já lhe ocorrera uma vez, por que não ocorreria de novo? Alfredo escaldado tem medo de Sala de Votação vazia .

Quase não tinha fila. Logo chegou sua vez. Esperou aparecer o rosto sorridente de Lula e confirmou. Pegou o seu comprovante de votação e fez o caminho contrário, como se estivesse sendo rebobinada uma fita cassete.

Alfredo era do tempo da fita cassete e das fitas nos cassetetes. Que maçada, que nada! Que cacete, qual o quê! Como é bom votar pra presidente!


Será que Teófilo Antunes ainda estava vivo? Antunes, seu velho amigo, professor de Topografia, aquele que usava guarda-pó para dar aulas, aquele que nunca vestiu uma calça jeans. Teófilo, o rei da régua T.


Alfredo não conheceu ninguém com uma caligrafia mais fina que a de Antunes. De quando em vez, quando trabalhavam no mesmo dia, Alfredo passava na Sala de Desenho apenas para observar a pintura que era uma aula expositiva do seu amigo. Não se arrependia.

Tudo isso foi no tempo dos telefones bojudos de cor cinza. No tempo em que se votava em cédulas de papel. Pior do que o tempo da cédula em papel, pensou Alfredo, só mesmo o tempo em que as pessoas não podiam votar. Nem voltar para o Brasil.

Este foi o tempo em que Alfredo e Célia Cristina, jovens, embrulhavam pedras portuguesas em papel de presente. Como se fossem presentinhos, para que fossem arremessadas contra as janelas de vidro do Consulado Americano.
Alfredo travesso um dia foi.

O volante do fusquinha azul de Alfredo quase queimou suas mãos, de tão quente que estava. Alfredo só se deu conta que o trânsito estava mais difícil que de costume algum tempo depois: quando a impaciência tomou o lugar das inúmeras recordações que povoavam a sua cabeça cada vez mais branca, cada vez mais calva.


Chegou! Chegou! Foi o que os netos disseram. Era dia domingo de visita afinal, não seria uma eleição que iria comprometer o ritual de família. A neta lhe perguntou se podia ficar com uma coxa do frango, ao que Alfredo respondeu com um “Claro que sim!”

O menino queria ver as fotos em preto e branco que o avô tinha do América, desejo que foi prontamente atendido. Alfredo aproveitou o ensejo e trouxe a velha máquina fotográfica, para grande espanto das crianças, que lhe perguntaram se a engenhoca tinha lugar para cartão de memória. Mesmo sem filme, elas fizeram pose para Alfredo, que bancou o fotógrafo lambe-lambe.


Como se tratava de um ritual, o filho de Alfredo se dispôs a lavar a louça, atividade a que ele, Alfredo percebeu, ainda está se acostumando. Alfredo deixou para lá, não queria bancar o impecável, e assim ganharia uns pontos extras com Célia Cristina, sua esposa, seu amor de toda uma vida.

Por trás daquela cara de vovó de contos de fada, existia ainda uma mulher justa, firme, atraente e doce. Uma mulher que sempre foi dona de seu nariz. Para Alfredo, Célia Cristina era uma mistura: lembrava Ruth, Marisa e, agora, Janja.

Obviamente, Célia Cristina votou 13, e ainda foi de camisa vermelha, para não deixar dúvidas; o filho de Alfredo e Célia também. E os netos, se pudessem, votariam 13 também.


Já estava quase na hora do tradicional passeio de fusca quando a menina, vinda da oficina do Alfredo, apareceu com um embrulho mais ou menos do tamanho de um ovo. Não ficou desapontada quando ouviu da boca de seu pai que não era um presente, mas uma pedra embrulhada em papel de presente.

Ela pediu para levar a pedra para casa, que assim embrulhadinha bem que serviria como peso de papel. Célia foi embrulhar mais uma para o menino, vocês sabem como são as crianças.


Falando em como são as crianças, o filho de Alfredo e Célia levou a câmera na esperança vã de encontrar alguém que ainda vendesse filmes. Era um consolo, porque o que ele queria levar mesmo era a máquina de escrever.

Quem sabe, no próximo domingo de visita, ele não leva? Quem sabe, na próxima eleição presidencial? O maior depósito de Alfredo não é a oficina, é o coração.


Contudo, neste domingo de sol, dia 30 de outubro de 2022, não dava. Assim que foi encerrada a apuração, Alfredo colocou uma folha de papel A4 na maquineta para tiquetiquear:

PREZADO TEÓFILO,
ONDE QUER QUE ESTEJAS:
LULA, PRESIDENTE DO BRASIL PELA TERCEIRA VEZ!”

Foto: Washington Luiz de Araújo, na casa dos amigos Rui e Daisy.

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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