Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, Bem Blogado –
Quando menos se espera, às vezes, as peças do tabuleiro se mexem. Com as ruas mais vazias, o Congresso sem sessões presenciais, os muitos mortos etc, há movimentações importantes no cenário político.
Para começar, é inegável que o governo fascista avança entre os mais pobres graças ao auxílio emergencial de 600 reais. Verdade que Bolsonaro e Guedes eram totalmente contrários a um desembolso superior a 200 reais mensais e que foi a oposição parlamentar que obteve os 600 reais, mas o fato é que o governo conseguiu passar aos beneficiados a paternidade do ato.
Sabemos todos que os fascistas e liberais têm horror a qualquer gesto que ateste a necessidade da mão do Estado para garantir a sobrevivência do povo pobre, mas a pandemia abriu a rota da oportunidade política para Bolsonaro e, em menor escala, para Guedes.
A discussão sobre a extensão do auxílio trouxe junto o tema do teto de gastos, maldade adotada no nefasto governo da camarilha Temer em consórcio com a elite econômica do Brasil. Nos últimos dias, tornou-se clara, para quem não queria enxergar ainda, a aliança entre banca, elite e grande imprensa para a defesa intransigente em torno da manutenção do teto de gastos que é absolutamente incompatível com as necessidades da maioria da população, particularmente em tempos de pandemia.
A união da direita, incluindo-se aí a sua ala que é majoritária no Congresso, mostra que as divergências dessa turma com Bolsonaro limitam-se a temas que não incluam a política econômica excludente de Paulo Guedes.
Ali, todos convergem no ultraliberalismo pinochetista do ministro da Economia. Ou seja, o mundo ideal deles é chicote nos direitos sociais e um Bolsonaro com fascismo domesticado e, se possível, de boca fechada. O script sonhado é, acima de tudo, o aumento da já incivilizada diferença social entre os brasileiros. Mas talvez não seja tão fácil o caminho dos trogloditas.
Se é verdade que Bolsonaro está surfando no auxílio emergencial que negava, não é mentira que a continuidade do benefício não cabe na prancheta de maldades que é a Bíblia de Guedes. Na lógica do ministro, não há dinheiro para os pobres indefinidamente.
Mesmo que consiga a volta da CPMF (que a direita parlamentar combate), não há volume suficiente para a continuidade dos 600 reais que pavimentam o ainda discreto avanço do fascista nas classes populares.
Há sabida disputa interna no governo sobre o caminho a ser percorrido até o fim do auxílio, além da já consensuada diminuição de seu valor.
O mais provável é que se recorra à aceleração para que se retire ainda mais os já diminuídos direitos trabalhistas (um confessado desejo de Guedes) e a entrega de patrimônio do Estado para grupos econômicos estrangeiros ou nacionais. Ou seja, dá-se uma migalha para os pobres enquanto se entrega a preço de banana o grosso das estatais construídas com esforço e dinheiro dos brasileiros.
Como se vê mais uma vez, o Brasil atual não é para amadores. Mesmo na pandemia que já matou mais de 110 mil brasileiros, muitas dessas mortes evitáveis, há novidades.
A desgraça dessas famílias abriu a oportunidade inesperada para que Bolsonaro lucrasse com o que nunca pensou, a ajuda para que as pessoas não morressem de fome.
Mas isso no fundo abre uma discussão provavelmente sem solução entre pessoas que nunca admitiram a ação do Estado como agente responsável pela sobrevivência dos pobres. O escorpião, ao fim, não nega sua natureza.