Por Lourenço Paulillo, cronista e poeta
Em homenagem ao Rolando Boldrin, que tanto amou e valorizou os encantos da terra. Em particular, sua terra, São Joaquim da Barra. Ele partiu, de mãos dadas com a Gal Costa, ambos sorrindo e cantando Força Estranha: “Eu pus os meus pés no riacho…..e acho que nunca os tirei…o sol ainda brilha na estrada…”. Texto até agora inédito, escrito em 15 de novembro, 2022.
Quanto mais distante a pequena cidade,
Quanto mais simples o viver a vida,
Maior o tempo pra apreciar e louvar a terra,
Acompanhar cada leve mudança,
Seja o brotar e o florescer das árvores no pomar,
Seja o movimento, a brincadeira das nuvens no céu.
Prestar atenção à alegria da passarada à primeira claridade do dia, ao pouso das pombas asa-branca no telhado da singela igreja, sentir o cheiro estimulante do café feito no fogão a lenha, ouvir o cocoricó dos galos nos terreiros, ou o apito do trem na estação. Ver a carroça que transporta a lenha, rir dos causos do velho engraxate.
Nos quintais as crianças escalam as mangueiras, as goiabeiras, os cajueiros, disputando as frutas maduras com os pássaros.
Das janelas, as senhorinhas acompanham as pessoas que passam devagar em direção ao pequeno comércio, para comprar legumes recém-colhidos, ou uns metros de tecido para a roupa nova.
À medida que o sol se ergue, o calor aumenta e as nuvens se acumulam, até que à tarde desaba uma prazerosa chuva, e então o ar se renova com o aroma da terra molhada. No final da tarde, tudo é envolvido pelo perfume das damas-da-noite, dos jasmins e das flores das laranjeiras. E quando a noite chega, o céu lavado da chuva acolhe as primeiras estrelas.
A terra e seus encantos são a grande inspiração de tantos poetas e escritores. No exílio, Gonçalves Dias disse: “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá; as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”.
Cora Coralina escreveu em seu Cântico da terra:
“Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem, de mim veio a mulher e veio o amor, veio a árvore, veio a fonte, vem o fruto e vem a flor”.
E Chico Buarque e Milton Nascimento:
“Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, propícia estação
E fecundar o chão”.
Quantas crianças aprenderam a amar a terra com Monteiro Lobato? Com ele fomos ao delicioso Sítio do Picapau Amarelo, e lá corríamos de pés descalços, junto com Pedrinho, Narizinho e Emília, em tantas aventuras cheias de personagens eternos, sentindo-nos parte daquele mundo.
Quanto maior a distância, ao estarmos em meio ao agito das grandes cidades, mais valorizamos a riqueza da terra. Bate a saudade do fogão a lenha, do apito do trem, do sino da igreja, das pessoas verdadeiras, acolhedoras.
A mente então viaja, vai voltando aos poucos à terra natal, percorrendo calmamente os canaviais, os cafezais, as curvas da estrada, os campos pontilhados de boiadas, as exuberantes árvores que lhes dão sombra, as casinhas brancas perdidas na amplidão da paisagem.
É como um filme visto de trás para a frente, em que nossos cabelos brancos vão aos poucos readquirindo sua cor original, as rugas do rosto se suavizando até desaparecerem, os olhos recobrando seu brilho de criança.
Finalmente, ao chegar ao ponto de partida, lá estão nossos amiguinhos. Íamos todos tomar banho no rio, pegar as rãs com a mão, apanhar melancias nos sítios da vizinhança, quebrá-las no chão e desfrutá-las por ali mesmo. E depois chegar em casa com o calção seco, pois ele ficara pendurado em algum arbusto durante o banho de rio.
Agora é a hora de brincar com o cachorro, abraçar a mãe, chupar mangas, esperando os sequilhos saírem do forno.
É a simplicidade que está de volta, assim como aquele chão, aquela terra que nos deu firmeza. É a essência da vida que vamos reencontrar.
Imagem: Piquenique no Rio das Pedras. Almeida Júnior – Itu, 8 de maio de 1850 — Piracicaba, 13 de novembro de 1899)