Por Miguel do Rosário, para o Cafezinho –
A campanha eleitoral deste ano produziu, na minha opinião, alguns herois. Entre eles, Roberto Amaral, presidente do PSB, defenestrado por uma ala fortemente conservadora dentro do partido.
Quem acompanhou de perto as lides políticas, partidárias ou mesmo intra-partidárias de 2014 sabe com que monstros Amaral teve de brigar, antes de chutar o pau da barraca e abraçar a candidatura de Dilma Rousseff.
Eu vi Roberto Amaral na Cinelândia, uma semana antes da eleição do segundo turno, fazendo um discurso emocionado, cujas palavras jamais esquecerei.
“Nós vamos ganhar”, dizia Amaral, “porque estamos ao lado do povo, e o povo jamais é derrotado”.
Evidentemente, Amaral não fazia uma análise, mas vocalizava um poema político, de sabor revolucionário.
A praça estava lotada como eu nunca tinha visto.
Milhares de pessoas, assustadas diante do crescimento da reação conservadora, haviam acorrido para a campanha de Dilma Rousseff.
A militância multiplicou-se de maneira avassaladora. Todo mundo com adesivos no peito e empunhando bandeiras.
A vitória de Dilma este ano foi muito além da questão eleitoral.
Houve uma vitória política maiúscula. Vitória essa sobre a qual o governo e a sociedade devem meditar com atenção, para fazer frente à onda reacionária que também se levantou.
Roberto Amaral reflete sobre essa onda reacionária e aponta um culpado, de maneira muito simples e direta: a imprensa.
A imprensa, explica Amaral, vem construindo, há anos, uma cultura meio fascista junto à classe média urbana, e este sentimento vem se espraiando para outras camadas da sociedade.
Leia o artigo.
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A IMPRENSA COMO O PRINCIPAL PARTIDO DA OPOSIÇÃO
Por Roberto Amaral, ex-presidente do PSB
6 DE NOVEMBRO DE 2014 ÀS 06:17
O pensamento único, de direita, destilado diariamente pelos poucos veículos de comunicação do País haveria de ter resposta na opinião pública
Os fenômenos políticos exigem longa e lenta gestação; quase sempre trata-se de gravidez imperceptível. A construção ideológica demanda tempo. Como o fenômeno social, é desenhada, passo a passo, traço por traço. O fato social, embora venha a lume muitas vezes como uma explosão, inesperada, não nasce quando se manifesta: antes, a História lhe cobrou demorada fermentação. Há sempre um fato detonador, a gota d’água, que só é conhecido a posteriori.
Uma crise estudantil na Universidade de Nanterre – provocada pela resistência da reitoria em permitir que rapazes frequentassem os alojamentos das moças, foi o gatilho da irrupção estudantil de 1968, que, partindo de Paris, tomou o mundo. Em entrevista recente a jornal brasileiro, Daniel Cohn-Bendit, o revolucionário daquela época, declara que uma semana antes da “explosão” era insuportável a modorra universitária. Tivemos, recentemente, a “primavera árabe” que terminou sentando-se nos jardins de Wall Street. Mas, no século passado, os melhores exemplos de “irrupção imprevista” são oferecidos pela queda do muro de Berlim e a dissolução da União Soviética, na verdade conclusões de processos políticos há muito em andamento, corroendo as entranhas do socialismo real como o caruncho que silenciosamente devora a árvore.
A chamada ascendência do pensamento conservador, que surpreendeu os desavisados na manifestação eleitoral de direita que tomou conta de setores ponderáveis das camadas médias de São Paulo e de outras cidades, também não é filha do acaso, embora não atenda a uma necessidade histórica, o que poderá decretar a brevidade de sua existência.
Mas a semente foi plantada e está sendo bem regada.
Trata-se de fenômeno que vem sendo trabalhado há anos. Nada é fruto do acaso ou efeito sem causa.
Há décadas – desde os idos da ditadura e malgrado ela – sociólogos da comunicação e outros pesquisadores preocupados com a política vêm tentando alertar o pensamento liberal sobre as consequências, já antevistas naquela altura – da ação ideológica goebeliana dos meios de comunicação, de especial os meios eletrônicos, sobre as massas. Notadamente quando o sistema, caso brasileiro, caracteriza-se pela concentração empresarial e o monopólio ideológico.
Assim, a questão posta na mesa, já então, ia para além da denúncia do oligopólio que controla as empresas de comunicação no país (quatro a cinco famiglias) e de seu significado para a gestão democrática da cultura e da informação; tratava-se de pôr a nu – tarefa de fácil demonstração – o monopólio do conteúdo dos meios, presos ao discurso único, uma das expressões mais contundentes do autoritarismo. Os liberais, que sempre defenderam a liberdade das empresas (de seus donos) pensando que defendiam a liberdade de imprensa, não cuidaram de defender a liberdade de opinião, inexistente, se não há diversidade ideológica. E na imprensa brasileira não há.
Aqui se casam dois fenômenos gratos ao autoritarismo. De um lado, a concentração de empresas, de início imposta pelo capitalismo financeiro-monopolista; a redução do número de meios e dos veículos, impondo as cadeias nacionais de rádio, de televisão e de jornais, centralizando as fontes de opinião e informação, assegurando o monopólio ideológico – facilitado ademais, pelo desenvolvimento tecnológico que impediu ou reduziu a concorrência a um jogo entre poucas empresas donas dos veículos sobreviventes. As indústrias jornalísticas passaram a depender, fundamentalmente, de investimentos maciços de capital, enquanto a produção intelectual passou a ter custo irrelevante, com a emissão em rede ou em cadeia e a reprodução nacional do material gráfico gestado no centro hegemônico.
Hoje, neste país de extensão continental e de extraordinária diversidade cultural e regional, possui nossa população apenas algo como três jornais nacionais (ditando a pauta dos demais), umas poucas cadeias de rádio (operando em nível nacional), algo como quatro redes nacionais de televisão (expulsas as programações locais) e uma só informação, e uma só orientação ideológica, porque os meios periféricos reproduzem o pensamento dos meios centrais, produtores, que articulam e distribuem a mesma visão ideológica. A saber, o ideário de direita.
Esse pensamento único, destilado diariamente por todos os veículos e por todos os meios, nas reportagens, nos artigos, nos editoriais, nos noticiários, no entretenimento, haveria de ter resposta no comportamento da opinião pública (que já se diz “opinião publicada”) e atingir profundamente as camadas urbanas e nelas principalmente os segmentos superiores das diversas classes médias que, eleição após eleição, vêm se apartando do voto progressista. Mas a esses setores, que conservam poder de influência sobre os demais estratos sociais, não ficou adstrita, prova-o a votação que nesta eleição, um recorde desde 2002, obteve o candidato da direita à presidência da República.
Se é verdade que as grandes massas apoiaram, majoritariamente, a candidatura progressista de Dilma Rousseff, não é menos verdade que a votação de Aécio Neves compreende setores que vão muito além das classes-médias. Embora assumindo os interesses da burguesia e do grande capital, a candidatura do PSDB conquistou segmentos expressivos das camadas populares, de trabalhadores e assalariados em geral, que, por óbvio, se identificaram com seu discurso reacionário, e assim votaram contra seus próprios interesses.
A exegese do fenômeno deixo para os doutos. Nos limites deste artigo apenas pondero que entre as muitas com-causas – fragilidade das organizações populares, fracasso político dos partidos de esquerda no poder, crise do sindicalismo, desmoralização da política, e mais isso e mais aquilo – há que se considerar o papel ideológico dos meios de comunicação de massa.
Essas considerações me ocorreram após assistir a vídeo sobre manifestação de sábado último na Avenida Paulista (SP), nos pilotis do MASP. Na melhor escola fascista, a provocação política associa a violência oral à brutalidade física, cenas que podem ser conferidas no vídeo aqui.
Não se trata de ato trivial, nem isolado. Fatos como este não haviam sido vistos no Brasil nem mesmo durante os duros embates de 1963-1964, na meticulosa preparação do golpe de 1º de abril. Naqueles idos, é sempre bom lembrar, a grande imprensa foi fator decisivo na desestabilização do governo João Goulart e na construção do discurso aglutinador das oposições, que logo transitaria para a defesa pura e simples da intervenção militar. E naqueles anos a imprensa ainda não era um oligopólio de poucas empresas, nem haviam as redes e as cadeias nacionais, recurso que facilitaria a mobilização popular e a construção de um clima antigoverno.
Nos nossos dias, a imprensa transformou-se no principal partido da oposição, oposição que se instala nos primórdios do governo, atravessa seus primeiros três anos, se fortalece na campanha eleitoral e, finda esta, não ensarilha as armas: mantendo hoje o combate de sempre, e crescentemente mais aguerrido, faz oposição a um governo que sequer se instalou!
Está à vista o conluio entre a direita partidária e os meios de comunicação visando à desestabilização do governo, na tentativa, quase desesperada, de criar clima emocional para o pleito do impeachment, pois, a partir dele, todas as cartas podem ser jogadas. Há perfeita confluência entre o pedido de recontagem dos votos formulado oficialmente pelo PSDB, a postulação absurda e antirrepublicana do impeachment, e os atos de 1.º de novembro na capital paulista.
Nas manifestações paulistanas o analista encontrará todos os elementos clássicos do fascismo: anticomunismo arcaico, xenofobia, preconceito regional, exaltação do militarismo (surge até um “Partido Militar Brasileiro”) e da violência, defesa da ditadura, ódio disseminado, desprezo pela democracia e profundo desrespeito à soberania popular. Os cartazes anunciam seu programa: intervenção militar como reprimenda a um povo que “não sabe votar”. O vídeo revela que o púbico da manifestação é formado, em sua esmagadora maioria, por jovens (e até crianças) de classe-média bem posta.
Sem comparações forçadas ou ilações ou previsões, lembro que na Alemanha nazista também foi assim: o maior campo de ação da propaganda nazista foi a classe média.
É preciso fazer gorar o ovo da serpente.