Amazônia aberta ao garimpo

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Bolsonaro libera exploração mineral e energética em terra indígena. Ambientalistas e cientistas alertam para o aumento da violência, invasões e desmatamento

Vista aérea de garimpos ilegais na Terra Yanomami, próximo à comunidade Ye'kwana, região Waikás. Foto Rogério Assis/ISA
Vista aérea de garimpos ilegais na Terra Yanomami, próximo à comunidade Ye’kwana, região Waikás. Foto Rogério Assis/ISA

Bastou uma canetada do presidente para Jair Bolsonaro transformar em regra, o que, até então, era visto como exceção na Constituição de 1988. Ao comemorar seus 400 dias de governo, ele assinou projeto de lei que libera geral a exploração mineral e energética, o que significa petróleo e gás, em terra indígena. Com a proposta, Bolsonaro realizou o antigo sonho dos grupos econômicos que impulsionaram sua candidatura e sustentam seu governo: a bancada da lama. Chamada de a nova “Lei Áurea” pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o governo colocou a Amazônia à venda.

O árbitro final será o Congresso, a quem caberá ou não aprovar a medida. Chegou a hora dos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, honrarem as próprias palavras e não pautarem o projeto. Ambos haviam se comprometido a não colocar em votação proposições que ameaçassem a floresta e as populações tradicionais – a promessa chegou a ser feita pelo presidente do Senado durante a Conferência do Clima em Madri, a COP25, no final de 2019.




Não é de hoje que Bolsonaro destila ódio contra os povos indígenas. Já os chamou de “animais no zoológico”, por viverem em terras demarcadas, e na última quarta-feira, dia 5, ao anunciar seu projeto de lei, comemorou a decisão: “Nunca é tarde para ser feliz, 30 anos depois. Espero que este sonho pelas mãos do Bento (Albuquerque, ministro de Minas e Energia) e pelo voto dos parlamentares se concretize porque o índio é um ser humano exatamente igual a nós”.

Na Amazônia, as áreas mais bem protegidas são, justamente, os territórios indígenas e as áreas de conservação. Ao abrir a exploração para mineração, uma enorme fração da Floresta Amazônica, que ainda está intacta e muito bem preservada pelas populações indígenas, poderá vir a ser destruída. Está comprovado de que não há necessidade de destruir a Amazônia para que possamos ter progresso econômico no Brasil. Esse ato, com certeza, vai contribuir para acirrar os conflitos na Amazônia e destruir o ecossistema amazônico, além de sujar ainda mais a imagem já tão desgastada do Brasil no exterior

Paulo Artaxo, climatologista da USP

“Na Amazônia, as áreas mais bem protegidas são, justamente, os territórios indígenas e as áreas de conservação. Ao abrir a exploração para mineração, uma enorme fração da Floresta Amazônica, que ainda está intacta e muito bem preservada pelas populações indígenas, poderá vir a ser destruída. Está comprovado de que não há necessidade de destruir a Amazônia para que possamos ter progresso econômico no Brasil. Esse ato, com certeza, vai contribuir para acirrar o conflitos na Amazônia e destruir o ecossistema amazônico, além de sujar ainda mais a imagem já tão desgastada do Brasil no exterior”, criticou Paulo Artaxo, climatologista da Universidade de São Paulo (USP), defendendo que o projeto de lei seja barrado no Congresso.

Desde que anunciou seu desejo de abrir as terras indígenas para mineradoras, o que começou ainda na época em que era deputado federal e virou programa de governo durante a campanha presidencial, os conflitos se agravaram no campo. Se aprovada, a medida vai abrir caminho para aumentar ainda mais o desmatamento, as invasões de terras indígenas e a violência contra os povos originários.

Mesmo que os povos indígenas digam não a qualquer projeto de mineração e mesmo que o Congresso não paute a discussão da medida, ela pode ser autorizada por decurso de prazo.

Márcio Astrini
coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace

Ao se debruçar sobre o projeto de lei, Márcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace, teme que a Constituição, que vinha sendo um impeditivo para inúmeras ações do governo, seja atropelada por um detalhe do texto da medida. “Mesmo que os povos indígenas digam não a qualquer projeto de mineração e mesmo que o Congresso não paute a discussão da medida, ela pode ser autorizada por decurso de prazo”. Caso o Congresso não paute a matéria, uma empresa que tiver pedido de lavra mineral em inúmeras terras indígenas, pode iniciar a exploração quatro anos. Numa só tacada, Bolsonaro atropelou o Constituição e deu uma pernada no Congresso Nacional.

A expectativa da assessora jurídica do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana de Paula Batista, é que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, devolva o projeto de lei: “Neste tipo de matéria, a regulamentação, segundo artigo 231 artigo 6º da Constituição, precisa ser aprovada por Lei Complementar e não por Lei Ordinária Federal como quer o governo”.

Segundo ela, o governo também está passando por cima de acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração da ONU sobre direitos dos povos indígenas e a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esta última não deixa dúvida: a consulta antecede quaisquer medidas administrativas e legislativas com potencialidade de afetar diretamente  povos indígenas e tribais.

O texto não respeita o direito à consulta, pois deixa a palavra final para o Estado e não incentiva a produção econômica dos índios. Pelo contrário. Sugere que dependam de royalties, enquanto assistem a espoliação de suas terras

Márcio Santilli
fundador do ISA

O fundador do ISA, Márcio Santilli, complementa: “O texto não respeita o direito à consulta, pois deixa a palavra final para o Estado e não incentiva a produção econômica dos índios. Pelo contrário. Sugere que dependam de royalties, enquanto assistem a espoliação de suas terras”.

Sobre a mesa do presidente da Agência Nacional de Mineração (ANM) estão um total de 5.675 processos de exploração mineral, que vão da pesquisa a autorização de lavra, segundo estudo do WWF-Brasil. Tudo na Amazônia. O PL de Bolsonaro é um primeiro passo para transformar as aldeias em futuras barragens.

As organizações ambientalistas chiaram, assim como a comunidade científica. Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Bolsonaro realizou seu “sonho de autorizar a invasão dos territórios indígenas”. Para o climatologista Carlos Nobre, que é um defensor de um modelo econômico para salvar a Amazônia e não destruí-la, alerta que, “certamente, o projeto de lei do governo não tem nada a ver com uma moderna e inovadora bioeconomia”.

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