Por Florência Costa, publicado em Projeto Colabora –
Sem fiscalização e sem repressão, floresta sofre aceleração do desmatamento com grileiros, piratas e traficantes
Diante do ataque ao meio ambiente promovido pelo governo de Jair Bolsonaro, o tom pessimista foi a tônica do painel “O que será preciso para o Brasil combater o desmatamento ilegal até 2030?”, na Conferência Ethos 360, realizada no Pavilhão da Bienal do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. O desprezo do governo pelo ambiente mistura-se, na Amazônia, com grileiros, garimpeiros, piratas egressos das FARCs e traficantes para compor um cenário caótico que ameaça a floresta. “O Brasil já provou que é possível reduzir o desmatamento. Mas agora estamos tragicamente andando para trás”, lamentou Alfredo Sirkis, diretor-executivo do Centro Brasil do Clima (CBC), um dos debatedores do painel.
A aceleração do desmatamento, que vem crescendo desde 2015, é provocada pelo desmonte dos órgãos de fiscalização e o desleixo na repressão. Sirkis destacou, entretanto, que o desmatamento ilegal não é promovido pelo agronegócio e sim pelo banditismo. “O empresariado moderno do agronegócio não precisa do desmatamento ilegal”, afirmou. Hoje, os responsáveis pelo desmatamento ilegal criam constrangimento aos empresários do agronegócio”, frisou.
Coordenador de projetos especiais da Fundação Amazonas Sustentável, instituição que incentiva a geração de renda alternativa de comunidades ribeirinhas, Valdir Salviati, outro integrante do painel, alertou para a importância de o governo reforçar a segurança nacional da Região Amazônica. Salviati contou que, de um ano para cá, a fundação passou a contratar seguranças armados para levar as pessoas em balsas pelos rios porque piratas – na verdade dissidentes das FARCs (Forças Armadas Revolucionárias da Colombia) – se infiltraram na floresta e capacitam criminosos para obter o controle da rota de tráfico de drogas. “Esse é um fator crítico de segurança nacional. A proteção de lideranças indígenas está fragilizada”, disse.
Sirkis e Salviati concordam que é fundamental, além da fiscalização do Ibama, a repressão da Polícia Federal e o apoio do Exército na cobertura das ações contra os desmatadores ilegais. O diretor do CBC alerta que os grileiros são poderosos. Aqueles que promovem o desmatamento ilegal têm votos nas regiões e até intimidam politicamente o setor que não desmata ilegalmente, explicou. “O grileiro derruba as árvores e coloca alguns bois para reclamar a terra para si. O terreno passa a valer mais, é uma especulação imobiliária informal.”, afirmou Sirkis.
Salviati, da Fundação Amazonas, destacou que a “bagunça fundiária” da região favorece os desmatadores ilegais. “Não se sabe quem é o dono de cerca de 50 milhões de hectares de áreas, no centro do estado do Amazonas. O desmatamento só não chegou lá por falta de logística, falta de acesso. Mas não dou um a dois anos para o desmatamento chegar lá”, lamentou.
Produzir é preciso
Vítor Salviati destacou que o governo precisa incentivar a agricultura familiar e sustentável na Amazônia para combater o desmatamento e lamentou a diminuição de programas de fomento. “No Amazonas hoje, se você vai pedir crédito aos bancos, o gerente alcança a meta se der crédito para quem planta abacaxi, mas apenas se der crédito a quem planta soja ou cria gado. O sistema financeiro precisa motivar a agricultura de baixo carbono”, defendeu o coordenador de projetos especiais da Fundação Amazonas Sustentável.
Alfredo Sirkis ressaltou que um aspecto importante para lutar contra o desmatamento ilegal é o combate à miséria e o desenvolvimento de mecanismos de pagamento por serviços ambientais. “O ribeirinho precisa de meios de subsistência para deixar de ser pago pelo desmatador. Ele não vai desmatar se for rentável a conservação”, explicou o diretor do CBC, que tem trabalhado diretamente com os governos estaduais. “ É preciso capacitar os estados para fazer o que o governo federal não fará. É preciso ajudar os estados a conseguir financiamento internacional sem tem que passar pelo governo federal”, argumentou Sirkis.
Os próprios empresários do setor agropecuário podem ser aliados da conservação – não é à toa que alguns já protestaram contra a desastrada política ambiental do governo Bolsonaro. Coordenador do Programa Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Claudio Almeida, também participante do painel sobre a região na Conferência Ethos 360, lembra a importância dessas informações para a economia. “Os dados do INPE não são apenas para apontar os culpados pelo desmatamento. São informações importantes para a cadeia produtiva do Brasil”, disse.
Almeida dá como exemplo o caso dos exportadores brasileiros de soja e gado. “São setores que produzem legalmente e que tem que mostrar a origem dos seus produtos aos clientes, já que o mercado hoje exige um comportamento mais ético. Setores importantes da nossa economia precisam dos dados do INPE para mostrar que fazem o dever de casa, que suas produções são sustentáveis”, afirmou.
O coordenador do INPE ressaltou que grandes empresas estrangeiras compradoras de soja, por exemplo, só adquirem o produto brasileiro que tiver a certificação de que não foi plantada em áreas desmatadas após o ano de 2008. O mercado de crédito aos que preservam o meio ambiente também é um fator importante, lembrou Claudio Almeida. Há na região amazônica 36 municípios prioritários que podem sofrer restrição de crédito caso descumpram as regras.
Hostilidade ambiental
Claudio Almeida fez questão defender a seriedade dos dados referentes ao desmatamento ilegal da Amazônia, divulgados pela instituição, que é ligada ao Ministério da Ciência. O INPE foi alvo de ataque de Bolsonaro, que demitiu recentemente seu diretor, o cientista Ricardo Galvão. “Tecnicamente é quase impossível para o INPE manipular os dados, que são transparentes, estão na internet”, afirmou.
Almeida explicou que o mais antigo projeto do INPE é o Prodes, de monitoramento da floresta amazônica por satélites, feito periodicamente desde 1988. “É o maior programa do mundo de uma área tão extensa como a Amazônia”, disse. Este monitoramento é feito anualmente e verifica-se o quanto se perdeu de floresta primária. O Prodes já detectou em 30 anos 780 mil quilômetros quadrados de desmatamento (19,7% de floresta originária).
A Amazônia Legal tem 5,5 milhões de quilômetros quadrados. Mas há um milhão de território que não é floresta original. O INPE monitora os 4 milhões de quilômetros quadrados de floresta primária. O sistema Deter, que registrou o aumento do desmatamento em julho, gerando o protesto de Bolsonaro, é um levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia. “Os dados do Deter permitem aos estados planejar ações de fiscalização contra o desmatamento”, frisou o coordenador do Programa Amazônia.
Para Sirkis, o governo Bolsonaro tem uma visão “idiossincrática” da questão ambiental. “Ele acha que ambientalistas são sinônimos de comunistas. O governo tem amor à destruição da natureza, ódio à defesa do meio ambiente. Não se trata de uma postura tradicional da direita, de ter interesses econômicos. A coisa é diferente. Há um componente de hostilidade”, opinou o diretor do Centro Brasil no Clima. Ele lembrou que, entre 2004 e 2012, houve uma redução de emissões de CO2. Depois houve oscilações e a partir de 2015 o desmatamento voltou a aumentar. “Agora, em 2019, o céu é o limite”, lamentou Sirkis.