Amazônia tem pelo menos 321 pontos de garimpo ilegal

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Mapeamento mostra extensão do problema e consequências para os seis países da região

Vista aérea de garimpos ilegais na Terra Yanomami, próximo à comunidade Ye'kwana, região Waikás. Foto Rogério Assis/ISA
Vista aérea de garimpos ilegais na Terra Yanomami, próximo à comunidade Ye’kwana, região Waikás. Foto Rogério Assis/ISA

A prática é antiga e bem conhecida. Pequenos grupos de três ou quatro pessoas, movidos pela ambição e pelo desespero, escolhem pontos isolados de igarapés para interromper o fluxo das águas e escavar o fundo em busca de pedras preciosas. O ouro é o metal mais cobiçado, frequentemente prospectado pela garimpagem de grota – que consiste em escavar e rebaixar barrancos atrás do minério. A sua valorização no mercado internacional em anos recentes fez com que muitos considerassem os garimpos como uma oportunidade. O minério prospectado na região normalmente é escoado para os mercados chinês e indiano de confecção de joias. Com frequência, a mineração é feita de forma ilegal e desenfreada em unidades de conservação e terras indígenas ao longo da Amazônia brasileira.

Quando o governo federal anuncia medidas de enfraquecimento de órgãos de proteção de povos originários ou monitoramento de unidades de conservação, aumentam os abusos sobre indígenas, assentados e quilombolas. Na prática, aumenta um senso de impunidade

Charles Trocate
Coordenador do Movimento pela Soberania Popular na Mineração

No fim de 2018, uma notícia que passou despercebida entre as especulações do futuro governo ilustra bem a gravidade do problema. Na ocasião, a Justiça Federal, em Roraima, pedia à União e à Fundação Nacional do Índio (Funai) a reabertura de três postos de vigilância na Terra Indígena Yanomami. O principal motivo era a expansão de garimpos ilegais dentro do território indígena, um dos mais visados para a prática. Acompanhando os garimpos, chega uma série de outros problemas que afetam os povos tradicionais.




“Quando há garimpos ilegais, frequentemente há conflitos relacionados ao deslocamento de grandes contingentes de pessoas fugindo da pobreza, que enxergam no garimpo a possibilidade de sair dessa condição de precariedade. São pessoas, muitas vezes, desesperadas, o que aumenta a tensão com os povos originários – que enxergam a relação com a terra e a natureza de outro modo”, explica o membro da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Charles Trocate.

Trocate atua no estado do Pará, que também sofre as consequências da voracidade da extração mineral – seja ela legalizada ou não. Um dos pontos mais críticos é ao longo do rio Tapajós, como na Área de Proteção Ambiental do Tapajós e no Parque Nacional do Jamanxim. A situação é alarmante: a Amazônia Legal brasileira contém 321 pontos identificados de garimpos ilegais, ativos e inativos, dispostos em 132 áreas ao longo dos 9 estados que a compõem.

Os dados foram reunidos pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG) no fim de 2018 em um mapa interativo chamado “Minería Ilegal” (em português, Mineração Ilegal). A plataforma compila informações primárias de organizações integrantes da RAISG, análise de imagens de satélite e notícias publicadas na imprensa dos seis países que partilham a floresta amazônica até 2017.

Garimpo ilegal na Floresta Nacional de Altamira. Foto Daniel Parnahyba
Garimpo ilegal na Floresta Nacional de Altamira. Foto Daniel Parnahyba

“No garimpo, a ideologia do sujeito é a riqueza”

mineração em diferentes escalas na Amazônia acarreta mudanças profundas nos povos originários e tradicionais. Há o aporte de milhares de pessoas em busca de pedras preciosas, por vezes desesperadas e dispostas a práticas escusas para alcançar seu objetivo. Tal comportamento resulta em tensões entre garimpeiros ilegais e aqueles que são vistos como ‘obstáculos’ para a garimpagem: desde povos indígenas e quilombolas, até fiscais e servidores de órgãos federais de monitoramento, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Em outubro de 2017, um episódio ocorrido em Humaitá (AM) ilustra a tensão impulsionada pelos garimpos. Uma multidão reuniu-se para incendiar prédios e carros do Ibama e do ICMBio na cidade; em determinado ponto do registro, pode-se ouvir a voz de uma mulher gritando “taca fogo! E taca fogo em quem aparecer também!” – referindo-se aos fiscais federais.

Se houver impeditivos, como fiscalização ou mesmo invasão em unidades de conservação ou de povos originários, esses garimpeiros podem entrar em conflitos para garantir sua sobrevivência”, diz Charles Trocate, do MAM. “No garimpo, a ideologia do sujeito é a riqueza”, complementa.

O problema não reside apenas na garimpagem ilegal. Fontes ouvidas pela reportagem relatam que mineradoras regularizadas na região alimentam um mercado clandestino de diversos tipos de minérios usados na indústria, como o cobre e o manganês.

Para além, com a mineração em larga escala há maior oferta de maquinários vendidos no mercado ilegal, como motores para chupadeiras e betoneiras, e também serviços de transporte aéreo irregular, com aeronaves de pequeno porte sem qualquer tipo de manutenção ou revisão pelos órgãos públicos. Sem contar, claro, problemas derivados do crescimento desordenado de municípios afastados, tais como o aumento do tráfico de drogas e também a criação de redes de prostituição.

Degradação ambiental e ameaças à saúde dos povos da floresta

A Terra Indígena Yanomami é uma das áreas que melhor simboliza o tipo de ameaça que a mineração ilegal representa aos povos da floresta. Organizações que atuam na região estimam que há por volta de 5 mil garimpeiros ilegais na parte brasileira da reserva, que tem mais de 9,5 milhões de hectares. Essa ampla presença acarreta problemas aos índios; um dos mais graves é a contaminação dos rios com mercúrio.

A partir do fios de cabelo da população indígena, um estudo elaborado em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz identificou altos índices de contaminação pelo mercúrio”, explica a geógrafa do Instituto Socioambiental (ISA), Júlia Jacomini.

Esse metal pesado faz parte do processo de tratamento dos materiais dragados ou cavados nos garimpos – seja para facilitar o agregamento de pequenas partículas de ouro dispersas por entre sedimentos, seja para posteriormente separar as substâncias do ouro garimpado com o uso de betoneiras e misturadores (chamados popularmente de “cobra-fumando”).

Após o uso, o mercúrio é despejado em rios e no solo, sem qualquer tipo de tratamento ou cuidado. Assim, se alastra a partir da contaminação de peixes nos rios e, depois, das populações que se alimentam dos animais, como no caso dos povos Ianomâmis e Iecuanas, povos residentes na Terra Indígena Yanomami brasileira – além dos Maquiritare, na parte venezuelana das terras. A intoxicação por mercúrio pode causar danos ao sistema neurológico, dores no esôfago, diarreia, sintomas de demência, depressão, ansiedade, dentes moles por inflamação e falhas de memória.

A geógrafa do ISA aponta ainda que problemas socioambientais dos garimpos se alastram por todos os países que partilham a Amazônia. “O que o levantamento mostra é que a situação é grave não apenas nas áreas internas dos países mas, principalmente, nas fronteiras. Pela ilegalidade, garimpeiros movimentam-se livremente conforme as legislações e monitoramentos recrudescem em cada país; com isso, os efeitos nocivos da prática se mantém”, detalha.

Já o membro da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração alerta para o panorama no Brasil. Com o novo governo, a impressão daqueles que atuam ‘na ponta’ é que os conflitos da mineração ilegal vão piorar.

“Quando o governo federal anuncia medidas de enfraquecimento de órgãos de proteção de povos originários ou monitoramento de unidades de conservação, nós sentimos na base. Aumentam abusos e ‘provocações’ das elites desses pontos afastados sobre indígenas, assentados e quilombolas; na prática aumenta um senso de impunidade pois [as elites] se veem espelhadas na gestão federal – cujo presidente já fez tantas apologias negativas sobre esses povos”, diz Trocate.

Após o uso, o mercúrio é despejado em rios e no solo, sem qualquer tipo de tratamento, e contamina os peixeis e as populações que se alimentam deles. Foto Rogério Assis/ISA
Após o uso, o mercúrio é despejado em rios e no solo, sem qualquer tipo de tratamento, e contamina os peixeis e as populações que se alimentam deles. Foto Rogério Assis/ISA

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