Por Alceu Luís Castilho, em Outras Palavras –
Blogueiro do UOL e líder da ONG Repórter Brasil não é uma vítima isolada entre jornalistas; mas pode ser símbolo de um movimento necessário pela democracia
Leonardo Sakamoto costuma encarar as violências verbais de seus leitores com uma dose de humor. Desta vez está sendo impossível. Após ter um texto sobre aposentados distorcido em um arremedo de jornal mineiro, está sofrendo ameaças de morte. “A situação tem piorado bastante”, escreveu, nesta quarta-feira. Os difusores de ódio querem vingança. Não por causa da mentira que foi propagada por pseudoprofissionais. Mas por sua defesa sistemática dos direitos humanos.
O caso diz respeito a todos os jornalistas do Brasil. A categoria está sendo economicamente massacrada. Atordoada, sem rumo definido. Precisa, porém, achar forças para sair ao menos das cordas do fascismo. A redefinição dos rumos profissionais, neste novo mundo sem carteira assinada, precisa ser acompanhada pela reafirmação de seu papel na garantia dos direitos humanos fundamentais. E é por isso que o caso Sakamoto se torna um símbolo.
O jornalista se tornou conhecido pelo trabalho na ONG Repórter Brasil, especializada no combate ao trabalho escravo. Mas ganhou notoriedade com seu blog no UOL, onde se afirmou na defesa de direitos das minorias. É professor da PUC-SP e cientista político – condição evocada pelo jornaleco mineiro para distorcer suas afirmações irônicas, como se ele tivesse defendido que aposentados devem morrer. (Estava justamente dizendo o contrário.)
CONTEXTO ADVERSO
Na década de 70 boa parte dos jornalistas era engajada. Muitos eram comunistas. Até mesmo em chefias de redação. Lutavam contra a ditadura. A partir dos anos 80 o perfil começou a mudar. E o individualismo dos anos 90 (quando Sakamoto estudava Jornalismo na USP, em São Paulo) atingiu em cheio as redações – que, desde os anos 2000, começaram a ser esvaziadas. Cargos de editores e colunas foram sendo cada vez mais ocupados por defensores das ideias dos patrões.
Defensores de direitos passaram a ser encarados como uma espécie de extraterrestres nas redações. Como se estivessem defendendo uma revolução, e não conquistas da humanidade afirmadas pelo próprio capitalismo no pós-guerra. Salvo exceções, esses jornalistas particularmente atentos às suas funções foram para as bordas da grande imprensa. Um dos grandes méritos de Sakamoto foi mostrar que existe espaço, sim, para esse tipo de profissional. Demanda. Leitores.
A exposição teve consequências. A personalidade forte do blogueiro (ou até mesmo sua figura física, inconfundível), seu texto claro, didático e seu estilo por vezes blasé, recheado de ironias conta os difusores do ódio, acabaram formando um séquito de admiradores e catalisando a fúria dos internautas mais intolerantes, aqueles entre a barbárie e a extrema direita, legitimados nos últimos anos por uma política pusilânime dos portais e do Ministério Público.
Sakamoto não é vítima de inocentes criadores de memes. É vítima de fascistas. E é como tais que eles precisam ser encarados. Não é preciso ser jornalista para combater o fascismo. Mas chamam a atenção certos silêncios. Os sindicatos do setor esvaziaram-se. E se afirmam como os principais distraídos em relação a essa escalada contra a liberdade de expressão. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) tornou-se um arremedo da instituição que lutou contra a ditadura.
Enquanto isso, longe dos grandes centros, jornalistas menos conhecidos continuam sendo assassinados – e o número tem aumentado. Ou calados. Um colunista sergipano foi condenado por escrever uma crônica – uma ficção – sobre um desembargador coronelista. Assistimos a tudo isso sem a ênfase necessária. Como se fosse admissível a existência de liberdade de expressão em apenas algumas ilhas de democracia. E os ovos foram sendo chocados. Agora estouram na metrópole, supostamente mais à vista do poder político. E há quem não queira enxergar.
REAÇÃO NECESSÁRIA
Não é preciso ser de esquerda para defender Sakamoto e cada jornalista ameaçado pelo exercício de sua profissão. Basta ter algum apego por esse mínimo de democracia em que vivemos. Advogados, organizações de direitos humanos, sindicatos e partidos (partidos que ainda tenham algum ponto de contato com a democracia efetiva, não apenas os joguinhos do poder) precisam olhar para esses e outros casos com a plena consciência de que não se trata apenas de uma reivindicação corporativa. E sim de compromisso com o país.
O envolvimento de outros setores da sociedade, porém, não exclui a necessidade de mobilização da categoria. Individualmente, o jornalista acionou seus advogados. Mas é preciso bem mais que isso. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) tem sido uma voz isolada em relação à violência contra jornalistas em manifestações. Outras iniciativas precisam ser tomadas. Jornalistas que trabalham em um campo contra-hegemônico lidam com algumas situações específicas e talvez seja esta a hora de começarem a se comunicar melhor e com mais frequência.