Por *João Tavares, jornalista
Sim! Amigos, discos e livros serão sempre imprescindíveis. Com a irreversível avalanche das redes sociais os amigos tornaram-se virtuais, os discos fugiram do acetato e os livros são enxotados do papel para frias telas diáfanas. Mas nada supera o prazer de um papo, de um chope e do futebol com a turma de sempre. E nada supera pegar um disco nas mãos (LP ou CD, quem se lembra disso!) ou folhear um livro com o cheiro de tinta entrando pelas narinas enquanto as mãos o desnuda, página por página.
Para quem ainda se importa com isso, a ‘Garoa Livros’ está lançando uma obra espetacular. O livro ‘PELÃO – a Revolução pela Música’ que conta com um acervo fotográfico de comer com os olhos e ver com as mãos. Como se isto não bastasse, com um texto repleto de informações inéditas em uma prosa enxuta, o jornalista, escritor e pesquisador Celso de Campos Jr. nos coloca numa mesa de bar compartilhando tempos e histórias de artistas, nem sempre reconhecidos com a grandeza que merecem, que fizeram da Música Brasileira uma das mais criativas do mundo.
Aldir Blanc reconhece que nossa dívida cultural com Pelão é altíssima e nunca será paga. Inspirado em si mesmo, ele registra que ‘o apreço não tem preço’. De Nelson Cavaquinho a Inezita Barroso; de Cartola a Carlinhos Vergueiro; De Adoniran Barbosa ao Quinteto Violado; de Carlos Cachaça a Radamés Gnatalli; entre tantas outras feras, tudo passou pelo talento, teimosia e percepção de ver além do próprio tempo do produtor cultural João Carlos Botezelli.
Um visionário, como diriam os adeptos dos superlativos! O que Pelão fez por tantos artistas brasileiros impediu que grande parte deles ficasse ao ‘Deus dará”, como o infeliz amigo da mesma canção lembrada pelo Aldir.
Resenha não é lugar para spoiler. Por isso não vou contar qual música criou um ‘climão’ entre Beth Carvalho e Elis Regina. Só adianto que as duas ‘brigaram’ por uma canção do Nelson Cavaquinho. Também não darei detalhes da implicância da censura com Adoniran Barbosa. E não falarei sobre o rabugento dono de gravadora que para não gravar Cartola ‘confundiu’ os sons da cuíca do Mestre Marçal com os latidos de um cão.
Sobre os sensíveis e emotivos capítulos escritos sobre Donga e Raphael Rabello não adiantarei nada, até para não profanar tão belos textos. Nem contarei como Pelão cruzou com Carlinhos Vergueiro, um artista que não se entrega a modismos e não se verga as exigências de mercado.
Histórias sobre Nelson Sargento e Guilherme de Britto ficam guardadas para leitores de fino gosto que não se arrependerão de passear pela obra completa. Drummond, Villa Lobos, Antonio Candido, Pixinguinha, Guilherme de Brito Demônio da Garoa… também fazem figuração por lá.
O livro, acima de tudo, resgata o que Pelão fez pela Música Brasileira (maiúsculas propositais) em dezenas de discos que produziu. Todos eles remando contra a maré e primando pela qualidade em cada artista escolhido, cada nota gravada, cada músico escalado para as gravações. Pelão não gravava discos para atender ao mercado e fazer crescer o faturamento das gravadoras. Produzia documentos para ficar para a história.
O livro também coloca Celso de Campos Jr. no panteão dos grandes memorialistas da música brasileira. Com idade para ser neto de Ruy Castro ou Sergio Cabral (o jornalista e não o político, que ninguém confunda!) Celso já ocupa o seu lugar como grande escritor que é.
Palmeirense, com a intimidade com as palavras que Ademir da Guia tinha com a bola, ele tem tudo para ser nosso grande artilheiro das letras. Do Barcelona ao Íbis, sempre haverá lugar para o talento do Celso.
*João Tavares é um jornalista que ama futebol (ainda dá suas caneladas numa bola); afoga-se em livros e só toca música brasileira na sua ‘rádio cabeça’.