Por Katia Guimarães, Socialista Morena –
Na contramão do combate à violência contra a mulher travado diariamente no país, a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) saiu hoje em defesa do conterrâneo e ex-colega de RBS, senador Lasier Martins (PSD), acusado de agressão física e psicológica contra sua mulher, a jornalista Janice Santos. A denúncia foi registrada, na semana passada, na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) de Brasília, onde Janice compareceu, acompanhada de testemunha, e realizou exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML).
A jornalista acusou o marido, de quem está se separando, de tê-la agredido inclusive utilizando um cinto. O caso foi parar também no Senado, onde a Procuradoria Especial da Mulher cobrou celeridade e rigor nas investigações. “Estaremos atentas e acompanharemos os desdobramentos de tão lamentável acontecimento. Faremos o que for necessário para ver o caso elucidado, pois reafirmamos nossa convicção de que a vida sem violência é um direito inalienável de todas e de todos”, diz a nota assinada pelas senadoras.
Hoje Lasier subiu à tribuna para se queixar que se trata de um “problema pessoal, que deveria ter ficado restrito a uma vara de família”. Sem fazer referência direta à denúncia, o senador se disse “defensor da Lei Maria da Penha” e citou a filha da ex-mulher, que, segundo Janice, presenciou as agressões, que ele nega. “No drama pessoal a que qualquer pessoa está sujeita, há uma criança. Há uma menina de 10 anos, uma menina talentosa, cativante, muito querida, que não pode sofrer efeitos negativos, deletérios sobre o cenário que foi armado”, afirmou o senador gaúcho.
Lasier chegou a dizer que a repercussão do caso ultrapassou os limites e que só não abre mão do foro privilegiado para acelerar o processo porque “não pode”. “Naquilo que depender de mim, o processo judicial andará muito rápido, porque eu quero ver o fim desse dilema que se transformou num pesadelo injusto. E quando me perguntam: mas por que não abre mão do foro privilegiado? Se eu pudesse, já teria feito, mas é imperiosidade constitucional, é prerrogativa da função e não da pessoa. Então, se pudesse, eu estaria abrindo mão do foro privilegiado”.
A ex-colega de RBS Ana Amélia se recusou a assinar a nota das senadoras e criticou que a denúncia esteja sendo tratada com “dois pesos e duas medidas”. “Houve casos semelhantes, análogos aos seus, envolvendo colegas que não tiveram o mesmo tratamento”, disse, sem citar quais. “Eu queria apenas ressaltar, como jornalista, sua colega, que trabalhamos numa empresa, a forma sempre respeitosa que V. Exª teve com as colegas jornalistas e também das informações que tenho sobre a sua convivência familiar com a sua família. É muito difícil, num caso estritamente pessoal e particular, íntimo, porque é a sua palavra e a palavra da pessoa que o denunciou.”
A declaração de Ana Amélia causou indignação entre as senadoras que têm atuado no enfrentamento à violência contra a mulher. “Houve fatos anteriores. Verificamos antecedentes de todos. E aqueles em que havia um processo à época do acontecido, em que houve denúncia, nós nos posicionamos da mesma forma”, reagiu Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), procuradora Especial da Mulher no Senado. “Nós brigamos muito contra aquele velho ditado que diz ’em briga de marido e mulher, ninguém põe a colher’. Põe a colher, sim”, afirmou.
A última alteração na Lei Maria da Penha foi justamente nesse sentido, para permitir que a agressão seja denunciada à revelia da vítima. O Supremo Tribunal Federal decidiu que o Ministério Público pode entrar com a ação penal, em casos de violência doméstica, mesmo que a mulher decida voltar atrás na acusação contra seu companheiro. A ideia é que o Estado proteja a vítima mesmo quando ela se mostra incapaz de fazê-lo. Esta decisão tornou possível, por exemplo, que a suposta agressão do cantor Victor à mulher continue a ser apurado pela polícia, mesmo que ela tenha recuado da queixa.
“Nós não poderíamos nos omitir de maneira nenhuma. Seja parlamentar, seja lá quem for, nossa posição aqui é um dever, uma prerrogativa que a gente tem. Repito, o que se quer é a investigação, é a apuração e que tudo seja feito com muita seriedade, para que ao final a verdade venha à tona”, disse a senadora Fátima Bezerra (PT-RN).
Nessa quarta-feira, 5 de abril, será instalada no Senado a Comissão Mista de Combate à Violência Contra a Mulher, com a divulgação de relatório do Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), que aponta que, em 2014, houve 4,6 assassinatos a cada 100 mil mulheres no país. Do total de vítimas, 62% eram negras ou pardas.
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