Por Vanilda Oliveira, Facebook –
Nossa Senhora do Post Curto, a santa protetora das mulheres prolixas que nasceram analógicas, é testemunha de quantas velas virtuais acendi para me proteger dessa tentação. Não adiantou. Capitulei e, neste momento, estou nas garras dele: o tão odiado “textão”. Iniciantes, preguiçosos e afoitos peguem alho, estaca e se afastem dessa tela, porque a escrita vai ser longa.
Li neste casulo de vaidades chamado Facebook críticas ácidas a manifestações de tristeza e luto pelas mortes no ‘atentado’ em Barcelona, ontem (17/08). O argumento dos críticos é rasteiro. E raso. Tem a mesma profundidade filosófica que permitem as quatro linhas visíveis em letras grandes que Zukerberg nos brinda para atrair leitores apressados a chegar no próximo post.
Bradam os críticos ao choro por Barcelona que lá morreram 16 “e todo mundo lamenta”, “enquanto aqui morreram 160, 200…por violência, fome”, sei mais o quê, e ninguém posta nada.
A dor, assim como o prazer, é um dos poucos fenômenos que ainda não podemos compartilhar. Falo daquela dor que só a gente sente quando o dentista enfia uma agulhinha fina na gengiva exposta ou da vontade de nunca mais sair da cama, porque jamais poderemos olhar nos olhos do pai, do irmão que morreu. A dor vinda da perda é indivisível, única…dói diferente para cada um, para cada perda, forma e perda.
É pequeno, egoísta, ignorante e intolerante medir dores e lutos, comparar perdas e mortes.
É natural a consternação com o terror em Barcelona, a milhares de quilômetros daqui. A ciência deve explicar (não tenho saco nem conhecimento pra falar disso). Muito menos acúmulo ou disposição pra dissertar sobre a tal “banalização” da morte…blábláblá. Quem quiser que o faça. Não lerei.
Todas as mortes idiotas me chocam, me doem, me machucam, me marcam, me fazem sofrer. Chorei rios a minha vida inteira com a estética da guerra e da fome usada à exaustão pelos cineastas que embelezam, com filtros, gente morrendo de fome na África ou se matando no Leste Europeu e nas “Grandes Guerras” que ensanguentaram o mundo desde sempre.
Morro um pouco junto com pais e mães que perderam filhos para as drogas, a Aids (como a minha), para a paralisia da Medicina ante a falta de dinheiro, quando o paciente é pobre.
Sonhei noites inteiras com as ilhas devastadas pela força do mar ou das entranhas da terra. Chorei pelos que choravam os corpos nunca encontrados no que restou após a passagem de ondas gigantes e outros vômitos da natureza.
Sofro quando ouço no rádio que mais um motoboy foi atropelado, morto e largado como vira-lata no meio-fio. Dói mais ainda saber que muitos desdenham daquele corpo jovem sem vida porque “não gostam dos apressados sobre duas rodas”, mas não vivem sem a pizza ou o remédio que eles entregam a jato.
Choro as vítimas da intolerância, da homofobia, do preconceito que morrem todos os dias, nas esquinas do mundo, só porque alguém acha que eles são diferentes.
Choro e me enluto pelos encarcerados, moradores de rua…aqui ou no Paquistão, que perdem a vida por culpa do Estado mínimo e da ganância máxima dos homens no poder e do Santo Mercado.
Morrerei inconformada e chorando pelas mortes produzidas pela escravidão, todos os tipos de escravidão, mas principalmente da escravidão dos negros, dos africanos, dos reis que aqui viraram prisioneiros. Esse é meu eterno luto social.
Chorar por Barcelona não me torna indiferente ou menos solidária a mortes violentas aqui ou no Congo. As cidades que vivem de turismo, caso da capital catalã e de quase toda a Europa, abriga o mundo em suas esquinas.
Gente rica, pobre, estudante, idosos, crianças, mochileiros, negros, brancos, trabalhadores, gente que nasceu ontem e gente que viveu tudo e em todas as esquinas da vida.
Atentados como os que atingiram Barcelona, Paris e Londres recentemente são a expressão da covardia, do fanatismo, da falta de possibilidades, da ignorância, da instrumentalização do ser humano por outro ser menos humano, mas com poder.
É algo impossível de prever, combater, erradicar. Não tem CIA nem “inteligência de segurança” no mundo capaz de evitar mortes como essas. São como uma tsunami social. Quem domina a força da natureza? Quem domina o poder do homem de destruir? Nada, ninguém.
Em qualquer lugar do mundo, as mortes causadas pela fome, pela violência, pelo desemprego (sim, desemprego mata) pela doença, pela falta de remédio e de hospitais, de saneamento básico, de vacinas, enfim, pela falta de Estado e de escrúpulos de quem lucra com a miséria, essas sim são previsíveis e evitáveis. Porém, não menos doloridas e merecedoras de grito e luto. E eu sempre gritei e, com a palavra, lutei contra elas.
Vivi por 15 anos a certeza de que todas essas mortes “evitáveis” seriam reduzidas e, sim, foram e estavam sendo reduzidas, porque quem eu elegi foi ao cerne do problema: a miséria e a desigualdade. O retrocesso por meio de um golpe põe em risco a tudo que foi construído. Isso é inquestionável. Ponto. Não discutirei;
“Reduzirei” a política a esse parágrafo acima para voltar a Barcelona, porque não nasci em junho de 2013. Ponto.
Não respeito todas as opiniões, não. Isso é mentira, ninguém respeita.
Por fim, digo a quem criticou os que, como eu, choraram e expuseram sua dor por Barcelona: pra mim, o mundo é meu, seja SP ou Madrid. Todos os povos merecem o meu choro, todas as mortes estúpidas merecem meu luto e a sua ignorância, o meu perdão. Mas como não acredito em perdão. Não tá perdoado.
Choro por quem eu quiser…choro até por gente como essa, que se diz contra a intolerância, mas não tolera expressão de amor se não for amor por quem ele acha que merece.