Ângela Carrato: Até quando a mídia corporativa continuará trabalhando contra o Brasil e o povo brasileiro?

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Mídia, Mentiras e a outra narrativa pedida por Lula

Por Ângela Carrato*, compartilhado de Viomundo




Na foto: Brasília, 30/05/2023: Fotografia oficial dos presidentes dos países da América do Sul, reunidos em Brasília, no Palácio do Itamaraty, Foto: Ricardo Stuckert/PR

Lula na abertura da reunião dos presidentes de países da América do Sul, em 30 de maio, no Palácio Itamaraty. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Histérica. Assim pode ser definida a cobertura da mídia corporativa brasileira à reunião do presidente Lula com os colegas sul-americanos, que aconteceu em Brasília, terça e quarta-feira desta semana.

Disposta a criticar Lula tanto na política interna quanto externa, essa mídia se prendeu basicamente ao discurso-desagravo que ele fez ao presidente venezuelano Nicolás Maduro e, a partir daí, tentou descontruir um dos mais importantes esforços da diplomacia brasileira que remonta ao início dos anos 2000: a criação de uma entidade voltada para a integração do subcontinente.

Desde que as colônias da Espanha e de Portugal na América do Sul se tornaram países independentes, o que ocorreu no início do século XIX, nunca houve registro de que os seus dirigentes tivessem sequer se encontrado.

Desenhos e pinturas presentes em museus, não registram nada a respeito. Naquela época não havia fotografia e muito menos vídeos.

Até meados do século XX, os presidentes brasileiros pouco viajavam. Quando deixavam o país, o destino era Europa ou Estados Unidos.

As pressões e intrigas dos Estados Unidos em relação aos dirigentes sul-americanos sempre foram tamanhas que muitos evitavam qualquer contato pessoal.

Foi o que aconteceu como o brasileiro Getúlio Vargas e o argentino Juan Domingo Perón. Experientes políticos e contemporâneos como chefes de Estado entre 1951 e 1954, eles jamais se viram ou trocaram um aperto de mãos.

Por si só, essa já seria razão mais do que suficiente para que a fotografia de mãos dadas dos 11 dirigentes sul-americanos (10 presidentes e um representante), no encerramento, da reunião com Lula ganhasse as manchetes.

O recorde anterior havia sido conseguido pelo próprio Lula, ao reunir, em 2008, quando da formalização da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), oito presidentes.

O jornal O Globo foi o único que estampou esta foto no alto da capa na edição de quarta-feira (31/5), mesmo assim atribuindo-lhe outro sentido, a partir do título “Líderes sul-americanos criticam Lula por defesa de Maduro”.

Como se não bastasse tentar inverter o sentido de união expresso na foto – ação que qualquer principiante em semiótica percebe – o jornal da família Marinho no editorial “Recepção de Lula a Maduro foi vexatória”, procurou assumir a postura de ditador de regras para o presidente brasileiro.

Na prática, o diário vocaliza os conhecidos interesses dos Estados Unidos contra o governo da Venezuela e contra essa importante iniciativa de Lula para retomar a integração da América do Sul, valendo-se de duas isoladas vozes alinhadas aos interesses do Tio Sam, uma de direita, o presidente do Uruguai, Lacalle Pau, e o presidente do Chile, Gabriel Bóric, que alguns, equivocadamente, consideram de esquerda.



Lula com o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Bóric, um ex-líder estudantil de 36 anos que assumiu o governo há pouco mais de um ano, não tem perdido oportunidade para hostilizar a Venezuela e seu presidente e tentar ser útil aos interesses da Casa Branca.

Não por acaso sua popularidade despencou de tal maneira, que seu governo está precocemente considerado encerrado, mesmo que formalmente dure até 2026.

Lula com o presidente do Chile, Gabriel Bóric. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Não satisfeita em dar destaque apenas aos adversários da integração, a família Marinho se valeu de seus comentaristas amestrados e de chargistas para atacar Lula e, principalmente, deixar de registrar o mais importante: a reunião foi um sucesso.

As forças estadunidenses e seus aliados devem ter perdido o sono, pois além da estratégia de integração, ela deve ser tocada por bancos públicos, formação de poupança continental e desdolarização econômica.

Se alguém ainda tinha dúvida de que na defesa dos interesses do Tio Sam, a mídia corporativa brasileira sempre jogou e joga junto, não tem mais.

E é bom que se diga que estão neste jogo jornais, emissoras de televisão e de rádio.

A cobertura que a Globonews fez da reunião de Lula com os presidentes sul-americanos transpirava raiva, com os fatos sendo substituídos por juízos de valor enviesados.

Basta lembrar que uma das atrações da emissora num dos momentos mais importantes da reunião foi a entrevista com o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto.

Neoliberal e bolsonarista, defensor do estado mínimo e do alinhamento do país aos Estados Unidos, ele é a própria antítese da integração sul-americana.

Mas se as emissoras do grupo Globo pareciam ter sede em Washington, as demais manchetes da mídia brasileira não ficavam atrás.

Folha de S. Paulo destacou na primeira página que “Uruguai e Chile criticam endosso de Lula a Maduro”.

O editorial seguiu pelo mesmo caminho, batendo em Lula por “Mesuras ao ditador”. No caso, o ditador, segundo o jornal da família Frias, é Nicolas Maduro, presidente da Venezuela.

Folha de S. Paulo é aquela publicação que proibia seus repórteres de se referirem a Bolsonaro como presidente de extrema-direita, quando era assim que a mídia internacional designava o ex-capitão.

Folha de S. Paulo é também o jornal que emprestava seus veículos para forças da repressão transportar presos e torturados, durante a ditadura militar (1964-1985), visando não chamar atenção dos defensores dos direitos humanos.

Já o jornal Estado de S. Paulo que, em 2018, considerou “uma escolha muito difícil” a opção entre Bolsonaro e Fernando Haddad para a presidência da República, conseguiu se superar.

Com o editorial “Lula envergonha o Brasil”, a publicação que já foi da família Mesquita e agora é financiada por representantes do mercado financeiro, se arvora em falar em nome da população brasileira.

Posturas deste tipo certamente estão na raiz da vertiginosa queda na circulação destes jornais. Somados esses diários imprimem, por dia, magros 170 mil exemplares. Um nada, se levado em conta que a população brasileira é de 220 milhões.

Não falta quem preveja para muito breve o fim dos jornais no suporte papel e a migração dos que sobrarem para as plataformas das big techs.

Razão para no Brasil, além do combate ao governo Lula, a velha mídia também se encontrar em meio a uma guerra particular para tornar obrigatória a remuneração do conteúdo que produzem pelas plataformas por onde circulam.

Essa guerra tem sido escamoteada através do apoio ao PL 2630, cujo objetivo é combater as fake news.

Mas como acreditar neste combate diante de coberturas e editoriais como esses?

Como acreditar que veículos que possuem história ligada à mentira e à manipulação da opinião pública, estejam preocupados com o necessário e urgente combate às fake news?

Voltando à reunião de Lula, é importante que seja feita não só a crítica do tipo de cobertura realizada pela mídia corporativa, como contribuir para colocar em cena a outra narrativa solicitada por ele ao presidente Nicolás Maduro em se tratando do que ocorreu na Venezuela.

É fundamental trazer à luz, o que, desde sempre, essa mídia escondeu de seu respeitável público quando se trata de integração regional ou de países que enfrentam a cobiça dos seus recursos naturais por parte dos Estados Unidos.

Nos países civilizados, a mídia corporativa antecede coberturas de grandes eventos com notícias e reportagens aprofundadas nas quais razões e objetivos são contextualizados e amplamente debatidos.

Se a mídia corporativa brasileira tivesse um mínimo de seriedade, informaria que o sonho de uma América do Sul unida remonta há quase dois séculos e teve como primeiro expoente o venezuelano Simón Bolívar (1783-1830).

Bolívar dedicou a vida à luta contra os espanhóis e foi peça chave na independência da Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia.

Inspirado por ideias iluministas, ele sonhava com a unidade das nascentes repúblicas e se inspirava nas mudanças políticas em curso nos Estados Unidos.

No fim da vida, já muito doente, se desencantou ao perceber que as ideias inovadoras que tanto apreciava no grande país do norte, só valiam para lá.

Exemplo disso é a doutrina anunciada pelo presidente James Monroe, em dezembro de 1823.

Em mensagem ao Capitólio, ele defendeu o continente americano livre da interferência dos europeus.

Num primeiro momento, “a América para os americanos” foi saudada como algo positivo. Até para as ex-colônias espanholas, a doutrina Monroe parecia reforçar a independência que haviam conquistado.

Rapidamente, no entanto, a verdadeira face desta doutrina apareceu: a América era pensada apenas para os estadunidenses.

É essa visão que prevalece nos Estados Unidos. Visão mais acentuada agora em que a Casa Branca sente sua hegemonia abalada diante do surgimento de novos polos de poder no mundo, a exemplo da China e do próprio BRICS, e tenta reforçar o controle sobre o seu “quintal”.

Desde o início dos anos 2000 que a maioria dos países da América do Sul sabe da importância da unidade para o desenvolvimento de cada um e de todos eles, especialmente diante de ideias formuladas pelos Estados Unidos como a da criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), a partir da redução gradativa das barreiras alfandegárias e tarifas entre os países pertencentes ao bloco.

A proposta foi abraçada com unhas e dentes pela mídia corporativa brasileira, que passou a divulgar a ideia vendida pelos Estados Unidos de que o crescimento econômico, assim como o socorro financeiro em caso de necessidade, seria ocasionado pela criação deste bloco liderado pelos Estados Unidos.

Vários países, inclusive o Brasil, não aceitaram a proposta, pois percebiam um claro favorecimento para os Estados Unidos, que passariam a ter nos países da América Latina mercado cativo para seus produtos.

Por possuir a indústria mais desenvolvida e ter vantagem competitiva em relação aos preços, os países da região não teriam como competir com os Estados Unidos. Em outras palavras, a ALCA serviria para aguçar a dependência em relação ao Tio Sam.

Na proposta inicial formulada por Bush, todos os países do continente fariam parte da ALCA, exceto Cuba, economicamente embargada pelos Estados Unidos desde os anos 1960. Motivo: os Estados Unidos não admitem o socialismo vigente na ilha caribenha, num nítido desrespeito à soberania de outro país.

A ALCA seria também uma forma de liquidar o Mercosul, tratado de comércio existente entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, em vigor desde 1989, cujo objetivo é promover a integração dos países da América do Sul, especialmente os do Cone Sul.

É desnecessário lembrar que o Mercosul foi sabotado pelos Estrados Unidos e combatido implacavelmente pela mídia brasileira desde a sua criação.

Em 2005, numa reunião de presidentes da América do Sul, a ALCA foi definitivamente rechaçada, ao mesmo tempo em que começava tomar corpo a ideia do que viria a ser a Unasul, encabeçada pelo Brasil, Argentina e Venezuela.

Fruto da convergência programática de vários outros governos à época na América do Sul, como Bolívia, Equador, Paraguai e Uruguai, a cooperação não estaria atrelada apenas a fatores comerciais.

A Unasul tinha por objetivo principal construir um espaço de diálogo e articulação no âmbito cultural, econômico e político entre seus membros.

Diversos órgãos foram criados para tanto, a exemplo do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), conselhos específicos para saúde, infraestrutura e planejamento, desenvolvimento social, ciência, tecnologia e inovação e luta contra o narcotráfico.

Com a chegada ao poder de governos neoliberais e alinhados aos Estados Unidos como Temer, no Brasil, Macri, na Argentina, Kuccynski, no Peru, e Sebastian Piñera, no Chile, teve início, em 2016, a crise na Unasul.

Ela se tornou aguda quando o então secretário da entidade, o colombiano Ernesto Samper, que presidiu seu país de 1994 a 1998, deixou o cargo em 2017, em protesto contra o golpe que derrubou Dilma Rousseff.

Nada disso recebeu o devido tratamento por parte da mídia brasileira, que foi parte integrante do próprio golpe contra Dilma.

Com a volta de Lula ao poder e o mundo passando por acelerada transformação era natural que se buscasse retomar os trabalhos da Unasul.

No mundo multipolar que se delineia, os blocos regionais possuem importância decisiva, seja do ponto de vista geopolítico e econômico, seja para o dia-a-dia do cidadão.

Até porque decisões envolvendo guerras e sanções a outros países redundam em inflação e empobrecimento para a maioria.

Além de esconder isso do público, a mídia corporativa praticamente omitiu o avanço alcançado nesta reunião, como ficou patente na nota final divulgada, o Consenso de Brasília.

Brasília, 30/05/2023: o presidente Lula se reúne com presidentes de países da América do Sul, no Palácio do Itamaraty. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os nove pontos do Consenso reafirmam a visão comum de que a América do Sul constitui uma “região de paz e cooperação”, comprometida com a democracia, os direitos humanos, a defesa da soberania e a não interferência em assuntos internos, num momento em que os Estados Unidos fazem de tudo para arrastar os governos da região para sanções e oposição à Rússia, na guerra na Ucrânia.

Daí, concordarem que o mundo enfrenta muitos desafios e ameaças à paz e ressaltarem que “a integração regional deve ser parte das soluções para enfrentar esses desafios”.

Os signatários comprometem-se a trabalhar para o incremento do comércio e dos investimentos entre os países da região, para a melhoria da infraestrutura logística, o fortalecimento das cadeias de valor, a facilitação do comércio e da integração financeira, e a superação das assimetrias.

Em 120 dias deverão ser apresentadas propostas concretas neste sentido.

São enumeradas, inclusive, iniciativas que devem ser promovidas com vistas à cooperação sul-americana envolvendo necessidades imediatas de cidadãos vulneráveis, em especial os povos indígenas.

Para a mídia corporativa, o único aspecto destacado em tudo isso foi a não referência à Unasul na nota final.

Será que isso invalida tudo o mais acordado?

A título de exemplo, basta lembrar os nomes que assumiram a integração europeia antes do atual União Europeia (UE): Comunidade Econômica do Carvão e do Aço (CECA) e Comunidade Econômica Europeia (CEE).

Antes de ser Unasul, o projeto de integração era denominado Comunidade Sul-Americana de Nações e unia o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações (CAN), existente desde 1969 e integrada pela Bolívia, Colômbia, Peru e Equador.

Não estou entre as pessoas que acreditam que Lula tenha errado ou exagerado no tom do discurso em relação ao presidente Nicolas Maduro e à Venezuela.

Brasília, 29/05/2023: o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, chega ao Palácio do Itamaraty para almoço com o presidente Lula e demais lideranças da América do Sul. Foto Antônio Cruz/Agência Brasil

Há muito que os governos democráticos da América do Sul devem um desagravo à Maduro, por tudo que o país tem enfrentado, motivado exclusivamente pelos interesses dos Estados Unidos em se apropriar do petróleo alheio.

Detentora da maior reserva petrolífera do mundo, o ouro negro teve seu primeiro poço perfurado na Venezuela em 1913, menos de quarenta anos após sua descoberta na Pensilvânia, nos Estados Unidos.

A diferença entre os dois países é que a maioria da população venezuelana precisou aguardar até 1998, com a chegada de Hugo Chávez ao poder, para começar a ter acesso aos benefícios desta riqueza.

Mesmo o dinheiro correndo solto na Venezuela, a diferença no padrão de vida entre ricos e pobres era abissal. Situação que se manteve inalterada em quase todo o século XX, com governos ditos como “democráticos” se sucedendo através de um mecanismo denominado “punto fijo”.

Através dele, os três principais partidos liberais se revezavam no poder, sob aplausos dos Estados Unidos, que consideravam a Venezuela “exemplo de democracia para o mundo”.

No Brasil, na República Velha (1989-1930) algo parecido foi adotado e entrou para a história como a aliança “Café com Leite”, em que os estados politicamente mais fortes – São Paulo e Minas Gerais – se alternavam na presidência da República.

O esquema do “punto fijo” funcionou na Venezuela por 30 anos, até que em 27 de fevereiro de 1989, em Caracas, uma explosão social de grandes proporções em repúdio ao pacote de medidas econômicas impostas pelo governo de Carlos Andrés Perez deixou como saldo milhares de mortos, feridos e muita destruição.

Para a população era inaceitável o preço dos combustíveis ter sofrido um brutal reajuste, num país com as maiores reservas de petróleo do mundo e dotado de refinarias.

A população das principais cidades da Venezuela reage ao pacote de medidas econômicas impostas pelo governo de Carlos Andrés Perez. O resultado é uma explosão social de grandes proporções em Caracas, que ficou conhecida como ‘’Caracazo’’. Fotos: TeleSur, Aporrea, La Jornada

Neste mesmo ano, um jovem militar ficou indignado ao ver milhares de manifestantes do povo sendo massacrados pelas forças do exército venezuelano.

O “caracazo”, como a manifestação foi denominada, ajuda a entender a tentativa de golpe de Hugo Chávez em 1992, na medida em que ela era apenas um dos sinais que dava uma sociedade gravemente doente, na qual os 10% mais pobres detinham apenas 1,6% da renda nacional, enquanto os 10% mais ricos abocanhavam 32%.

A rebelião popular funcionou como um catalizador, acelerando os planos do movimento clandestino liderado por Chávez denominado Movimento Bolivariano 200.

O bolivariano aí se refere a Simón Bolívar e ao seu sonho de uma “pátria grande”, conceito através do qual os estados da América hispânica deveriam constituir uma só unidade política ou Estado, podendo incluir toda a América Latina e mesmo o Caribe.

Se a mídia corporativa brasileira tivesse um mínimo de seriedade, informaria que o sonho de uma América do Sul unida remonta há quase dois séculos e teve como primeiro expoente o venezuelano Simón Bolívar (1783-1830). O movimento bolivariano liderado Hugo Chávez (1954-2013) e seguido por Nicolás Maduro se refere justamente a Simón Bolívar e ao seu sonho de uma “pátria grande”. Foto: Reprodução

Para encurtar uma longa história, três anos após o “caracazo”, o tenente-coronel Hugo Chávez tentava um golpe de estado que fracassa. Foi preso, cumpriu pena e ao deixar a prisão, seu nome era conhecido e admirado no cenário nacional.

Tanto que em 1998, com um partido fora do esquema tradicional e programa voltado para os mais pobres e a soberania nacional, vence as eleições para presidente. Entre seus compromissos estava o de direcionar a renda do petróleo para o desenvolvimento de sua população e do país.

Para encurtar uma longa história, três anos após o “caracazo”, o tenente-coronel Hugo Chávez tentava um golpe de estado que fracassa. Foi preso, cumpriu pena e ao deixar a prisão, seu nome era conhecido e admirado no cenário nacional.

Tanto que em 1998, com um partido fora do esquema tradicional e programa voltado para os mais pobres e a soberania nacional, vence as eleições para presidente. Entre seus compromissos estava o de direcionar a renda do petróleo para o desenvolvimento de sua população e do país.

Como os Estados Unidos já controlavam o petróleo venezuelano e faturava bilhões de dólares com isso, a trama para derrubar Chávez não demorou a ter lugar. Ela envolveu a embaixada dos Estados Unidos, a elite econômica local, parte dos militares e a mídia corporativa.

Em 2002, Chávez era vítima de um golpe que o deixou fora do poder por 47 horas.

Ele conseguiu retornar ao Palácio Miraflores, graças à parcela leal dos militares e ao apoio popular.

A partir daí, Chávez aprofundou importantes programas sociais, nacionalizou a exploração e refino do petróleo através da PDVSA, a Petrobras de lá, e, com sucessivas vitórias em 18 eleições, de um total de 20, e em três referendos populares, conseguiu alcançar maioria no Poder Legislativo e também na Suprema Corte.

Vale destacar que ao não disputar vários pleitos em sinal de protesto, a oposição foi perdendo espaço, mesmo sem jamais deixar de existir.

Chávez sempre denunciou o imperialismo dos Estados Unidos sobre os países da América Latina, em especial a cobiça sobre o petróleo e demais recursos minerais.

Em resposta, o Tio Sam passou a desenvolver uma intensa e permanente campanha para desmoralizá-lo, visando sua derrubada. Campanha que a mídia brasileira aderiu entusiasticamente.

Com a crescente necessidade de petróleo por parte dos Estados Unidos, os ocupantes da Casa Branca, independente de serem republicanos ou democratas, passaram a combater Chávez acusando-o, sem provas, de manipular eleições, de ser autoritário, ditatorial, corrupto e violador dos direitos humanos.

No governo Obama, as acusações se materializaram através de bloqueios e de sanções econômicas, visando indispor o presidente com a população.

A morte de Chávez em 2012, vítima de câncer, alçou seu vice e ex-ministro das Relações Exteriores ao poder.

Nicolas Maduro não possui o carisma de Chávez, mas tem conseguido levar o bolivarianismo, “o socialismo do século XXI”, adiante, mesmo em condições profundamente adversas. Para tanto, conta com o apoio da Rússia e da China, dois pecados mortais aos olhos dos Estados Unidos.

Basta lembrar que o governo venezuelano enfrenta nos dias atuais 900 sanções econômicas por parte dos Estados Unidos.

Sanções que sucatearam a indústria petrolífera, levaram milhares de pessoas à morte, por falta de remédios e outro tanto a deixar o país em busca de melhores condições de vida.

A Venezuela está impedida de importar produtos essenciais para o dia-a-dia de sua população e a mídia brasileira nunca mostrou isso para o seu público.

Para apertar ainda mais o cerco, o governo Trump estimulou o surgimento do impostor Juan Guaidó, autoproclamado presidente da Venezuela, e a ele destinou recursos de fundos que pertencem ao estado venezuelano.

Basta lembrar que a Justiça estadunidense autorizou, há poucas semanas, o processo de venda das ações da empresa Citgo, subsidiária da PDVSA nos Estados Unidos, depois de confiscar três refinarias (Texas, Illinois e Louisiana), três oleodutos, 48 terminais e 5,6 mil postos de gasolina dela espalhados pelo território daquele país.

Já a Suprema Corte do Reino Unido confiscou 31 toneladas de ouro da Venezuela, equivalentes a US$ 2 bilhões, referentes a reservas depositadas no Banco da Inglaterra. Parte desses recursos o governo inglês vem entregando a Guaidó e aliados para que façam campanha contra Maduro.

No auge da perseguição, Trump chegou a oferecer uma recompensa de US$ 15 milhões para quem capturasse Maduro, acusando-o, sem provas, de ter atuado nos últimos anos como “um cartel” que colaborou, participou e promoveu ações de terrorismo e narcotráfico, incluindo a Venezuela numa lista que já consta, entre outros, o Irã.

Pelo que se sabe, Biden não revogou esta inclusão.

A guerra na Ucrânia, no entanto, tem levado autoridades estadunidenses a manifestarem interesse no retorno do diálogo com Caracas, de olho no suprimento de petróleo, cada dia mais necessário diante do bloqueio do “Ocidente” à Rússia.

Quando o presidente Lula fala que Maduro precisa dar visibilidade a esta outra narrativa, é a questões deste tipo que ele se refere.

Lula sabe que a tentativa de destruir o adversário começa com a construção de uma narrativa que o transforme em demônio, dificultando que a maioria das pessoas conheça os fatos e se paute apenas pela versão divulgada.

No caso de Chávez, de Maduro e da Venezuela, a versão que a mídia corporativa brasileira divulga não passe de mera repetição de falas e ataques do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Sem uma contra narrativa, não há como desfazer a mentira de que o país é uma ditadura, que a culpa pela hiperinflação é do governo e não das sanções e do bloqueio econômico, que a oposição venezuelana é vítima de perseguição e os direitos humanos desrespeitados.

Raros líderes experimentaram perseguição política tão intensa e longa quanto Lula. Razão pela qual ele tem autoridade para sugerir a Maduro contar a sua versão da história e lutar para que ela seja vitoriosa.

Foi exatamente isso que Lula conseguiu fazer no Brasil, em se tratando da Operação Lava Jato, que também contou com a parceria de setores do governo e de serviços de espionagem dos Estados Unidos para tentar destruir a liderança de Lula e o PT.

Maduro é um santo? Claro que não. O regime venezuelano é perfeito? Longe disso.

Mas é inegável que Chávez e Maduro romperam com a dominação imperialista a que a Venezuela estava submetida.

Mais ainda: o socialismo do século XXI aponta, na prática, para outras possibilidades além da temerária “democracia” que os Estados Unidos pretendem impor ao mundo.

Talvez esse seja, exatamente, o ponto que mais preocupa os Estados Unidos em se tratando da Venezuela, da China, do Brasil e de todos os países que integram o Sul Global.

Países que defendem um mundo multipolar e longe de imperialismos de quem quer que seja.

Esperar que a mídia corporativa brasileira tenha um mínimo de seriedade e de decência para mostrar os fatos em relação à Venezuela como eles são é pura perda de tempo.

A mídia brasileira é controlada por poucas famílias e capacho do Tio Sam. Segue as ordens e os interesses de Washington.

Aqui Lula conseguiu desmascarar a farsa golpista, mas continua tendo que enfrentar diariamente mentiras e histerias.

Por tudo isso, a pergunta que fica é: até quando a mídia corporativa continuará trabalhando contra o Brasil e o povo brasileiro?

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.

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