Ângela Carrato: Lula dá um bailão em Bonner e Renata; a dupla não consegue pegá-lo em nada

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Do Oiapoque ao Chuí, o Brasil parou para ver e ouvir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Jornal Nacional.

Por Ângela Carrato*, compartilhado de Viomundo




Nas principais cidades e capitais brasileiras, janelas e varandas, desde o final da tarde, estavam fartamente iluminadas, indicando esperança, enquanto importantes influenciadores usavam suas redes sociais, para anunciar voto em Lula no primeiro turno.

Para muitos, Lula deu um show. Outros preferiram definir sua atuação nesta entrevista como aula sobre bem governar o Brasil.

Ele não respondeu apenas como um ex-presidente que deixou o cargo com consagradores 87% de aprovação popular. Respondeu com a clareza de um líder que sobreviveu e deu a volta por cima em todo tipo de provocação e perseguição.

Já o comportamento dos entrevistadores Willian Bonner e Renata Vasconcellos só surpreendeu a quem não conhece a história do Grupo Globo e de sua permanente participação em todos os golpes contra governos progressistas no país.

Iniciar a entrevista com o tema corrupção era absolutamente previsível, especialmente depois que se soube do acordo firmado entre a família Marinho e Bolsonaro para que nada sobre esse assunto lhe fosse perguntado na entrevista de segunda-feira, que abriu esta série do JN.

Tanto que não se ouviu uma única palavra de Bonner ou Renata sobre denúncias de corrupção envolvendo os filhos de Bolsonaro ou sobre sua esposa (“rachadinhas”, loja de chocolate, depósito de R$ 89 mil na conta de Michelle).

Mas se Bonner foi Tchutchuca com Bolsonaro, sua tentativa de ser Tigrão com Lula ficou desmoralizada.

Lula, de forma clara, enfatizou que toda corrupção deve ser investigada e punida, explicando que foi exatamente isso o que fez em seu governo. E ainda aproveitou a oportunidade para desmascarar a falsa narrativa de que a Operação Lava Jato recuperou fortunas para o país.

A partir deste momento, com Bonner um tanto desconcertado e Renata tentado socorrer o colega, Lula assumiu as rédeas da entrevista.

Disse o que quis e os dois tiveram que se contentar em ouvir o que não queriam. Por exemplo: que o grande equívoco da Operação Lava Jato foi enveredar pela política com o objetivo de tentar condená-lo.

É importante lembrar que o Jornal Nacional foi o responsável por transformar os hoje desmoralizadíssimos ex-juiz Sérgio Moro e ex-procurador Deltan Dallagnol em “heróis nacionais” no combate à corrupção.

Uma longa parte da entrevista, na tentativa de colocar Lula contra a parede, foi dedicada a questões envolvendo Ministério Público, independência da Polícia Federal, e atuação do procurador-geral da República.

Novamente, não deixa de ser curioso observar que essas perguntas foram feitas para Lula e omitidas na entrevista com Bolsonaro, quando se sabe que uma das vergonhas deste país tem sido a maneira pela qual o atual ocupante do Palácio do Planalto lida com estes órgãos.

Também, nesse tema que os entrevistadores imaginavam que pudesse criar constrangimento para Lula, ele surfou.

A história que contou, lembrando que estava em viagem à Índia, quando ficou sabendo que a Polícia Federal iria fazer uma operação de busca na casa de um de seus irmãos (o que morreu quando estava preso), e não tomou nenhuma providência para tentar impedir, calou os entrevistadores.

A título de comparação, basta lembrar quantas vezes Bolsonaro trocou o chefe da Polícia Federal ou interferiu em investigações envolvendo seus familiares.

Não tratar desses assuntos com Bolsonaro também terá sido fruto de acordo?

Seja como for, Lula quase nocauteou os entrevistadores ao afirmar que o procurador da República não tem que ser amigo do presidente. “Tem que ser leal ao povo brasileiro”.

Não satisfeitos, Bonner e Renata tentaram conduzir a entrevista para uma avaliação do governo Dilma e, de forma quase patética, passaram a questionar Lula sobre a administração de sua sucessora.

Bem humorado, ele disse que a ex-presidenta havia lhe falado que, se começassem a perguntar muito sobre isso, era para falar para Bonner e Renata convidá-la para ir lá dar entrevista.

Ironia fina, uma vez que tanto Dilma quanto ele há anos foram colocados numa espécie de index pela família Marinho, proibidos de aparecerem no JN.

Lula não perdeu oportunidade para bater duro em Eduardo Cunha e Aécio Neves, lembrando que ambos impediram que Dilma conseguisse levar adiante o seu segundo mandato.

Como também por este caminho os entrevistadores não conseguiram nada, nenhum escorregão ou contradição que pudessem explorar, mudaram o assunto para a pauta econômica. E aí, o baile que Lula vinha dando neles, não teve mais limite.

O ex-presidente citou dezenas de estatísticas mostrando a situação em que encontrou o Brasil em 2003, praticamente quebrado, e como o deixou em 2010.

Lula estava tão senhor da situação, que chegou a antecipar em suas respostas, perguntas que Bonner ou Renata talvez quisessem ter feito. O melhor exemplo foi a sua declaração enfática em defesa de uma imprensa livre.

Ao fazer isso, Lula sabe que acionou, na cabeça dos telespectadores mais atentos, a estranheza por Bonner e Renata não terem perguntado nada sobre liberdade de imprensa a Bolsonaro, mesmo ele tendo ameaçado várias vezes cassar a concessão da própria Globo.

Será que foi pelo fato de Bolsonaro, na colinha que escreveu na palma da mão, ter colocado o nome do doleiro Dario Messer, cujas transações envolvem a família Marinho?

Nas demais tentativas para complicar a vida de Lula com aliados e com o vice Alkmin, a situação da dupla de entrevistadores não melhorou em nada.

Lula fez do que poderia ser um limão, uma limonada: elogiou Alkmin, defendeu o respeito aos adversários na política e, novamente, bateu pesado e de forma direta em Bolsonaro e na sua política de ódio.

A entrevista acabou servindo ainda para Lula, ao contrário do que pretendiam Renata e Bonner, explicar, pela primeira vez na TV Globo, o que é e qual a importância do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST): “o maior produtor brasileiro de arroz orgânico”.

Certamente não foi intenção da família Marinho, mas essa entrevista facilitou ainda mais a escolha do povo brasileiro em 2 de outubro.

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação da UFMG.

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