Publicado em RBA –
“Não reivindicamos inclusão numa sociedade racista, misógina, patriarcal e capitalista. Afirmamos o feminismo abolicionista”, diz filósofa e ativista feminista norte-americana
São Paulo – A filósofa e ativista norte-americana Angela Davis, símbolo da luta pelos direitos civis da população negra, esteve ontem (25) em Salvador, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), para falar da luta das mulheres negras, em um momento “difícil” no qual o mundo assiste a uma guinada à direita, com a ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos e o “golpe antidemocrático” ocorrido no Brasil. Para um auditório lotado, a professora do Departamento de Estudos Feministas da Universidade da Califórnia afirmou que, após a derrubada de Dilma Rousseff, o movimento das mulheres negras criou “a melhor esperança para o futuro do Brasil”.
A vinda de Angela Davis ao Brasil faz parte das celebrações do Dia da Mulher Negra Latino-Caribenha, comemorado nessa terça-feira, com atos em diversas partes do país, e também do Julho da Pretas, que marca o mês com discussões e palestras sobre a identidade negra. Ela destacou a longa história de luta pela liberdade e a herança cultural e religiosa das mulheres negras na Bahia, citando, como exemplo, a Irmandade da Boa Morte, uma confraria de mulheres negras que existe desde o século 19.
Em palestra intitulada “Atravessando o tempo e construindo o futuro da luta contra o racismo”, ela afirmou ser “indescritível” a sensação de viver num país liderado por Trump. “Nós resistiremos. Em todos os dias da administração Trump, resistiremos. Resistiremos ao racismo, à exploração capitalista, ao hetero-patriarcado, à islamofobia e ao preconceito contra pessoas com deficiência. Defenderemos o meio ambiente dos ataques insistentes e predatórios do capital.”
Angela também fez menção ao movimento Black Lives Matter (As Vidas dos Negros Importam), que, nos Estados Unidos, vem ganhando destaque nos últimos anos pela luta contra a violência policial que atinge mais incisiva e cotidianamente a população negra.
“Nós sabemos que as transformações históricas sempre começam pelas pessoas. Essa é a mensagem do movimento Black Lives Matter. Quando as vidas negras começarem a realmente importar, significara que todas a vidas têm importância. Quando a vida das mulheres negras importar, o mundo será transformado e saberemos, com certeza, que todas as vidas importam”, destacou a ativista.
Angela Davis também denunciou a política de encarceramento em massa, que também se desdobra em racismo institucional, já que afeta desmedidamente a população negra, e destacou a necessidade de se combater as formas institucionais e individuais de violência e cerceamento de liberdades dessas populações, mas sem esbarrar em uma perspectiva de vingança.
“Esta é a chamada feminista negra por formas de justiça que não sejam vingativas. Mulheres negras representam o futuro. Mulheres negras são a esperança de liberdade. Não reivindicamos inclusão numa sociedade racista, misógina, patriarcal e capitalista. Afirmamos o feminismo abolicionista”, afirmou.
Após a palestra, ela respondeu a perguntas de estudantes e jornalistas, e destacou a importância das manifestações culturais nos movimentos de resistência, como foi a música para o movimento abolicionista nos Estados Unidos, e ressaltou a importância de integração entre os jovens, que preservam a vitalidade da luta, e os mais velhos, que conservam o conhecimento acumulado. “Qualquer movimento que tenha expectativa de provocar uma mudança duradoura, deveria reconhecer a importância da comunicação entre diferentes gerações.”
Ela também manifestou solidariedade a Rafael Braga, jovem negro preso nas manifestações de 2013, por portar uma garrafa de desinfetante, considerado como material explosivo pelas forças de segurança e pela Justiça, e frisou a necessidade de cooperação internacional para a libertação de presos políticos.
Assista à palestra na íntegra, transmitida pela TVE Bahia: