WhatsApp Image 2019-10-21 at 13.11.18.jpeg
Foto: Douglas Mansur

A força de sua presença é proporcional à força da sua história, assim, a Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema/SP, recebeu neste domingo (21), a filosofa e ativista negra feminista Angela Davis.

Aos 74 anos, essa foi a primeira vez que Davis, considerada umas das mulheres mais importantes do século 20, esteve na cidade de São Paulo.




A atividade, organizada pela Fundação Rosa Luxemburgo, reuniu mulheres de diversas organizações sociais, além de representações políticas e artísticas.

Em sua fala Davis falou sobre a construção da igualdade e sobre como esse processo foi construído ao longo dos anos.

“Por muito tempo o Brasil serviu como um farol de esperança no que diz respeito às lutas sociais, especialmente em função da liderança de mulheres negras”.

WhatsApp Image 2019-10-21 at 13.11.17.jpeg
Foto: Douglas Mansur

Esse processo, segundo ela, “foi interrompido em 2016 com golpe parlamentar que tirou a então presidenta Dilma Rousseff do poder”.

“Diante disso eu pergunto: Qual significado da igualdade? Eu acho que esquecemos de nos perguntar como estamos definindo igualdade. De um modo geral, não falamos sobre a forma racista pela qual o padrão orgânico de igualdade perpassa e, principalmente, sobre o que significa para as mulheres alcançarem esse padrão? Quem fala sobre igualdade são os homens brancos. Será que isso significa que para alcançarmos igualdade deveremos nos tornar homens brancos?”.

Segundo Davis, para mudar esse padrão devemos desafiar as estruturas de poder em si: “O que aconteceria em nossa sociedade se as mulheres fossem o padrão de igualdade vigente? Durante a escravidão norte-americana as mulheres negras conduziram as escolas de madrugada dispostas a compartilhar conhecimento. É certo que o movimento de direito civis não teria acontecido sem as mulheres nos Estados Unidos, ainda assim, esse trabalho foi e é invisibilizado”.

Questionada sobre a atual conjuntura, Davis preferiu não citar os nomes dos presidentes dos Estados Unidos e do Brasil “porque em algumas culturas dizer certos nomes dá azar”, e falou sobre as possíveis saídas diante do atual contexto político e social enfrentado pelo Brasil.

“As mudanças acontecem como consequência do trabalho que fazemos na base, esse trabalho nos encoraja a pensarmos o futuro de forma diferente. Nós temos que aprender a reconhecer e dar os parabéns para as pessoas que desenvolvem e modificam as formas de pensar. Dentro dessa perspectiva, eu vejo que Marielle Franco – deputada estadual morta a tiros em março de 2018 no centro do Rio de Janeiro -, nos ensinou como organizar essas questões. À medida que ouço sobre ela eu me sinto triste por não tê-la conhecido, mas percebo que seu trabalho impulsionou uma grande quantidade de mudanças. Por isso, acreditem: o trabalho que desenvolvem aqui repercute em todo mundo”.

WhatsApp Image 2019-10-20 at 13.24.48 (1).jpeg
Foto: Dowglas Silva

O fim do colonialismo não significou o fim da ideologia colonialista

Ativista pelo fim do encarceramento em massa, Angela Davis, que no mesmo dia visitou a ativista e integrante do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), Preta Ferreira, ressaltou que esse é um problema que afeta principalmente às pessoas de maior vulnerabilidade social e que, diante disso, não podemos pensar as prisões sem redefinir o que seja democracia.

“Nos EUA usa-se o termo Reforma Prisional, o mesmo usado aqui no Brasil. Eu não gosto desse nome [reforma] porque não é possível reformar algo que já nasceu ruim. Uma segurança baseada em violência gera mais violência. Precisamos, antes de mais nada, abordar os motivos que levam as pessoas a parar nas prisões, do contrário, continuaremos sempre punindo com o cárcere”.

Sobre o papel da juventude nos processos de luta, ela reiterou que: “os jovens estão à frente das mudanças revolucionárias, temos que aprender muito com os jovens. Não só transmitir valores e experiência, mas aprender valores e também experienciar essa luta e sua forma orgânica de organização. Eu estou muito feliz de ver aqui no Brasil e em outras partes do mundo o impulso da juventude em prol de causas sociais. Essa é a certeza da continuação”.

Ao final de sua fala, Davis ponderou: “a situação parece ser muito difícil, vejo muita dor e sofrimento e, por vezes, nos esquecemos de que o maior dom de quem está na luta é que podemos criar beleza e alegria nas adversidades. O que me impressiona não é a violência com a qual temos que lidar todos os dias, mas a continuidade da luta. Não podemos nos esquecer de enxergar a beleza. Muitas vezes ficamos desgostosos, mas não podemos perder de vista a possibilidade de criar alegria na luta. Participei da minha primeira reunião política aos 10 anos, hoje aos 75, eu garanto que não trocaria meus anos de luta por nada nessa vida”.

Em uma lição sobre como resistir ao cotidiano, ela afirmou: “Estou entusiasmada de que nosso trabalho fará a diferença. Pode demorar anos, mas fará a diferença. Assim como hoje olhamos o passado e agradecemos todos aqueles que lutaram contra o racismo e contra todas as formas de opressão ao longo da história, nos agradecem pelo que estamos fazendo. Poder se envolver em lutas sociais é um presente para nós, para o mundo e para o futuro”, finalizou.

*Editado por Fernanda Alcântara