Por Washington Luiz Araújo, jornalista –
E o Bar do Gê continua fervilhando de pitacos, principalmente quando se fala em política e futebol. Ali, em volta do balcão do pé sujo mais pé sujo da periferia paulistana, o assunto do momento é o impeachment ou o golpe, de acordo com o gosto do freguês, contra Dilma Rousseff. Mas o que o sempre bem informado Chico Sabe Tudo trouxe para a conversa foi o que chamou de “trairagem” do vice e quase presidente golpista Michel Temer.
Muitos no Bar do Gê nem sabiam direito quem era Michel Temer. Zebrinha, com a sua já famosa agilidade mental digna de Rubinho Barrichello, lembrava-se vagamente de quando Temer foi secretário de Segurança de São Paulo.
Coube, mais uma vez, ao Sabe Tudo inteirá-los dos fatos: sim, esse mesmo Temer já escolhe o ministério antes do Senado resolver de vez o destino de Dilma, dando números finais ao golpe, é esse, sim; esse que participou dos dois governos atuais como vice-presidente e que agora pula a cerca.
Zebrinha, Gole Grande, Pança e o dono do bar, o Gervásio, se entreolham, com o último acentuando: “Não gosto de dedo-duro, não gosto de traíra. Imagina se um de vocês, num belo dia, me tira daqui e assume o balcão, sem mais e nem menos?”
Foi a deixa para Gole Grande lembrar que até na cadeia existe código de honra e que lá traíra não tem respeito de ninguém. “É como diz aquela música: ‘O que ela faz com ele vai fazer comigo’. Lembram? Do Luiz Ayrão, sobre a morena de um amigo que está de olho nele. Mas ele não vai nessa, não. Preferiu ser fiel ao amigo. Lembram?”
Pança, com a barrigona colada no balcão (aliás, como e praxe), refletiu um pouco e questionou: “Qual o futuro de um traidor?”
Sabe Tudo lembrou que Joaquim Silvério dos Reis morreu no esquecimento, jogado num canto em São Luis do Maranhão. “E Judas, bem, Judas, segundo Matheus, se enforcou, mas de acordo com Lucas se jogou de um abismo, tendo se partido ao meio. Seja qual tenha sido o fim, foi trágico”.
Gervásio, conhecedor do destino de várias pessoas que frequentam e frequentaram seu bar nos seus 30 anos de atividade, afirma, com a certeza dos sensatos e dos experientes: “Independentemente do fim da vida, o que mais mata o ser humano vaidoso e egoísta é o esquecimento”.
No que, Zebrinha comenta: “Esquecimento? Então estou ferrado, vivo me esquecendo de tudo…”
“Não, Zebrinha, cabeça oca, estamos falando do sujeito ser esquecido pela sociedade, pelos amigos. E esse Temer, que não teve nenhum voto para se colocar onde está querendo se meter, você acha que no futuro terá voto?, questionou o Sabe Tudo.
Filosofando com inspiração, Sabe Tudo dispara: “Traidor só pode fazer bem uma ‘trairagem’ uma única vez, pois, depois disso, não terá a confiança nem de quem o pagou pela ‘mercadoria’”.
“Bom, vamos mudar de assunto. E o Cunha, hein? Vai preso ou não vai?”, perguntou Gole Grande, depois de tomar um trago daqueles que o deixaram famoso e lhe renderam o apelido. Dessa vez, a pergunta sem resposta, todos ficam em silêncio e apenas balançam a cabeça, como se disso não saísse assunto nenhum.