Por Claudio Lovato Filho, jornalista e escritor –
Na madrugada fria, deitado na ampla cama de guarda alta, intrépida embarcação a navegar águas calmas no imaginado oceano que é o quarto escuro, ele pensa, enquanto a mulher dorme, bela e profundamente, a seu lado, no quanto desejara aquilo, no quanto se esforçara para aquilo e no quanto, um dia, viria a ser reconhecido e adorado por aquilo, e, lançando mão de toda sua inesgotável capacidade de perdoar a si próprio pelos erros e as indignidades que, além do mais, jamais admitiria ter cometido, vira-se para o lado, esfrega um no outro seus pés de ancião tratados a hidratante, e, aconchegado no útero quente e reconfortante de seu ego colossal, seu lugar preferido no mundo, adormece ouvindo o primeiro canto dos pássaros , que a ele vêm, e somente a ele, mais uma vez, em estoico ritual, prestar sua justa e inebriante homenagem matutina.