Intérprete de Marcelo Rubens Paiva no cinema, ator franco-brasileiro
Por Beatriz Bourroul, compartilhado da Revista Quem
na foto: Antonio Saboia — Foto: Jorge Bispo
Antonio Saboia, 39 anos de idade, interpreta o escritor Marcelo Rubens Paiva no filme Ainda estou aqui, dirigido por Walter Salles e aclamado pela crítica nacional e internacional. O longa, que rendeu o prêmio de Melhor Atriz a Fernanda Torres no Globo de Ouro 2025, é baseado no livro escrito por Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice Paiva, Fernanda nos cinemas, e de Rubens Paiva, papel de Selton Mello.
Ao falar sobre a repercussão do filme, o ator enaltece a boa repercussão internacional da produção brasileira. Nascido em Paris, na França, Antônio se mudou para Brasília quando tinha apenas 4 anos. Na adolescência, retornou à França, onde iniciou sua carreira teatral. Filho de mãe franco-espanhola e pai maranhense, ele conta que teve apoio familiar para a profissão artística. Em conversa com Quem, o ator, atualmente em férias na capital francesa, em férias, fala da curiosidade do público internacional. “O filme fez muito sucesso no Brasil e observo aqui, na França, que as pessoas também com grande expectativa para assistir.”
“Meus pais são superdiplomados. Quando decidi ser ator, aos 15 anos, eles me apoiaram. Lembro de, aos 18, estar em uma festa na França, com meu pai, e lá estava o grande ator Omar Sharif. Meu pai se dirigiu ao Omar e falou que tinha um filho iniciando na carreira e se ele tinha algum conselho. ‘Desista’, foi o conselho dado pelo Omar (risos). No momento, fiquei muito zangado, não entendi a provocação. Hoje, eu entendo. É tão difícil a profissão que você realmente precisa querer para poder se manter nela”, conta, citando o ator egípcio Omar Sharif (1935-2015), estrela de Doutor Jivago (1965).
Globo de Ouro:
Quem: Ainda estou aqui tem repercutido muito, especialmente após a premiação da Fernanda Torres, como melhor atriz, no Globo de Ouro. Como tem acompanhado esse sucesso?
Antonio Saboia: É um momento histórico, um presente para o nosso cinema e para o nosso Brasil. Estou de longe, na França, vendo a repercussão, essa comoção esse clima de Copa do Mundo. O filme fez muito sucesso no Brasil e observo aqui, na França, que as pessoas também com grande expectativa para assistir. Isso é massa! Espero que isso impulsione nosso cinema e que faça as pessoas terem coragem de investir mais no nosso cinema. Vamos torcer para Ainda Estou Aqui estar na lista do Oscar também.
Antes mesmo da estreia, o filme já estava com um bom burburinho também no Brasil.
Isso é maravilhoso. Já tínhamos bons indícios — história, elenco, direção — de que seria uma bela obra, mas o sucesso não é uma ciência exata. Fiquei muito feliz com toda a repercussão e todos os acontecimentos. O filme é político e fala essencialmente sobre família.
Como surgiu a oportunidade de participar do filme, interpretando Marcelo Rubens Paiva?
A chance de fazer veio por uma convergência de situações. Tinha acabado de estrear nos cinemas do Brasil com Deserto Particular, do Aly Muritiba. Sabia que o Walter Salles tinha gostado do filme. Quis tentar falar com ele e consegui um e-mail de contato. Escrevi, sem grandes expectativas. Ele me respondeu, combinou um encontro na Livraria Argumento, no Leblon, para falar sobre as possibilidades. Essa livraria é, inclusive, uma personagem do filme. Neste meu bate-papo com o Walter, falamos sobre uma porção de assuntos, inclusive os rumos do nosso cinema nacional. No final dessa conversa, ele me falou sobre Ainda estou aqui, me ofereceu o personagem Marcelo, pediu que eu lesse o roteiro para ver se aceitava. Falei que nem precisaria ler. Disse: “Tô dentro”.
A carreira artística é marcada por altos e baixos. Como avalia as instabilidades da profissão?
Há altos e baixos. Fico feliz por transitar entre os diferentes formatos. Estava com vontade de voltar a fazer novela e veio Mania de Você (ele fez o papel de Henrique, filho de Berta e marido de Ísis). Acho que atuar em novelas é um exercício muito difícil, afinal é preciso segurar a personagem por um longo período de tempo. Até hoje, só fiz as primeiras fases das novelas. Não participei do projeto completo.
E você tem essa vontade? Ou prefere aceitar propostas apenas por um período menor, com tempo delimitado?
Se a gente pudesse escolher (risos)… O meio não é assim. E adoraria fazer uma novela inteira. Para Mania de Você, eu fiz testes uns bons meses de começarem as gravações. A gente vive em um país que não há a indústria do cinema. É um fluxo limitado de projetos. Acho que é importante criar nossas oportunidades, produzir projetos. É importante se manter vivo e ativo. Não há fórmula. Tenho roteiros de curtas no meu computador, tenho ideias, escrevo… Meu pai, uma vez, comentou comigo: ‘Como demora esse meio, não é?’. Para você ter uma ideia, o Walter Salles me entregou o roteiro de Ainda estou aqui em março de 2022. A gente só foi filmar em novembro de 2023. Às vezes, demora muito.
Você citou seu pai. Sua família sempre te apoiou?
Sou franco-brasileiro. Sou mezzo a mezzo. Sempre quis fazer jornalismo e esse era o sonho do meu pai. Embora ele tenha trabalhado como jornalista, mas acabou trilhando o caminho do Direito. Minha mãe começou professora de Letras, mas depois virou pesquisadora da Escola dos Altos Estudos Sociais, na França. Meus pais eram acadêmicos, superdiplomados. Então, nunca fizeram muita pressão nesse sentido. Quando decidi ser ator, aos 15 anos, eles me apoiaram. Lembro de, aos 18, estar em uma festa na França, com meu pai, e lá estava o grande ator Omar Sharif. Meu pai se dirigiu ao Omar e falou que tinha um filho iniciando na carreira e se ele tinha algum conselho. “Desista”, foi o conselho dado pelo Omar (risos). No momento, fiquei muito zangado, não entendi a provocação. Hoje, eu entendo. É tão difícil a profissão que você realmente precisa querer para poder se manter nela. Vendemos nosso corpo, nossa voz, nosso rosto para os trabalhos. E há muita rejeição. Até você entender os mecanismos e compreender que não se trata de algo pessoal, demora um certo tempo.
Você citou que essa situação aconteceu na França aos 18 anos, mas você se mudou para o Brasil ainda criança, certo?
Vim para o Brasil aos 3 anos. Vivi entre Brasília e São Luís. Depois de seis anos, voltei para França e vivi lá entre os 9 e 18 anos. Na sequência, fui morar na Inglaterra para estudar teatro e passei quatro anos por lá. Aos 22, voltei para o Brasil e comecei a minha carreira aqui.
A experiência de ter vivido fora acaba influenciando nas suas escolhas profissionais?
De certa forma, sim. A gente acaba desmitificando muita coisa, aquele olhar de que a grama é mais verde na casa do vizinho. Também desmistificamos o estrelato. Tem muita gente nesse meio que quer a fama. Eu quero contar histórias legais. Não sou nenhum intelectual, mas meus pais eram. Então, sempre fui atravessado por referências. Minha casa era repleta de livros. Sempre prezei muito pela qualidade dos roteiros e acho que transitar é muito importante.
A carreira de ator é marcada por ‘nãos’. Não apenas a negativa no teste, mas também é um meio em que até ser chamado para um teste não é simples.
É um longo processo. Comecei a fazer o teatro ainda na adolescência e todos nós somos próximos. Somos uma rede de apoio. De qualquer forma, nossa profissão é solitária. A rejeição mexe com a gente. Por isso, a terapia é muito importante. Construir uma carreira artística é uma loucura. No início, a gente leva a rejeição para um lado pessoal. Depois, a gente entende que há um mecanismo. Quem decide também sofre. Tenho amigos que são produtores de elenco e sei que eles são bombardeados por profissionais querendo trabalhar.
Atores com anos de carreira acabam enfrentando algumas questões de mercado. Anos atrás, existiam os modelos. Hoje, os influencers. Como você enxerga isso?
Ainda estou tentando entender. Não sou um cara extremamente engajado nas redes sociais. Não faço muitos posts. Temos que nos adaptar aos tempos, feliz ou infelizmente, não sei. Hoje em dia, se você não tiver uma rede social, você não existe.
E é bem complicado ver pessoas sendo escolhidas por quantidade de seguidores nas redes.
Isso é um absurdo! É um que a quantidade de seguidores seja um critério de escolha. Deveria ser regulamentado. Quantidade de seguidores não é sinônimo de qualidade, nem de audiência. O que as pessoas assistem a determinada personalidade nas redes sociais, em vídeos curtos, que isso vai ser refletido em audiência na TV. As pessoas querem ver boas histórias, querem ser comovidas.
Você fez uma participação na fase inicial de Mania Você. Quais seus projetos para 2025?
Estou na quarta temporada de Arcanjo Renegado. O pessoal do AfroReggae capricha nas produções e nas histórias. Estou bem feliz porque há uma inserção social, uma real diversidade no set. Acho que José Junior sempre foi atento a isso, é um dos profissionais mais coerentes nesse lema. Ele sempre foi atento à diversidade, não apenas no elenco, mas também nos profissionais que estão por trás das câmeras, no ponto de vista como as histórias são contadas.
E como gostaria de se ver daqui a 10 anos?
Numa mansão, com a conta bancária bem recheada… (risos) Estou brincando! Quero estar com uma estabilidade profissional. Há momentos em que temos trabalho, outros não. Muitas vezes, começamos um trabalho, pensando o que vamos fazer quando o trabalho acabar. Tem gente que passa dois, três, quatro, cinco meses sem trabalho. Espero ter estabilidade e ser menos produtor de mim mesmo. Gostaria de poder escolher trabalhos e também atuar em outras línguas.
Atuar fora do Brasil, em outro idioma é um desejo?
O objetivo não é uma carreira internacional, definir que quero ter uma carreira exclusivamente em tal lugar, mas quero contar histórias diversas ao redor do mundo. Minha avó era espanhola, meu avô era de uma região disputada entre França e Alemanha. Em 2025, devo atuar em um filme distópico de um diretor espanhol Álvaro Monteiro, previsto para ser rodado na Venezuela.
Em 2025, você completa 40 anos. A questão etária já te trouxe reflexões sobre o que ainda anseia realizar?
Essas idades redondas — 20, 30, 40 anos… — são balizas, né? Fazem pensar sobre quem a gente é, o que a gente criou. O Matthew McCounaghey, quando recebeu o Oscar (em 2014, como melhor ator por Clube de Compras Dallas), foi questionado sobre quem era o seu herói e respondeu: “Eu daqui a dez anos. Sou meu herói e estou sempre atrás da versão melhor de mim mesmo”. A insatisfação é necessária para nos impulsionar, mas sem autoflagelo.
Você falou sobre o desejo de uma estabilidade profissional. E no âmbito pessoal? Gosta de projetar como gostaria de estar nos próximos anos?
Acabo ficando muito tempo no Brasil e, quando saio, acabo indo para a França e visito a família. Acho que viajar é a melhor coisa e ainda quero desbravar muito desse mundo. Já morei em Brasília, São Luís, Rio… Desde o meio do ano passado, moro em São Paulo com a minha esposa, com quem estou há três anos. Gosto muito de São Paulo. Ainda tem uma série de destinos que desejo conhecer, como Japão, Tailândia, Filipinas, países da América Central, do Sul… Eu e a Malu — como chamo a minha esposa, Maria Luiza — realizamos o sonho de ir para a Grécia.
E você já apresentou a França para a sua esposa?
Sim, sim. Ela é psicóloga e em uma das temporadas ficou três meses por lá para aprender o idioma. Eu aprendi português e francês ao mesmo tempo, ainda criança. A decisão para minha esposa aprender aconteceu de forma orgânica. Na primeira vez que ela esteve na França, acho que rolou uma frustração por não ter conseguido se comunicar com as pessoas que eu amo. Ela é muito estudiosa e se colocou essa desafio de passar três meses lá na França, fazendo aulas… Queremos ter filhos e a ideia é alfabetizar em português e francês.
Se você tivesse que falar em sonhos — pode sonhar alto — o que gostaria de realizar?
Já pensou se eu pudesse ter a chance de trabalhar com Martin Scorcese e Paul Thomas Anderson? Gosto da visceralidade dos personagens deles, há uma visceralidade muito forte e que acho muito interessante como atores.