Ao atacar a Polícia do Rio, Veja pavimenta o caminho para a federalização do caso Marielle

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De Cynara Menezes , publicado em Socialista Morena – 

Sob a direção de amigos de Paulo Guedes, revista da Abril adere ao governo e tenta manipular leitores em vez de fazer jornalismo

CAPA DA VEJA DESTA SEMANA. FOTO: REPRODUÇÃO

Observa-se, desde a posse de Jair Bolsonaro, uma clara queda-de-braço entre o governo federal, aliado ao Ministério Público do Rio, e a Polícia Civil carioca sobre os rumos da investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Esta disputa deu os primeiros sinais em março, quando o delegado titular da Delegacia de Homicídios, Giniton Lages, foi afastado imediatamente após ter confirmado que a filha de Ronnie Lessa, um dos suspeitos de matar a vereadora, namorou o filho mais novo do presidente, Renan.




Na entrevista coletiva que deu, no dia 12 de março deste ano, sobre os andamentos da investigação, Lages fala a um jornalista sobre o namoro entre Renan e a filha de Lessa, de quem Bolsonaro afirmou não se lembrar. “Está confirmado que o filho mais novo de Bolsonaro namorou ou namora a filha de Ronie Lessa?”, pergunta o repórter. “Está confirmado, mas isso não é objeto de investigação neste momento. Mas poderá ser enfrentado num momento oportuno”, diz o delegado. No dia seguinte, Lages é afastado do cargo, sob a alegação dada pelo governador Wilson Witzel de que “estava cansado”.

A disputa entre o governo federal e a polícia do Rio deu os primeiros sinais em março, quando o delegado Giniton Lages foi afastado das investigações imediatamente após ter confirmado que a filha de Ronnie Lessa, um dos suspeitos de matar Marielle, namorou o filho mais novo do presidente, Renan

A queda-de-braço da Polícia Civil do Rio com o governo e o MP fica ainda mais evidente diante do últimos acontecimentos envolvendo o caso Marielle. A Globo recebeu a informação de que, no caderno de registro de entrada do condomínio onde vive Bolsonaro, seu filho Carlos e Lessa, preso preventivamente pelo crime, estava escrito que Élcio Queiroz, apontado como motorista do carro que emboscou a vereadora, chegara ao condomínio dizendo que iria para a casa 58 –a casa de Bolsonaro. Iniciou-se, então, uma operação para tirar a Polícia Civil do caso, com a ajuda preciosa da revista Veja.

Com o intuito de manipular seus leitores, a “reportagem” desta semana, a semanal da editora Abril assume na capa como verdadeira a informação de uma promotora do MP-RJ de que o porteiro “mentiu”. A revista sustenta que a investigação tem sido “um desastre”, o que explica o “depoimento mentiroso”, “fajuto”, que “tentava ligar Bolsonaro aos assassinos” –e isso tudo depois de os jornais, durante a semana, mostrarem que a “perícia” foi feita pelo MP a toque de caixa e ignorou o livro de registros com a anotação “casa 58”.

A “carta ao leitor” da revista Veja desta semana faria corar até o Alexandre Garcia em termos de puxa-saquismo explícito a Bolsonaro –e vai contra qualquer técnica de jornalismo investigativo existente

“carta ao leitor” da revista faria corar até o Alexandre Garcia em termos de puxa-saquismo explícito a Bolsonaro –e vai contra qualquer técnica de jornalismo investigativo existente. A revista assume, de forma açodada, seguindo o exemplo do novo engavetador-geral da República, que o nome do presidente foi incluído “equivocadamente” e que inserir Bolsonaro no caso é “leviano”. Diz ainda que a investigação é “incompetente” e “manipulada por alas distintas da polícia do Rio”, sem mostrar evidência alguma disso.

Tanto a carta quanto a “reportagem” da revista não citam em nenhum momento a “central de mutretas”  que teria sido montada por um delegado da Polícia Federal, Hélio Khristian, para atrapalhar a investigação, segundo denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República no apagar das luzes do mandato de Raquel Dodge, em setembro. E ignora olimpicamente o livro de registro com a anotação, se atendo aos depoimentos do porteiro. O depoimento foi desmentido pelas promotoras do MP –uma delas já afastada do caso por ter apoiado Bolsonaro na eleição–, mas o livro de registro, não.

ANOTAÇÃO NO REGISTRO COM O NÚMERO “58”. FOTO: REPRODUÇÃO REDE GLOBO

Para não prejudicar seu discurso contra a Polícia Civil, Veja tampouco faz referência às reclamações dos peritos criminais de que não foram acionados para periciar a mídia apreendida no condomínio onde mora o presidente. O exame foi feito por técnicos do Ministério Púbico através de um CD apresentado pelo síndico do condomínio, ou seja, sem que tenha havido a apreensão dos equipamentos do sistema da portaria. “Lamentamos que um evento de grande importância criminal para o país, que envolveu até o presidente da República, venha a ser apresentado sem o devido processo de comprovação científica”, criticou o Sindicato dos Peritos Criminais, em nota.

O próprio presidente tem mostrado sua insatisfação com a investigação feita pela Polícia do Rio por meio dos ataques que faz ao governador do Estado, Wilson Witzel. Na já famosa live onde se mostra totalmente descontrolado após a reportagem do Jornal Nacional, Bolsonaro acusa Witzel de ter vazado a informação para a Globo por ser seu adversário na disputa presidencial em 2022, e disse que queria “conversar com o delegado” responsável pelas apurações.

“Lamentamos que um evento de grande importância criminal para o país, que envolveu até o presidente da República, venha a ser apresentado sem o devido processo de comprovação científica”, criticou o Sindicato dos Peritos Criminais

As associações de delegados da Polícia Civil  divulgaram nota acusando o presidente de tentar intimidar a apuração da verdade sobre o crime. “Valendo-se do cargo de presidente da República e de instituições da União, claramente ataca e tenta intimidar o delegado de polícia do Rio de Janeiro, com o intuito de inibir a imparcial apuração da verdade”, diz o texto.

No sábado, 2 de novembro, Bolsonaro acusou diretamente o governador do Rio de “manipular as informações” para implicá-lo no crime. “Minha convicção é de que ele agiu no processo para botar meu nome lá dentro”, afirmou. O presidente acusou o delegado da Polícia Civil responsável pelo caso Marielle, Daniel Rosa, de ser “amiguinho” do governador. Em setembro, a pedido do presidente, seu partido, o PSL, deixou a base de apoio a Witzel.

O governo agora atua para federalizar a investigação, tirando-a das mãos da Polícia Civil do Rio. Em evento em Curitiba na sexta-feira, 1° de novembro, o ministro Sergio Moro defendeu a federalização. “Considerando a demora de identificação dos mandantes e essas reiteradas tentativas de obstrução da Justiça, talvez seja o caso realmente de federalização”, disse. Os familiares de Marielle, porém, não querem que o caso vá parar nas mãos da Polícia Federal, e consequentemente de Moro, de jeito nenhum.

Com sua “reportagem” chapa-branca, Veja pavimenta o caminho para que a investigação vá para Brasília, sob os cuidados de Moro, o que os parentes de Marielle não querem de jeito nenhum. “Moro contribuirá mais se permanecer afastado das apurações”, diz nota da família

“Acreditamos que Sergio Moro contribuirá muito mais se ele permanecer afastado das apurações”, disseram, em nota, Marinete Silva e Antonio Francisco da Silva, pais da vereadora, além de Anielle Franco (irmã), Monica Benício (viúva) e Marcelo Freixo (deputado federal pelo PSOL e amigo de Marielle). “Moro sempre demonstrou pouco interesse pelas investigações do crime. Somente após a menção ao presidente da República, Jair Bolsonaro, no inquérito, o ministro começou a se declarar publicamente a favor da federalização.”

Com sua “reportagem” chapa-branca, Veja apenas ajuda a pavimentar o caminho para que a investigação saia do Rio e vá para Brasília, sob os cuidados de Moro. É curioso lembrar que a postura da revista em relação a Bolsonaro tem mudado desde que a massa falida da editora Abril foi adquirida pelo advogado Fabio Carvalho, em dezembro de 2018, em parceria com o banco BTG Pactual, que tem entre seus fundadores ninguém menos que o ministro da Fazenda, Paulo Guedes.

Durante as eleições, o partido de Bolsonaro chegou a ir à Justiça para mandar tirar a revista de circulação, após Veja publicar uma matéria com informações sobre o processo envolvendo a separação dele e de sua segunda esposa, Ana Cristina Siqueira Valle, em 2008. Já na semana passada, o presidente aplaudiu a revista pela matéria com um suposto depoimento do publicitário Marcos Valério acusando Lula de ser o mandante do assassinato de Celso Daniel, em 2002, integralmente desmentida pelo delegado e pelos promotores que cuidam do caso, de acordo com reportagem do El Pais.

O que mudou na relação da Veja com o presidente para que, de contra-exemplo, a revista virasse exemplo? Teria a ver com a visita de cortesia feita pelo novo dono da Abril ao ministro Paulo Guedes, em agosto? E, mais importante: a quem interessa tirar as investigações sobre o caso Marielle das mãos da Polícia do Rio.

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