Ao levar fake news contra Lula para o Netflix, José Padilha se iguala a troll de direita

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Por Cynara Menezes  em Socialista Morena – 

Cineasta de Tropa de Elite criou, com O Mecanismo, uma nova forma de fazer ficção, a ficção baseada em fatos reais inventados

O CINEASTA NO FESTIVAL DE BERLIM, EM 2008. FOTO: DIVULGAÇÃO

O Brasil e o mundo vivem uma guerra contra as notícias falsas que, com as redes sociais, se espalham como rastilho de pólvora. O potencial das fake news é literalmente explosivo: estudo mostra que apenas três delas foram capazes de influenciar o resultado das últimas eleições nos EUA. No Brasil, as fake news têm servido para incitar o ódio contra o ex-presidente Lula, principal alvo delas no país hoje. Sobre Lula e sua família já se publicaram as maiores barbaridades, desde que o filho dele é dono de uma mansão no interior usando uma foto da ESALQ; até dizerem que sua mulher, Marisa, não morreu e está na Itália.




A pretexto de fazer ficção em cima de fatos reais, o cineasta José Padilha, de Tropa de Elite, se tornou um produtor de fake news ao inserir na boca do personagem baseado em Lula de sua nova série da Netflix, O Mecanismo, a frase sobre “estancar a sangria” celebrizada pelo senador golpista Romero Jucá. Ou seja, Padilha colocou na boca do ex-presidente uma frase pronunciada por um político que estava do outro lado do espectro político, seu ex-aliado, é verdade, mas naquele momento seu inimigo. Seria o mesmo que atribuir a John Kennedy uma frase dita por Richard Nixon. Isso não é ficção “baseada em fatos reais”; isso se chama falsear a história. Mentir.

É lamentável que um cineasta com carreira internacional se rebaixe dessa maneira, igualando-se a um troll qualquer de internet. Não há diferença entre Padilha e o troll Luciano Ayan (agora identificado como Carlos Augusto de Moraes Afonso), que teve seu perfil cancelado no facebook após ficar demonstrado que foi um dos principais disseminadores de calúnias sobre a vereadora Marielle Franco, executada há duas semanas. Ninguém duvide que, se algum dia for contar a história de Marielle, o cineasta coloque frases da desembargadora Marília de Castro Neves em sua boca.

Tudo é possível no mundo fakecional de Padilha, e a esquerda não pode nem criticar, tem de aceitar caladinha ou será acusada de “censura”. Pois eu não defendo cancelamento de assinatura da Netflix e nem mesmo que as pessoas deixem de assistir à série. Só quero, como jornalista, repor a verdade dos fatos e apontar que o que faz o diretor ao subverter a história, ao mentir, é desonestidade intelectual –um paradoxo para quem diz que quer “contribuir”, com seu trabalho, para um país melhor.

É lamentável que um cineasta com carreira internacional se rebaixe dessa forma, igualando-se a um troll qualquer de internet. Não há diferença entre Padilha e o troll Luciano Ayan, que disseminou mentiras sobre Marielle

Em nota pública, a presidenta eleita Dilma Rousseff apontou outras inverdades na série do Netflix em que o diretor resolve, à moda de Stalin, recontar a história a seu bel-prazer. “A série O Mecanismo, na Netflix, é mentirosa e dissimulada. O diretor inventa fatos. Não reproduz fake news. Ele próprio tornou-se um criador de notícias falsas”, acusa Dilma. Ela enumera as fake news de Padilha: trata o escândalo do Banestado como se tivesse se passado na época de Lula e não em pleno governo FHC; coloca o doleiro Alberto Yousseff como participante da sua campanha de reeleição, em 2014; e inventa uma relação de amizade entre Dilma e Paulo Roberto Costa, exonerado por ela da Petrobras.

Confrontado com as críticas de Dilma, Padilha se saiu com a resposta habitual: ela “não sabe ler”. “Se a Dilma soubesse ler, não estaríamos com esse problema”, disse o cineasta, que, como muitos direitistas, se define como “nem de direita nem de esquerda” ou “sem ideologia”. Idêntica resposta foi dada pelo diretor ao advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, que se queixou de um artigo publicado em 2016 por Padilha no jornal O Globo onde este pedia “a cabeça” de Lula: “não sabe ler”, afirmou o cineasta sobre o advogado.

E se um cineasta de esquerda resolvesse criar uma série de ficção baseada no escândalo das privatizações e colocasse na boca de FHC a frase “estamos agindo no limite da irresponsabilidade”?

Imaginem se um cineasta de esquerda resolvesse criar uma série de ficção baseada no escândalo das privatizações durante o governo FHC e colocasse o presidente proferindo a famosa frase do diretor da área internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira: “Estamos agindo no limite da irresponsabilidade”. Ou se FHC aparecesse num filme dizendo a frase do embaixador Rubens Ricupero no governo Itamar: “Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde.” Como reagiriam os tucanos e a mídia que os representa? É que contra Lula e o PT acabaram-se os pruridos. Quando até o “maior jornal do país” é capaz de divulgar uma ficha falsa da futura presidenta da República ou publicar um artigo acusando Lula de estupro, não há mais limites.

Claramente José Padilha criou, com O Mecanismo, uma nova forma de fazer ficção, a ficção baseada em fake news ou faketícia. A partir de agora, tudo pode acontecer: desde um Lula dizendo que “tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer a delação” até um Lula dizendo que “tem que manter isso aí” ou “quando vejo passeata contra a violência, tenho vontade de sair metendo a porrada”. A desconstrução do petista como o “inimigo número 1” do país passa pela utilização de mentiras na mídia, nas redes sociais, no cinema e agora também no Netflix. Goebbels está rolando na tumba de inveja.

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