Por Donato do DCM, publicado no Blog da Luciana Oliveira –
Buscando desvincular a marca de um episódio trágico, a morte do menino João Victor, o Habib’s emitiu uma longa nota de quatro páginas
“Como todo menino de apenas 13 anos, poderia ir à escola, fazer amigos, crescer, trabalhar, apaixonar-se por alguém, formar uma família e bem lá na frente, concluir seus dias rodeado pelos filhos, netos e outros que o amassem. No entanto, caiu vítima do mais trágico conjunto de circunstâncias a que milhares de crianças brasileiras estão vulneráveis nos nossos tempos: falta de assistência social, falta de educação, falta de alimentação, falta de estrutura familiar e a devastadora exposição às drogas”, diz o texto.
E é por este caminho que vai todo o documento. Lamenta a morte do garoto e insiste, via existência de laudo, que a morte ocorreu em decorrência de um mal súbito como consequência do uso de drogas e nenhuma relação com as agressões existentes (algumas delas registradas por câmeras, outras relatadas por testemunhas).
Para piorar um pouco, reforça que as imagens dos seguranças arrastando e atirando o menino no chão como um trapo teriam ganhando mais atenção do que o real problema do caso: a marginalização e desamparo social de João Victor.
Quase como um depoimento frente ao delegado, o texto apresenta um detalhado relato do passo-a-passo no momento da confusão, a ligação para a polícia, a ligação para o SAMU, a ‘solicitação de ajuda e recebendo orientações de como proceder o atendimento até a chegada da ambulância’.
Mas não era um depoimento a um delegado e, pelo visto, o Habib’s não dispunha de um advogado na hora de redigir a nota ou então está muito mal assessorado.
Após todo o lenga-lenga que busca a empatia com o leitor, que lamenta a injustiça social e a condição precária da vida de João Victor, a nota ‘mostra provas’ de que o menino já era um caso perdido e cita a existência de dois boletins de ocorrência que envolviam-no. Não apenas cita, dá os números de registro, datas e históricos. João Victor era menor, não poderia ser exposto dessa forma. B.O.s que envolvem menores são mantidos em sigilo.
“O Habib’s infringiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, não se pode fazer isso, divulgar o conteúdo do que tratam os atos infracionais, isso é ilegal”, disse ao DCM o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo. Ele acompanha o caso desde os primeiros momentos.
A rede de lanchonetes persistiu na estratégia de incriminar o menino e terminou derrubando a esfiha com o recheio virado pra baixo, de novo. O Ministério Público informou que vai investigar a empresa pela divulgação dos BOs.
O Habib’s, infelizmente, chora muito mais por ver ‘com tristeza a marca e todos os colaboradores injustamente associados à morte de João Victor’ e lamenta o ‘tribunal das redes sociais’, contradizendo-se na pressa: “Mesmo que nos primeiros momentos o silêncio nos prejudicasse, atendemos a esse clamor da forma mais responsável possível. Diante de um fato grave como esse, envolvendo a morte de um menor, era necessária a apuração dos fatos. Aguardamos a manifestação das autoridades envolvidas e do poder público.”
Ao se aferrar ao único laudo até agora, que ‘contraria jugamentos precipitados’, o Habib’s exclui veementemente a responsabilidade das agressões na morte do garoto. Pode não ser tão simples. A queixa por estar sendo vítima do pós-verdade não autoriza um comunicado assim, digamos, pré-verdade.
“A família fez o pedido de exumação pois há contradições. Há dois testemunhos sobre as agressões e mais o trecho de gravação no qual o menino é jogado no chão. O laudo é uma prova, mas deve ser analisado em conjunto com outras provas. Portanto espero que na próxima semana a delegada acate o pedido de exumação”, afirmou Ariel de Castro Alves, por telefone.