Publicado em Nocaute –
Principal atração do terceiro dia do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), a cantora baiana Daniela Mercury criticou a retirada da montagem “O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu”, protagonizada por uma mulher trans, da grade teatral do festival.
Já que a gente está falando de amor, me choca profundamente que os políticos do nosso país censurem uma peça de teatro, censurem uma exposição de arte de grandes artistas. É de uma petulância absurda.
Se tivéssemos protestos religiosos que não compreendem a arte, que não entendem que a arte não tem dogma, que a arte é crítica social, que a arte é uma reflexão sobre nós, que a arte é essencialmente livre, singular, é uma palavra escrita, desenhada, um gesto, uma atitude, uma instalação.
A arte é para incomodar, para fazer pensar, para refletir, para libertar a cabeça de merda.
Não existe uma civilização sem liberdade. Não existe uma civilização na face da terra que não tenha sido construída a partir das manifestações artísticas do seu povo. Então não me venha agora com ignorância querendo conceituar o que é ou não é arte. É uma ignorância absurda.
O ministro Carlos Ayres Britto disse que vivemos na idade da mídia. Mas parece que estamos na idade média. Censurar uma peça de teatro por convicções religiosas é um absurdo, isso não pode ser permitido. A nossa Constituição não é a Bíblia.
Eu sou de família católica e respeito profundamente, mas a nossa Constituição nos permite lidar com símbolos religiosos e falar sobre eles, principalmente num país tão católico como o nosso.
Eu falei agora com a Renata Carvalho pelo telefone. Ela está muito magoada. Como que alguém tem a capacidade de oprimir uma pessoa, uma travesti. Há tantos anos são massacrados, sofrem violência nesse país.
Ela falou comigo agora com a voz embargada. Eu senti vergonha pelos políticos que fazem isso com as pessoas nesse lugar. Antes de qualquer coisa, é desumanidade, maldade, ruindade. Desculpe meu amor pelas pessoas. Eu não aceito ninguém maltratando ninguém. Antes de qualquer coisa é maltrato. Não é opressão, não tem nomezinho bonitinho para quem está fazendo defesa de politicamente correto porra nenhuma. É maldade.
Ela é Jesus Cristo, sim. Jesus Cristo, eu estou aqui, eu sou gay, sou lésbica, e dai?! Eu estou precisando muito de um rock, da alma de Raul Seixas aqui, de gente que não é careta, porra. Tá chato para caralho esse país! Que merda! Vá policiar a puta que lhe pariu! Bichos escrotos, saiam dos esgotos. Bichos escrotos, venham enfeitar meu lar, meu jantar, meu nobre paladar, porra.
Meu amigo Renato Russo. Era gay, muito gay, muito bicha, muito viado, sim!