O que Chico Buarque fez foi desnudar um certo exagero em algumas cobranças do politicamente correto. E o fez sem ofender o que é correto social e politicamente
Compartilhado de Brasil 247
Em 1973 Chico Buarque teve os microfones desligados quando, ao lado de Gilberto Gil, cantarolou a proibida “Cálice” em um show em São Paulo. O ‘Cale-se’ não era de vinho tinto de sangue e sim de uma mordaça vil. Foi o ápice de uma queda de braços em que o compositor, ao longo dos anos e com a maestria de um craque, driblava censores botinudos que o marcavam dia após dia, cancão após canção. Tal qual Garrincha, ele brincava com as palavras e seus versos eram bolas imaginárias passando no meio das pernas de censores e balançando as redes de generais que os comandavam.
Em 1976 Chico Buarque chacoalhou o Brasil com uma canção (“O Que Será”) com três letras diferentes que se completavam como um quebra cabeças musical. O enigma proposto pelo autor vai sendo revelado num ritmo alucinante até chegar numa explosão final de anseios por liberdade e sensualidade. Num tempo em que a repressão política se acasalava com a repressão sexual, Chico lançou um brado em defesa da autonomia da arte em qualquer tempo ou lugar: “o que não tem censura, nem nunca terá…”
Em 2022, depois de mais de cinco centenas de músicas compostas e uma dúzia de livros publicados, incluídos os textos para o teatro, ele surge em um documentário e revela para o país que jamais voltará a cantar uma música feita por encomenda em 1967 pela amiga Nara Leão; ‘Com Açúcar e Com Afeto’. Pressões de feministas o fizeram admitir que a música reforça a opressão sobre as mulheres e é claramente machista.